domingo, 25 de janeiro de 2004

Um laranjeirense em Berlim



Berlim no início do século XX. Fonte: http://sound--vision.blogspot.com 
O lançamento da História do Brasil, de João Ribeiro (1900) é um divisor de águas na historiografia didática. O próprio Joaquim Ribeiro, filho do autor, apressou-se em demonstrar a novidade do referido manual: o rompimento com a história político-administrativa e o emprego da história da cultura, dos costumes, do povo. Uma atitude professada, no final do século XIX, por W. H. Riehl, Gustav Freitag e Jacob Burckhardt. (Cf. Joaquim Ribeiro, 1957, p. V).
Há quatro anos, Patrícia Hansen registrou que João Ribeiro esteve muito próximo das noções de “típico” e “constante” de uma nação, categorias caras a Burckhardt. Múcio Leão, por outro lado, afirmou que o sergipano conhecia “a luta de classes” e deu ao seu texto “uma certa orientação marxista”, além de ter conservado elementos dos planos da obra de Karl F. P. Martius e de G. Heinrich Handelmann. (Cf. Hansen, 2000, p. 75-77; Leão, 1934). Eu mesmo, em leituras transversas da sua obra, buscando o sentido da palavra civilização, já encontrei referências à filosofia da história de Du Bois-Reymond.
O que há em comum nessas avaliações é o reconhecimento do débito de João Ribeiro com uma certa historiografia alemã. Fato  que demonstra a força da “cultura ocultada” no Brasil. Uma germanofilia “incrustada tanto no imaginário popular, quanto presente nas discussões dos cientistas brasileiros” do século XIX. (Nascimento, 1999, p. 244-245).
E João Ribeiro confessou essa dívida. De Handelmann e Martius, apropriara-se, tão somente, da hipótese de que o Brasil fora constituído a partir do “particularismo” de cada província e não “de um núcleo central que se multiplicasse ou se expandisse como Roma.” (Ribeiro, 3 nov. 1931). A formulação tinha a ver com a história da Alemanha, onde se observava o “contraste entre o sentimento da unidade nacional e o particularismo de cada província.” (Handelmann, 1931, p. LV).
A história e a historiografia alemãs também estavam na idéia de identificar o “sentimento característico” de cada uma das “células” – que, por auto-desenvolvimento e colisão entre si, fizeram nascer o “organismo nacional” brasileiro. Tais sentimentos e células seriam: a religião e a tradição da Bahia, o radicalismo republicano de São Paulo, o liberalismo moderado de Minas e do Rio de Janeiro, e o separatismo da Amazônia e, depois, do Rio Grande. (Cf. Ribeiro, 1912, p. 24, 325).
Mas, o germanismo de João Ribeiro nem sempre se apresentou dessa forma, inspirador, parcimonioso. Houve tempo em que a Alemanha transbordava em sua alma. Tudo eram flores na pátria de Goethe. Um desses momentos pode ser flagrado nas primeiras impressões de viagem do laranjeirense em Berlim, remetidas aos colegas do jornal A Semana.
João Ribeiro nunca admitiu a autoria das “impressões”. Max Fleiuss, suposto destinatário, divulgou-as como mostra do espírito observador do jovem filólogo e historiador. Em respeito à palavra do mestre, provavelmente, Múcio Leão transcreveu apenas alguns trechos da missiva. (Cf. Fleiuss, 1941, p. 41-42; Leão, 1962, p. 248).
Pelo sim e pelo não, segue abaixo a referida correspondência na íntegra. Se for autógrafa, a biografia de João Ribeiro estará mais rica. Se for apócrifa, a satírica representação da Alemanha e dos alemães, produzida nas confeitarias do Rio de Janeiro, nas conversas entre os formadores da opinião carioca, certamente, ganhará mais esse depoimento de sabor etnográfico. Fica, então, o problema para os serviçais da crítica histórica.
“Berlim, 21 de março de 1895.
Max e tutti i quanti do bonde da A Semana. Tem esta por fim dizer a vocês todos que Berlim é a cidade mais bela, mais elegante, mais limpa, mais extraordinária, mais suntuosa do orbe inteiro. Quanta ilusão e quanta calúnia grassa aí no Brasil sobre a Alemanha! As berlinesas são lindíssimas, vivas, na maior parte morenas, de cabelos castanhos (aí julga-se que toda a alemã é uma barata descascada), magras astuciosas como umas gatas. Todas as ruas (e há léguas de ruas) são largas e pelos menos, sem exagero, cabem nelas seis ruas do Ouvidor. Todas as construções são monumentais e grandiosas, e não hei de ainda ver um casebre miserável. Ao ver tantos palácios, pergunta-se involