quinta-feira, 14 de março de 2002

Diálogos com Calazans: a historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos[5]

A Cultura
Nos anos 1970, os estudos culturais não configuravam campo específico para os historiadores. Com isso não quero afirmar que esse tipo de experiência não fora tematizada ainda. O interesse por literatura e algumas linguagens artísticas como a música e a pintura rondava a escrita histórica sergipana, afirmou o próprio Calazans ao citar A literatura em Sergipe (1908) de Joaquim do Prado Sampaio[1] como estudo pioneiro no gênero. Com interesse equivalente (diferençando-se apenas por estar voltado para as coisas do vulgo), destacou-se no período trabalhado por Calazans o pesquisador Clodomir Silva. Minha Gente (1926) foi sua obra de destaque. Ambos, Sampaio e Silva, sob os olhares do historiador do século XXI, tematizaram a esfera da cultura. Seus contemporâneos, entretanto, concordariam em classificar esses trabalhos como etnopsicologia (ou até antropogeografia) já que os mesmos haviam apropriado-se da veia culturalista do conterrâneo Silvio Romero.
Nas últimas três décadas, também em Sergipe, os estudos sobre as “as formas padronizadas de pensar, agir e sentir” migraram da antropologia para a História. A noção de cultura deixou de designar os fenômenos da arte, literatura e música para “referir-se a quase tudo que pode ser aprendido em uma dada sociedade – como beber, comer, andar, falar, silenciar e assim por diante. Em outras palavras, a história da cultura inclui agora a história das ações ou noções subjacentes à vida cotidiana”. (Burke, 1989, p. 25). Esse deslocamento (das formas elevadas do espírito – arte, literatura etc. – para as atitudes prosaicas do dia a dia) provocou uma avalanche de trabalhos acadêmicos que, no âmbito do DHI, começa a sufocar algumas áreas até então dominantes como a política e a economia.
Em relação à literatura, Jackson da Silva Lima manteve solitariamente a tutela dos estudos históricos. Publicou dois volumes da História da Literatura Sergipana (1971 e 1986) e várias monografias e antologias sobre literatos como Fausto Cardoso, José Sampaio, Tobias Barreto e Santo Souza. As demais formas de arte não conheceram ainda o seu Jackson da Silva Lima. Os trabalhos que tematizam as atividades cênica, plástica e visual são esparsos e sucintos. A produção teatral por exemplo, foi alvo de duas monografias. (cf. Prata, 1989; Santos, V. L, ?). Em termos de síntese, há o livro do ator Isaac Enéias Galvão que abrange as décadas de 1940/1980 mas insiste em permanecer inédito. Como síntese mais significativa da prática teatral no Estado podem ser citados os três artigos da jornalista Sueli Carvalho (1999) publicadas pela revista Aracaju Magazine.
“Alguns aspectos sobre a música popular sergipana” de Antônio Alves do Amaral e Wellington dos Santos (2000) é o melhor panorama dessa linguagem. O produto musical tematizado situa-se entre música produzida pela indústria cultural e o trabalho instrumental típico do conservatório estadual. Sobre esse tipo de instituição Ivete Eça da Conceição (1997) escreveu Sergipe cantava em Allegro Ma Montroppo: o canto orfeônico em Sergipe e a fundação do Instituto de Música e Canto Orfeônico de Sergipe/1930-1950. Para ampliar esse universo de produção e consumo seria necessário retroceder um pouco os marcos temporais desse trabalho e incluir a palestra do maestro Leosírio Guimarães intitulada “Panorama da música em Sergipe”. A dança é enfocada num curto artigo de Dorinha Teixeira Machado (2000) que reúne informações sobre bailarinos, espetáculos, escolas e grupos de dança entre os anos 1950 e 2000. As artes plásticas não conhecem síntese. Mas a súmula produzida por Ana Conceição Sobral de Carvalho (2000) é um interessante ponto de partida. Para conhecer esse universo, individualista pela própria natureza da atividade, é necessário folhear catálogos e algumas biografias publicadas como a de Adalto Machado, Melciades,  Pythiu e J. Inácio.(cf. Almeida, 2000; Mittaraquis, 2001; Rodrigues, 2001; Inácio, 2001). Do cinema, em nível de consumo, é imprescindível consultar os vários artigos veiculados em diários aracajuanos por Ivan Valença. No DHI, Sueli Bispo da Silva (2000) retratou os cinemas de bairro em Aracaju e, no âmbito da produção, Dijaldino Mota Moreno é o responsável pela matéria. O rádio e os músicos populares foram estudados por Dilton Cândido Maynard (1999). Sobre a arquitetura (ou sobre o patrimônio edificado) devem ser destacados os trabalhos de Verônica Maria Menezes Nunes, Maria Lúcia de Carvalho Leite, José Anderson do Nascimento (198_), Kátia Loureiro (1999) e a monografia de Rogério Freire da Graça (1999) no DHI.
Das artes nobres para as instituições intelectuais os trabalhos proliferam-se. Dentro da academia mereceram atenção as instituições e equipamentos intelectuais como a Universidade Federal de Sergipe, Arquivo Público Estadual, Museus do Homem Sergipano e Afro, bibliotecas Clodomir Silva e Pública Epifânio Dória, centros culturais como o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e a Casa de Cultura Afro-Sergipana e Academia Sergipana de Letras. (cf. Oliva, 1990; Barreto, 1996; Nascimento, 1999). A produção intelectual, notadamente a escrita dos historiadores também foi tema de estudo no DHI, ganhando destaque os autores Felisbelo Freire, Sebrão Subrinho, Maria Thetis Nunes, José Silvério Leite Fontes e José Calazans.
Em termos de educação, o esboço de um panorama dos estudos históricos já começa a ser viabilizado a partir dos recentes levantamentos de Jorge Carvalho do Nascimento. De 1906 a 2000, entre artigos, monografias e livros de síntese, foram produzidos cerca de cento e vinte trabalhos sendo que oitenta e três publicados entre os anos 1990 e 2000. Para esse mesmo autor, até a entrada da UFS nesse campo de pesquisas, vivia-se sob a hégide de uma “santíssima trindade” formada por José Calazans, Nunes Mendonça e Maria Thétis Nunes. Esta última, por exemplo, foi responsável pela maior parte da produção do gênero nos anos 1980. Entretanto, uma década mais tarde, o Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação toma as rédeas da produção e, juntamente com as monografias do curso de Licenciatura em História permite-nos conhecer a experiência educacional de temáticas como: história das disciplinas, política educacional, cotidiano escolar, história das instituições de ensino. Deve-se louvar, além dessas iniciativas, o trabalho exterior à Universidade produzido pelo Núcleo de Pesquisas em História da Educação da Prefeitura Municipal de Aracaju,[2] a circulação das revistas especializadas na área, Hora da Escola, Educar-se, Revista do Mestrado em Educação e o esforço solitário de Jackson da Silva Lima que aborda Os estudos filosóficos em Sergipe. Não se deixem enganar pelo título. Quem quiser conhecer a vida educacional de Sergipe entre os anos 1830 e 1930, além dos textos de Maria Thétis Nunes e de José Calasans, terá, obrigatoriamente que consultar o trabalho desse literato.
As instituições religiosas e fraternais foram também outro campo da cultura estudado pela historiografia recente. Sobre os católicos há trabalhos pioneiros como o de Francisco José Alves (1991) – o “Calendário religioso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Estância: 1772/1827 – e o estudo de Péricles Andrade Júnior (2000) Sob o olhar dirigente do pastor. Este último, além de tratar do processo de romanização em Sergipe, esboça uma história da Igreja católica no século XIX e início do XX. As práticas protestantes são estudadas Jônatas Silva Meneses, Clésia Oliveira Caetano Santos (1997), Ester Vilas Boas (2000), Edvar Freire Caetano (2001).  As religiões afro-brasileiras foram estudadas por Beatriz Góis Dantas (1988) e Janaina Couvo (1988). Os espíritas também tiveram registradas as suas Memórias e a Maçonaria encontrou o seu memorialista na pena de José Anderson do Nascimento. (cf. Jesus, 1997; Nascimento, 2000).
As atitudes da população diante de grandes epidemias também foram estudadas recentemente. Exemplos significativos são os trabalhos de Amâncio Cardoso, Terezinha Oliva e Milton Barbosa da Silva (1996) sobre o impacto das epidemias de cólera que se abateram sobre Sergipe no século XIX. Em Sob o signo da peste, Amâncio Cardoso (2001) elaborou uma verdadeira geografia do cólera em Sergipe e já se pode visualizar os desdobramentos dessa dissertação no curso de licenciatura em História. (cf. Lima, I. 2000).
As manifestações das culturas populares permaneceram objeto de especialistas (antropólogos, literatos, arte-educadores) como José Calazans, Beatriz Góis Dantas, Paulo de Carvalho Neto, Luiz Antônio Barreto, Jackson da Silva Lima, Aglaé Fontes de Alencar e Núbia Marques. Mas parece que o clímax dos estudos sobre folclore (principalmente) e culturas populares deu-se mesmo nos anos setenta e oitenta com a vitalidade de iniciativas como a Campanha em defesa do Folclore Brasileiro, Revista Sergipana de Folclore (1976/1979), Encontro Cultural de Laranjeiras, Festival de Arte de São Cristóvão e a criação das secretarias e fundações municipais e estaduais para o fomento da cultura. Nos anos 1990 a produção arrefeceu bastante e mesmo na Universidade a literatura folclórica de feição historiográfica é cada vez mais rara no curso de Ciências Sociais. A publicação periódica dos Anais dos simpósios em Laranjeiras, no Encontro cultural, têm sido a maior contribuição do Governo do Estado para os estudos do gênero com feição historiográfica. No DHI, porém, há grande interesse no estudo das festas profanas e religiosas mas, com a orientação dos profissionais da história cultural e não de folcloristas clássicos. Deste ramo, pode-se destacar as monografias dedicadas ao Divino Espírito Santo, São José, São João, Santos Reis, Carnaval e às festas comemorativas ao centenário de Aracaju.(cf. Santos, M. F., 2000; Mendonça, 1998; Barros, 1990; Santos, V., 1999; Araújo, 1995; Menezes, 2000; e Fontes, 1998). 

Conclusão
Através desse rápido sumário tentei demonstrar o valor do trabalho pioneiro de Calasans, tanto em relação à história da historiografia como no esboço do tipo ideal de escrita da história no início dos anos 1970. Nesse suposto diálogo, ficou evidenciado o crescimento considerável dos estudos sobre a economia. Hoje, aguarda-se uma síntese sobre o tema, bastante oportuna em um momento onde o modelo de desenvolvimento econômico foi radicalmente alterado no Estado. As questões relativas ao social exorbitaram o campo dos historiadores e foram exploradas por sociólogos e economistas, principalmente. Foi das áreas que menos se expandiu. A política, que nasceu renovada, criticando o modelo “tradicional”, nos anos 2000 já definha, abrindo espaços para a velha narrativa factual, linear e voluntarista. E a experiência cultural, deslocada da “alta” cultura, abre brechas importantes na fronteira com as ciências sociais, estando em franca expansão os estudos sobre o lúdico e a história da Educação.
Mas, as possibilidades desse diálogo não se restringem aos quatro campos aqui citados. O diálogo prossegue em outros textos e autores, comparando a atividade historiadora em pelo menos três “gêneros” trabalhados por Calasans: historiografia didática, biografia, e história dos municípios. A historiografia didática já ganhou o seu balanço em artigo publicado no Jornal da Cidade (cf. Freitas, 2002) que reúne todos os títulos conhecidos publicados entre 1896 e 2002. Sobre biografias aguarda-se o inventário produzido pelo professor José Afonso do nascimento a ser publicado como apresentação de Memórias de políticos de Sergipe no século XX, conjunto de reportagens memorialistas produzidas pelo jornalista Osmário Santos. Outro estudo sobre o mesmo gênero está presente na introdução do Catálogo da Revista do IHGS a ser lançado em agosto de 2002. Por fim, a história dos municípios foi inventariada recentemente e aguarda lançamento de obra específica intitulada Bibliografia dos municípios sergipanos, organizada pela professora Terezinha Oliva e com distribuição prevista para abril de 2001. O exame atento da produção historiográfica sobre Sergipe prossegue com essas e outras contribuições, no sentido de contribuir para a construção de uma síntese sobre a matéria pois “o mínimo que se exige de um historiador é que seja capaz de refletir sobre a história da sua disciplina, de interrogar os sentidos vários do trabalho histórico, de compreender as razões que conduziram à profissionalização do seu campo acadêmico.” (Nóvoa, 1999, p. 15).

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos (A Cultura). Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 14 mar. 2002.

Notas
[1] Esse trabalho foi republicado com acréscimos de conteúdo sob o título: Sergipe, artístico, literário e scientifico. Aracaju: Imprensa Oficial, 1928.
[2] Os resultados mais significativos desse grupo foram duas publicações de Graça, Souza e Santos (199-) e Graça e Souza (2000).

terça-feira, 12 de março de 2002

Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos[4]

A Política
O início dos anos 1970 (no “senso comum” do historiador do século XXI) encerra o período de condenação da “história política tradicional” ou da “velha história” (o Estado como objeto central na escrita da História). Todavia, fora da França, inclusive no Brasil, essa penitência não parece ter sido cumprida como dado historiográfico nem como fato editorial. (cf. Falcon, 1997, p. 70). Em Sergipe, pode-se mesmo afirmar, a partir dos dados apresentados por Calazans, que a “velha” história política reinou sem maiores obstáculos tanto em relação às temáticas selecionadas (as origens dos municípios, o conflito de limites territoriais, a vida de ilustrados da política etc.) quanto aos princípios explicadores do processo histórico, utilizados nos mais diferentes gêneros produzidos sobre a experiência local. Exemplo dessa última característica é a contínua apropriação do recorte temporal impresso por Felisbelo Freire há mais de um século, por parte dos historiadores sergipanos. Felisbelo “toma a gerência do Estado” como periodização. A narrativa é ordenada através dos governantes e seus feitos. (cf. Alves, 1998, p. 81-82). Até mesmo trabalhos universitários alinhados às “novas abordagens” investem-se dessa armadura, ainda que de modo involuntário.
Todavia, se a “velha” história política reinou “impune” (se não houve rupturas) também não se pode concluir pela continuidade desse modelo explicativo em Sergipe. Em termos editoriais é até provável que tenha perdido fôlego, dado o crescimento de outros domínios já descritos neste trabalho e um certo desapego institucional (UFS) pelas demandas políticas locais. O fato é que a História Política produzida após a Introdução de Calazans nasce nova, trazendo a marca da interdisciplinaridade dos Annales (Sociologia e Ciência Política, sobretudo) e da crítica historicista – seja ela marxista (Antonio Gramsci, George Lukacks e Louis Althusser – Marta Harnecker, Jorge Plekanov, Nicos Poulantzas) ou Weberiana – à então rotulada “história política tradicional”: narrativa, factual, linear e voluntarista.
Esse novo caráter da história política pode ser percebido tanto nos temas “revisitados” (Revolta de Fausto Cardoso, movimento republicano etc.) quanto nos domínios recentemente desbravados (partidos políticos, eleições, regimes autoritários/poder local). Nesse sentido, o período colonial, pouco estudado no tempo de Calazans, teve lacunas preenchidas por Maria Thétis Nunes (1989 e 1996). Em Sergipe Colonial (1989/1996) a historiadora esboça a dinâmica do poder (Estado/classes dirigentes locais)  em nível de capitania e de município (a atuação das Câmaras Municipais). Paradoxalmente, a mesma autora ocupou-se da vivência do Império, produzindo uma obra geral muito próxima da “velha história” combatida por seus contemporâneos. A história de Sergipe Provincial (2000) é narrada a partir das ações dos presidentes da província e da repercussão dos acontecimentos de caráter “nacional” em Sergipe no período 1820/1840. Na mesma linha, segue Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida (2000) com a “Evolução da política partidária de Sergipe” do período 1830/1853.
Em relação às temáticas revisitadas tem-se os trabalhos de Lourival Santana Santos (1986) sobre a implantação do regime republicano e de Terezinha Oliva (1985) sobre os Impasses do federalismo, estudando o caso sergipano através da Revolta de Fausto Cardoso. Com essa dissertação de mestrado (1980), a autora relê o papel do mártir (Fausto Cardoso), analisando o movimento rebelde sob dois ângulos: as contradições de classe e as fissuras no regime oligárquico; e a lógica econômico-política da República Velha centrada no relacionamento entre grandes Estados cafeicultores (determinantes) e pequenos Estados ligados à açucarocracia (condicionantes).
O “13 de julho de 1924”, que às vésperas do Cinquentenário não havia encontrado seu historiador (cf. Calazans, 1991, p. 26), foi tratado em O Tenentismo em Sergipe de Ibarê Dantas (1974).[1] Essa obra figurou por dois meses numa lista de livros mais vendidos publicados pelo Jornal do Brasil mas, o seu grande mérito, para esse domínio específico, é ter inaugurado a “nova história política” local, ou pelo menos a “Ciência Política retrospectiva” (cf. Mauro, 1969, apud. Falcon,1997, p. 74), já que o seu autor identifica-se como continuador do professor Bonifácio Fortes: o pioneiro nos estudos de Ciência Política. O mesmo historiador prosseguiu explorando outras questões relevantes do período Republicano. Da dissertação de Mestrado surgiu A Revolução de 1930 (1983). Anos depois, produziu Coronelismo e dominação (1987) e Os partidos políticos em Sergipe (1989). A Tutela Militar, publicada em 1997, examina o período recente da nossa história (1964/1984), apresentando uma versão de “como a ordem autoritária reproduziu-se em Sergipe e a quem beneficiou. Com essas obras, estabeleceram-se as bases para a construção de uma síntese compreensiva a respeito dos fenômenos eleitorais, dos sistemas partidários e de uma visão mais ampla sobre a relação Estado/sociedade civil/sociedade política em Sergipe.
Nos cursos de graduação da UFS, infelizmente, não há produção numerosa tematizado o universo da política. Os trabalhos nesse campo exploram as lutas entre grupos políticos como os “Pebas” e “Cabaús”, “Saramandaia” e “Bole-Bole”, a memória de partidos como o PT, PCB, UDN, a atividade política nos governos de Inglês de Souza, Rodrigues Dória e Siqueira de Menezes (cf. Franco, 1982), e a questão de gênero e política partidária. (cf. Ferreira, 1997; Leite, 2000; Menezes, 1999; Ribeiro, ?; Santos, L., 1998; Santos G., 1997; Santos J., 1996, Silva, M., 1999). Na Pós-Graduação da UFS, apenas os alunos Antônio Carlos dos Santos e Frederico Lisboa Romão e ocuparam-se da área, produzindo dissertações sobre o coronelismo e organização sindical. (cf. Santos, A. 1993). Pelo menos um desses trabalhos veio a público em forma de livro: Na trama da História: o movimento operário de Sergipe, de Frederico Lisboa Romão (1999 e 2000).
Longe dos autores citados e fora da Universidade, a história política recupera o seu aspecto factual, episódico e individual. Com tais características, duas tendências podem ser identificadas: a primeira encara a História Política como um conjunto de fatos realisticamente dispostos nos documentos e manipulados pelo historiador de forma linear. Assim, a obra transforma-se num inventário, bem organizado, de fatos e fontes, a serviço de outros pesquisadores. Esse é o exemplo da História Política de Sergipe de Ariosvaldo Figueiredo (1986) que já publicou sete dos oito volumes programados. A segunda tendência trabalha de maneira inversa (apesar de manter com a primeira os “ídolos do historiador” da “História Política tradicional”). Despreza as fontes e investe na interpretação impressionista das relações de poder, nas instituições clássicas do Executivo e do Legislativo. Esse tipo de escrita é também comum entre jornalistas. O melhor exemplo foi produzido por Kátia Santana (2001) sob o sugestivo título, Ecos da política: uma retrospectiva histórica do processo político de Sergipe – 1982/2000


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos (A Política). Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 12 mar. 2002.


Notas
[1] Esse livro foi reeditado pela Funcaju/J. Andrade em 1999.

domingo, 10 de março de 2002

Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos[3]

O Social
Nos anos 1950/1970, uma História do social no Brasil compreenderia três espécies de preocupações: 1. a experiência de grupos estruturados ou do “povo” (em oposição à vida de personagens ilustres – uma versão de história política); 2. as formas de consciência, as relações sociais mediadas pela estrutura econômica (estudo associado à Economia e a Sociologia); 3. uma teia de ações e sentimentos configurados na formação étnica, nos costumes, visões de mundo, vida cotidiana entre outras (em aliança com temáticas e métodos da Antropologia). Esta última tendência, para J. Honório Rodrigues, estaria muito bem representada em Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Casa Grande e Sensala, de Gilberto Freyre.[1]
Se José Calasans excluiu a História Social do seu estudo historiográfico, não deixou de citar, todavia, os problemas do “antilusitanismo, as devastações do primeiro e segundo ‘cólera’, as questões da extinção do tráfico e da escravidão” como típicos objetos da história econômica e social. (cf. Calazans, 1991, p. 22). Outro vestígio de sua crença na especificidade desse domínio (o social) está na própria tese para o concurso à cadeira de História do Brasil e de Sergipe da Escola Normal “Rui Barbosa”. Aracaju: contribuição à história da capital de Sergipe é merecidamente um trabalho de história social. Essa era a avaliação de um concencioso resenhista do período, José Amado do Nascimento, que aguardava também a História social de Sergipe. (cf. Amado, 1942, p. 87-93). Calasans chegou a confessar o desejo de escrever um ensaio sobre a “história de nossa formação”. Concretizada tal obra, chamar-se-ía Currais e Engenhos de Sergipe. (cf. Calazans, 1995, p. 8).[2] Na ausência dessa “cachaça” freyriana, o autor da Introdução incluíu o ensaio histórico-antropológico de Felte Bezerra intitulado Etnias Sergipanas (1950).
No final dos anos 1990, os estudos com feição antropológica (tal como imaginara Calazans) “migraram” da História Social para a História cultural (ou História sócio-cultural) e tomou corpo como “social” uma história das classes, da família, do trabalho e da escravidão. Em Sergipe, tais problemas e temáticas foram exploradas por geógrafos, sociólogos, antropólogos, historiadores e economistas. O resultado desse esforço, dada a dispersão dos estudos e a ausência de uma disciplina ou campo institucionalizado que lhe desse sustentação, foi a configuração da mais exígua das áreas escolhidas para essa exposição sobre Sergipe.
Entre os geógrafos, ou melhor, entre os participantes do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFS, há diversos trabalhos que assumem, no todo ou em parte, uma perspectiva historiográfica sobre a experiência do social sergipano. As questões mais comuns dizem respeito às formas de organização do espaço rural, o cotidiano do agricultor, a instituição de colônias e sindicatos, a modernização e diversificação da produção, e os conflitos pela propriedade da terra. O acesso às dissertações do NPGEO é mediado pelo catálogo da Produção da Pós-Graduação da UFS: 1888/1998. (cf. Freitas, 1998). Uma boa amostra do produto desse programa pode ser visualizada no trabalho coletivo dos mestrandos intitulado Camponeses de Sergipe: estratégias de produção, organizado por Lourival Santana Santos (1996).
Dos estudos de feição sociológica podem ser citados os trabalhos de Rosemiro Magno da Silva e Eliano Sérgio Azevedo Lopes. Ambos ocuparam-se de uma problemática que ganhou a mídia nos anos 1990, a distribuição e as formas de ocupação da terra no setor rural, a história dos grupos assentados e a posição dos vários setores da sociedade civil sobre os processos de reforma agrária. (cf. Silva, 1992, Silva e Lopes, 1996). Nessa direção seguem os livros de Ariosvaldo Figueiredo O negro e a violência do Branco (1977), uma antítese dos trabalhos que “adocicaram” a relação entre senhores e escravos no Brasil e em Sergipe (1977). Em perspectiva inversa, seguindo os passos de Casa grande e senzala (Gilberto Freyre 1933), Orlando Dantas publicou Vida patriarcal de Sergipe (1980), estudo descritivo, memorialístico que aborda as origens das famílias sergipanas e o funcionamento dos engenhos, sensalas e fazendas de criação.[3] Outro trabalho de Ariosvaldo Figueiredo intitulou-se Enforcados: o índio em Sergipe (1981), livro de denúncias sobre os mecanismos utilizados pelos grandes proprietários para negar a existência dos indígenas.[4]
Os grupos indígenas também foram tema dos trabalhos de Beatriz Góis Dantas. Com formação na área de Antropologia e História, essa autora organizou a documentação e reconstituiu a trajetória de aldeias e/ou missões de Água Azeda, Geru, Chapada e Xocó. (cf. Góis, 1976, 1982, 1987,  1992, 1999). Nessa linha, o trabalho mais significativo foi Terra dos índios Xocó (1980) em co-autoria com Dalmo Dallari que apresenta documentos comprobatórios dos direitos de propriedade dos índios sobre as terras da Ilha de São Pedro (Porto da Folha-SE). O negro também foi objeto de estudo de Beatriz Dantas. Além dos títulos arrolados neste trabalho, relativos à esfera da cultura, produziu um capítulo de livro intitulado O negro em Sergipe (1994).
Os historiadores também contribuíram para o desvelamento da experiência “branca, negra e indígena”. Em termos de síntese, destaca-se o já citado Sergipe Colonial I de Maria Thetis Nunes. O trabalho escravo e o destino destes pós-abolição são estudados por Josué dos Passos Subrinho (1994 e 2000) em Reordenamento do trabalho.[5] Essa obra tanto pode ser classificada História Econômica como estar incluída na listagem da História Social, já que fornece novos elementos à historiografia econômica clássica para o entendimento da estrutura fundiária, agrária, mão-de-obra e capitais nordestinos, além de lançar luzes sobre a experiência de alguns segmentos sociais sergipanos no período 1850/1930 como os trabalhadores livres pobres, os escravos e os senhores de engenho.[6]
Outro importante estudo de “fronteira” (História Econômica/História Social) é a dissertação de mestrado de Francisco Carlos Teixeira da Silva (1981) intitulada Camponeses e criadores na formação social da miséria. Talvez, tenha sido essa a primeira História assumidamente “social” sobre Sergipe. O trabalho abrange um século sobre vivência da região do sertão do São Francisco (1820/1920). Trata-se de uma história agrária que não despreza o estudo da demografia, da distribuição de espaço, poder e riqueza, para explicar o processo que transformou as regiões de Porto da Folha, Gararu, Poço Redondo, Itabi e Canindé em “um dos maiores bolsões de miséria do Brasil contemporâneo.”[7]
Sobre revoltas de escravos deve-se examinar os trabalhos de Lourival Santana Santos (1992), Negros e brancos: uma pedagogia da violência, e alguns artigos publicados por Luiz R. B. Mott na citada coletânea Sergipe Del Rey. Campanhas abolicionistas foram tratadas por Maria Neli Santos (1997) em Sociedade Libertadora Cabana do Pai Tomás. Nessa obra, a autora descreve a trajetória do jornalista Francisco José Alves e sua experiência na libertação a e instrução de escravos e ex-escravos.
A questão da luta pela terra, além dos trabalhos do NPGEO e dos livros de “feição sociológica”, tem sido tematizada por Antônio Fernando de Araújo Sá, no Departamento de História da UFS. Dos trabalhos publicados merece destaque o artigo “História oral da luta dos trabalhadores rurais sem-terra em Sergipe: 1985/1996” (cf. Sá, 1998). Diferentemente dos textos de Rosemiro Magno Eliano Lopes, Ariosvaldo Figueiredo e de muitos egressos do Mestrado em Geografia da UFS, os problemas de pesquisa de Fernando Sá não internalizam “o avanço das relações de produção capitalistas no campos” preocupando-se fundamentalmente com os processos de construção da memória dos movimentos que lutam pela posse da terra em Sergipe, sobretudo. O citado artigo é fruto dos trabalhos desenvolvidos pelo Projeto de Alfabetização e Educação para Jovens e Adultos nos Acampamentos de Reforma Agrária.
Os historiadores ainda trataram de problemas sanitários e do desenvolvimento das políticas públicas para o setor. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios, entre outras questões, relaciona as práticas sanitárias às transformações do mundo do trabalho. (cf. Santana, ?). Ainda no rol das políticas públicas, Antônio Lindvaldo Souza (1996)  apontou “a ineficiência da polícia e da justiça no controle da ordem pública em Sergipe, o que contribuiu para a exacerbação da violência” na região Agreste do Estado no período 1889/1930. Homens que têm parte com o Diabo é a seqüência de duas monografias que tratam também de violência, de processos disciplinadores no mundo do trabalho urbano em Aracaju entre 1910 e 1930. (cf. Souza, 1991, 1993).
Os trabalhos até aqui citados, em sua maioria frutos dos cursos de Pós-Graduação de docentes universitários, tiveram suas problemáticas ampliadas nos Departamentos da UFS a partir das monografias de graduação. São exemplo dessa derivação os vários estudos sobre escravos, questões agrárias e fundiárias e operariado. (cf. Santos, J., 1996; Santos, J, 1998; Lima, J., 1983; Cruz, 1996; Santos, J. A. ?; Santos, A., 1997; Guedes, 1997; Lima I. 2000). Outras pesquisas nasceram da própria demanda do alunado em torno de questões clássicas da experiência local como o cangaço e a organização de movimentos sociais. (Santos, A. 1999; Bernardino, 2000; Silva, P. 2001).
Para citar este texto

FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos (O Social). Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 10 mar. 2002.


Notas
[1] Sobre a constituição do campo “História da Cultura” ver: Rodrigues (Teoria..., 1969, p. 145-221) e  Castro (1997, p. 45-59).
[2] Talvez o historiador já estivesse ensaiando um trabalho dessa natureza quando publicou artigo sobre as influências “de sangue” francês e holandês na constituição do sergipano. cf. Calasans, José. Aspectos da formação sergipana. (cf. Calazans, 1942, p. 7-13).
[3] Mais da metade dessa obra é dedicada especificamente à história do município de Capela, terra natal do autor.
[4] Figueiredo, Ariosvaldo. Enforcados: o índio em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
[5] Ver também, do mesmo autor: Tráfico inter e intra-provincial de escravos no Nordeste açucareiro: Sergipe (1850/1887), publicado em 1992, Revista do IHGS.
[6] Na esteira desse trabalho, alguns trabalhos de Iniciação Científica já começam a apresentar os primeiros resultados, por exemplo: José Mário Resende e o de Joceneide Santos, já referenciados neste texto.
[7] Ver também capítulo de Textos para a história de Sergipe referente à questão da terra. Diniz, (1991, p. 167-199).

sexta-feira, 8 de março de 2002

Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos[2]

A Economia
A experiência econômica era um dos temas sobre os quais praticamente nada se sabia até  início dos anos 1970, lamentava José Calazans. “Não possuímos um ensaio sobre a história do gado, do açúcar, do fumo, do algodão, da indústria de tecidos, do comércio exportador. Nenhuma visão de conjunto do evolver econômico do Estado.” (Calasans, op. cit., p. 29). Para a nossa felicidade, foi das áreas do conhecimento histórico que mais se expandiu nas últimas três décadas. Seu locus de produção permaneceu sob um certo período no Departamento de História, migrando, nos anos noventa para o Departamento de Economia. Hoje, é daí que têm surgido as melhores sínteses e monografias sobre o tema.
A despeito dessa hegemonia do DEE, foi no DHI, ainda nos anos 1970, que a historiografia econômica começou a ganhar fôlego. Primeiro surgiram, em forma de comunicações e artigos, os trabalhos da professora Maria da Glória Santana de Almeida (1973, 1976, 1978) sobre a produção açucareira, seguidos de perto pela dissertação de mestrado de Lenalda Andrade Santos sobre a Oligarquia açucareira em crise (1978). Nesse mesmo ano, a modernização da citricultura, as lavouras da mandioca e do algodão transformavam-se em objeto relevante para a historiografia local a partir das publicações Adelci Figueiredo Santos, “A citricultura na modernização da agricultura em Boquim” (1982), de Diana Maria do Faro Leal, “Nota sobre a história do algodão em Sergipe”, e do CEPA, O algodão em Sergipe: apogeu e crise (1978). Dois anos depois, um grupo de autores liderados por Milton de Araújo (1980) publicou Apogeu, crise e decadência da cultura algodoeira em Sergipe (1980).
Nos anos 1980 a professora Maria da Glória Santana Almeida continuou ocupando-se da economia. Em Sergipe: fundamentos de uma economia dependente (1984), estudou o comércio marítimo sergipano, a importação e exportação inter-regional e com as nações estrangeiras, tentando explicar como e por que Sergipe tornou-se uma sub-região no Nordeste açucareiro. Sônia Maria Soares Batista voltou-se para o segundo setor, escrevendo uma Memória histórica da indústria sergipana (1986) e cinco anos depois, em trabalho coletivo, as já citadas Santana Almeida (1987/1991) e Lenalda Santos (1991) tematizaram respectivamente “O sistema de produção nos engenhos banguês”, “as atividades produtivas em Sergipe” e a “organização do trabalho” no período 1570/1980. No início dos anos noventa, a professora Santana Almeida reúne a experiência de mais de duas décadas de pesquisas na área e produz dissertação de mestrado intitulada Nordeste açucareiro: desafios num processo do vir-a-ser capitalista (1991).
É curioso notar que enquanto Calazans ensaiava escrever sobre a historiografia local alguns pesquisadores de outros estados já freqüentavam o interior sergipano interessados nas atividades produtivas das populações ribeirinhas do São Francisco. Entre os mais conhecidos estão os trabalhos de Luiz R. B. Mott. Esse historiador paulista, profundo conhecedor de fontes arquivísticas sobre a história local, foi pioneiro nos estudos sobre estruturas de produção, feiras e trabalho escravo, temas que lhe renderam a dissertação de Mestrado em Etnologia pela Sorbonne (1971)[1] e tese de doutorado em Antropologia Social pela Unicamp (1975). Mott também escreveu sobre engenhos de açúcar e a organização do trabalho agrícola. Tais artigos podem ser encontrados na coletânea Sergipe Del Rey: população, economia e sociedade (1986).
Em termos de síntese, é importante assinalar o trabalho pioneiro de Ibarê Dantas encartado em O Tenentismo (1974, p. 32-44) que serve de lastro ordenador para narrar a conhecida Revolta de 1924. “A situação econômica” fornece um panorama do setor produtivo nas áreas rural e urbana durante a Primeira República. Da mesma estratégia, utilizou-se Terezinha Oliva que para entender os Impasses do federalismo brasileiro (1980 e 1985) viu-se forçada a esboçar “Um perfil da conjuntura sócio-econômica sergipana” do período1890/1906. A  professora Maria Thetis Nunes (1989), única a estudar a economia através de “ciclos”, tratou da criação de gado, cana-de-açúcar, minas de prata e salitre, farinha de mandioca, fumo, algodão e o comércio colonial, sendo todas essas atividades relativas ao período colonial.
A despeito do esforço dos historiadores, as obras específicas projetados como síntese somente serão elaborados no ambiente do Departamento de Economia. O primeiro deles, produzido por Josué Modesto dos Passos Sobrinho, intitulou-se História Econômica de Sergipe (1982). Esse trabalho, fruto de dissertação de mestrado, discute as razões para o atraso de Sergipe através da análise da dinâmica dos complexos configuradores da sua economia: o mercantil-escravista (1850/1888) e o capitalista-exportador (1888/1930). É importante assinalar que o caráter de “história problema” em relação à economia só começa a ganhar nitidez a partir dos textos de Maria da Glória Santana Almeida e Josué dos Passos Subrinho. Ambos perseguem questões centrais que derivam das grandes problemáticas sobre a economia brasileira empreendidas após os anos 1950 como a chegada do capitalismo ao Brasil e a questão dos desequilíbrios regionais.
O diferencial dos professores do DEE em relação aos confrades do DHI está na filiação acadêmica sistematizada e fiel daqueles ao Instituto de Economia da Unicamp. Esse diálogo permitiu a formação de pesquisadores em nível de pós-graduação e a produção de mais dois trabalhos relevantes. O primeiro, de Antônio José Nascimento (1994), dá seqüência a História econômica de Passos Subrinho enfocando a repercussão do processo de estruturação e consolidação do mercado nacional para a economia sergipana. O segundo trabalho, de autoria do professor Ricardo Lacerda explora o segmento têxtil sergipano. Não obstante, é esse mesmo autor quem vai complementar a visão de conjunto da economia escrevendo os conhecidos “Cenários da economia sergipana”, trabalho que deve ser lido com o auxílio da “evolução recente da economia sergipana” inserido no artigo “Geração de emprego e renda” em 2000.
Em termos de monografias o DEE também está na dianteira. A consolidação da linha de pesquisa “Economia Sergipana” entre os alunos de graduação só vem confirmar a idéia de que essa área do conhecimento histórico continuará cada vez mais distante do domínio do historiadores do DHI, já que neste departamento apenas três trabalhos foram produzidos nos últimos seis anos: um relata a crise na economia do município de Santa Luzia do Itanhy; e os dois outros tratam do trabalho escravo no século XIX. (cf. Alves, 1998; Santos, 2001). No Departamento de Economia, as monografias que podem tratar da história estão distribuídas  por cinco áreas temáticas: Setor público e desenvolvimento regional, Energia, transportes e comunicações, Trabalho e tecnologia, Economia industrial e urbana, e Economia agrícola e meio ambiente. Para conhecer melhor esse acervo de cento e dezoito monografias de graduação é necessário a consultar o catálogo específico, à disposição no Colegiado do Curso de Ciências Econômicas.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos (A Economia). Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 08 mar. 2002.


Notas
[1] Esse trabalho trata da “estrutura de produção e o sistema de meação nas lagoas de arroz em Brejo Grande.

quinta-feira, 7 de março de 2002

Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos [1]

Introdução
Há vinte e oito anos o historiador José Calazans advertia que todo trabalho inicial deveria ser julgado com benevolência. No mesmo estudo, em gesto que superava a cortesia acadêmica, Calazans (1992) agradecia “às luzes” dos que pudessem e quisessem melhorar o conteúdo da sua Introdução ao estudo da historiografia sergipana. A partir daí, não houve mais retoques por parte de outros historiadores. O texto parecia perfeito. Também não era para menos; a comunicação de José Calazans Brandão da Silva nascia madura e num período em que “o bastão do comando da historiografia regional” – conduzido desde o início do século por pesquisadores autodidatas e, principalmente, por agências como o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – passava ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da recém-criada Universidade Federal de Sergipe. Antes de entregá-lo, porém (Calazans também fazia parte do IHGS), o memorável historiador providenciou um balanço da tradição historiográfica produzida na centúria 1870/1970, relacionando autores e registros sobre a experiência sergipana desde o século XVI. Naquele momento, a singela comunicação transformou-se no principal guia de estudos sobre a história e a historiografia de Sergipe.
De 1970 para 2000, como já era esperado, houve mudanças significativas nos estudos históricos. O bastão do comando continuou nas mãos do DHI que difundiu o interesse pelo “sergipanismo” sem descurar do refinamento teórico-metodológico exigido pela ciência histórica. A produção foi ampliada e novas contribuições surgiram em termos de gêneros, temáticas e abordagens. Também mudou a idéia de História da Historiografia: de uma tarefa centrada no inventário de autores e obras (orientação honoriana bem assimilada por José Calazans) para disciplina que ganha foros de teoria do conhecimento. A História da Historiografia, na palavra de Carlos Guilherme Mota (1990, p. 26), é hoje considerada “o mais difícil dos gêneros.” Por fim, mudaram também algumas práticas do ofício: o historiador trabalha em equipe. O profissional erudito – nos moldes do século XIX – não encontra ambiente de formação: não há mais quem controle os textos-chave de todos os domínios de Clio. Vive-se sob a égide da especialização.
A ocorrência de tantas mudanças nas últimas três décadas transforma-se, paradoxalmente, na desgraça e na virtude da Introdução de Calazans. A virtude é que o autor estabeleceu uma periodização (ainda repleta de sentido), e registrou para a memória do saber o estado-da-arte em termos de historiografia local. Isso nos permite avançar na trajetória do ofício, reconhecendo a pertinência da última fase (a historiografia universitária) e promover uma auto-avaliação da prática historiadora já que temos indicadores precisos do que foi produzido nos cem anos inventariados por José Calazans. Por outro lado, motivos idênticos como a dispersão de estudos, profissionais, cursos e escolas (superiores em nível de graduação e pós-graduação) expõem a desatualização do trabalho em termos de indicadores desse último período.
É provável ainda que tais transformações tenham inibido o “melhoramento” da citada comunicação. Na verdade, o aperfeiçoamento ou a continuação (como ele mesmo havia solicitado) de obras, esbarra em problemas, às vezes, insolúveis como a ressignificação de critérios de escolhas do autores e bibliografia a serem inventariados, o redirecionamento de objetivos, métodos, enfim, da própria idéia de história. O trabalho de reescrita levado a cabo pelos próprios autores já deixa fissuras e ossificações o que dizer das tentativas de continuidade por mãos alheias?
Dito isso, penso ter, ao mesmo tempo, esclarecido o título e classificado adequadamente esse trabalho dentro bibliografia sobre a história de Sergipe. Trata-se de um guia de literatura (não exaustivo) para facilitar o trabalho dos noviços que pela primeira vez batem á porta da historiografia em busca de orientação sobre o que ler inicialmente. É uma tentativa de sistematização do conhecimento produzido a partir de 1973 na medida em que fornece uma visão panorâmica sobre algumas esferas da experiência humana como a política, a economia, o social e a cultura. Não é obra de historiografia stricto sensu, pois recorre ao inventário puro e simples. Também, por todos os motivos já expostos, não dá continuidade ao trabalho pioneiro de Calazans. Mas, estabelece com este um diálogo fundamental quando levanta os impasses da historiografia local dos anos 1970 apontados na Introdução e procura compreendê-los com o material reunido para as aulas da disciplina História de Sergipe do curso de licenciatura em História da UFS. Todavia, para o aproveitamento integral desse artigo é necessário conhecer antes o texto pioneiro da referida comunicação.



Um estudo pioneiro e as bases para um diálogo
A Introdução ao estudo da historiografia sergipana foi apresentado no V Simpósio de História do Nordeste (Aracaju, agosto de 1973). A tentativa de sistematização, o comentário crítico equilibrado e a detecção de pontos problemáticos na prática do ofício dão o tom louvável dessa comunicação que é, por isso mesmo, considerado pelos historiadores locais como o principal estudo sobre o “desenvolvimento da nossa historiografia”.
Para introduzir-se no tema, José Calazans foi buscar no discurso de Silvio Romero (1874), cem anos antes dessa comunicação, os indícios da tentativa de produzir-se no Estado uma escrita da história em bases “científicas”. A descrição desse esforço (empreendido na mesma década de 1870) é constituída através do arrolamento de autores e obras agrupadas nos vários ramos cultivados no período de um século: historiografia dos municípios, historiografia política, didática, obras gerais e biografias.  Há segmentos do texto que privilegiam três autores representativos devido à profundeza da pesquisa (Felisbelo Freire, Carvalho Lima Júnior e Felte Bezerra) e dois relativos a um tema e uma referência capital para a historiografia local: a questão dos limites territoriais com a Bahia e a influência da Escola do Recife no movimento intelectual sergipano.  A análise desses segmentos fundamenta o estabelecimento de cinco fases na história da historiografia sergipana que dialogam com a periodização esboçada um ano antes por Silvério Fontes (1972, p. 4-13). Na primeira fase, à obra de Silva Travassos, José Calazans acrescenta o trabalho de Marco Antônio Souza e os escritos de cronistas que não necessariamente vivenciaram a história local, como Frei Vicente Salvador, Barlaeus e Rocha Pita.  Na segunda, intitulada por Silvério Fontes como “surto historiográfico”, Calazans estabelece a publicação de História de Sergipe (1892) de Felisbelo Freire como marco inicial.  Daí em diante, as duas periodizações se distanciam.  Calazans vai estabelecer o IHGS (1912) como o fundador de uma nova fase que se extingue em 1929 quando a Revista do grêmio deixa de circular.  O último período, que compreende as décadas de 1940/50 e 1960, é marcado pela retomada dos estudos sobre Sergipe no IHGS e no Departamento de História da Faculdade de Filosofia e pelos lançamentos da Revista de Aracaju da “Coleção de Estudos Sergipanos”.
O texto de Calazans não é somente um “guia” temático para os que se aventuram a produzir historiografia.  Ele também exemplifica uma possível forma de narrar a história desse saber, verificando o lugar sócio-econômico e cultural de produção, julgando, indicando e corrigindo algumas práticas do ofício.  Assim, a história do Estado – política, intelectual – é relacionada à historiografia através da exposição dos grandes temas motivadores, ao mesmo tempo em que essa escrita é valorizada pela relevância das informações transmitidas, o uso de fontes primárias, a intimidade com a pesquisa arquivística, o emprego da crítica histórica e o equilibrado julgamento sobre os agentes e os acontecimentos estudados. A Introdução é também um importante documento para a contínua reavaliação que a comunidade local de historiadores deve fazer da sua prática.
Quem tiver a o prazer de ler o comentado texto, perceberá que José Calazans experimentou historiar a historiografia em curtos passos e sem obedecer a uma orientação rígida, além de segmentar o trabalho por autor, assunto, escola e gênero. Para dialogar com o seu texto optei pelos gêneros (historiografia política, econômica etc.) como tópicos fundamentais. Essa estratégia permitiu a inclusão de alguns títulos e autores destacados nos campos demarcados, bem como nos novos domínios de Clio, a exemplo da historiografia sobre a formação social, economia e cultura, áreas proclamadas como inexistentes e agrupadas pelo autor na rubrica de “outros estudos” em 1973.
Essa ordenação da matéria em quatro esferas da experiência (economia, sociedade, política e cultura) também contempla a orientação dos cursos de História de Sergipe ministrados entre 2000 e 2001.[1] Sobre esse caráter, somente mais um esclarecimento. Concordamos que os fatos não são sociais ou culturais estricto sensu ou seja, o homem não vive de forma estanque na esfera da política ou da economia. Sabemos que a experiência humana é assim classificada (encaixada) por razões várias dentre as quais, as escolhas teórico-metodológicas do historiador e a estratégia de tornar o texto o mais didático possível. Talvez a maior motivação para esse "encaixotamento" seja a tarefa mesma do historiador: organizar o todo "caótico" que é a experiência humana em seu fazer-se cotidiano; tornar inteligível a vivência dos homens fragmentada em milhares de atos, pensamentos e sentimentos produzidos ininterruptamente.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos. Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 07 mar. 2002.

Notas

[1] Além dessas esferas privilegiadas, Calazans tratou das obras gerais, das biografias e dos livros didáticos. Do primeiro gênero as iniciativas ficaram a cargo de Thetis Nunes e foram citadas no decorrer dos textos sobre política e economia. Trata-se de Sergipe Colonial (I e II) e Sergipe provincial I. Sobre biografias aguarda-se o inventário produzido pelo professor José Afonso do Nascimento a ser publicado como apresentação de As elites sergipanas, conjunto de reportagens de cunho biográfico produzidas pelo jornalista Osmário Santos. O terceiro grupo de obras já foi tematizado na comunicação “Historiografia didática em Sergipe” (2000), cujo texto foi anexado como aula número cinco do programa de História de Sergipe II na UFS. Para não mutilar a idéia inicial da comunicação o texto segue sem cortes, contemplando a produção do final do século XIX até o ano 2001.

sexta-feira, 1 de março de 2002

A escrita da história na "Casa de Sergipe" (1913/1999)

FREITAS, Itamar. A escrita da História na
"Casa de Sergipe" (1913/1999). São Cristóvão:
Editora da UFS, 2002.
O periódico "revista é uma publicação que, como o nome sugere, passa em revista diversos assuntos, permitindo um tipo de leitura fragmentada, não contínua, e por vezes seletiva". É um veículo intermediário entre o jornal e o livro, que vem constituindo-se, desde o final do século XIX, no Brasil, em fonte privilegiada sobre transformações dos modos de vida, das múltiplas dimensões da sociedade, notadamente dos habitantes de centros densamente urbanizados (Cf. Rocha, 1985).
Entre os traços principais da revista, os especialistas, como Ana Luiza Martins, têm indicado – além das questões que envolvem a edição, extensão dos trabalhos, autoria, periodicidade e material utilizado na confecção – o caráter seriado e condensado, o propósito informativo, formador e de representação de grupo (Cf. Cruz, 1977, p. 22; Martins, 2001, p. 281). É, principalmente, esse último traço diacrítico, distanciando0 do jornal e do livro, que nos interessa neste trabalho. A revista é estratégia de formação, apresentação, delimitação e legitimação de gupos intelectuais.
No que diz respeito às instituições científicas, essa prática transformou-se em regra e pode-se até avaliar as possibilidades de sobrevivência das associações eruditas (no século XIX) e dos chamados institutos científicos (no século XX, sobretudo), através da longevidade e da capacidade de circulação dos seus periódicos.
Para além de uma simples “novidade” dos estudos da História sócio-cultural, esse interesse pelas revistas institucionais/científicas sempre foi redobrado entre os historiadores da historiografia. Mais que difundir e controlar as práticas do ofício – assegurando a propriedade intelectual, divulgando resultados originais de pesquisa, revisando a literatura e mantendo “padrões de qualidade” (Cf. Muller, 200, p. 73-95) –, o periódico revista é um repositório fundamental para o auto-exame das práticas do historiador.
Através de revistas institucionais – programas de pós-graduação, departamentos dde História, grupos de pesquisa, e de institutos históricos a memória do saber vai se constituindo aos poucos, quase imperceptivelmente.
Um olhar retrospectivo sobre essa cultura historiográfica permite reconhecer, por exemplo, os maître d’école, a trajetória do método e as motivações para a escrita e reescrita entre vários grupos ou gerações de historiadores.
Em suma, o exame das revistas de História viabiliza tarefas fundamentais da história da historiografia como o ato de descrever, problematizar e reorientar as práticas, a função, o produto da ciência histórica.
Justifica-se, então, a ocorrência crescente de estudos sobre as revistas dos institutos históricos no Brasil, nos últimos anos, que seguem, na maioria dos casos, a esteira dos estudos sobre os próprios grêmios. A matriz inicial, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro é a que tem sido objeto de estudo por parte de historiadores e cientistas sociais.
Quanto às revistas dos institutos estaduais – principalmente daqueles que não possuem a prerrogativa de terem introduzido a pesquisa histórica em seus espaços de influência, dos que foram fundados no período republicano, e esse é o caso do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe –, a quantidade de textos que delas se ocupam, mesmo que tangencialmente, é ainda muito reduzida.
Este trabalho, portanto, tenta diminuir as lacunas sobre as instituições regionais e seus periódicos, optando por três itinerários: 1. Sintetizar algumas características do IHGS; 2. Descrever brevemente a trajetória da Revista do IHGS em termos de produção e circulação e do perfil dos autores/colaboradores; 3. Analisar os tipos documentais produzidos, os temas e problemas dominantes, as formas locais de fazer Geografia e História.

Sumário
Apresentação  5
A escrita da história na “Casa de Sergipe”  11
O periódico revista  11
·         Um pouco da “Casa de Sergipe”  14
·         Sobre a produção e circulação da Revista do IHGS  21
·         Dos autores, textos e distribuição da matéria  26
·         A contribuição heurística  32
·         A contribuição geográfica  36
·         A contribuição historiográfica
·         A biografia  41
·         Memórias
Os enunciados  47
Das idéias de “história”  50
Os modos de “fazer”  54
Considerações finais  59
Catálogo da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe  65
Índice analítico da Revista do IHGS  181
Índice de autores da Revista do IHGS  195
Referências bibliográficas  201

Para adquirir essa obra em formato papel, escrever para:
Itamar Freitas <itamarfo@gmail.com>.

Referências
ROCHA, Clara. Revistas literárias do século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. p. 33. Apud. MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República. São Paulo: FAPESP/EDUSP/Imprensa Oficial, 2001.
CRUZ, Heloiza de Faria (org.). São Paulo em revista. São Paulo: CEDIC-PUC/SP; Arquivo do Estado, 1977.
MUELLER, Susana e KREMER, Jeannette Marguerite (org.). Fontes de informação para pesquisadores e profissionais: Belo Horizonte: UFMG, 2000. P. 73-95.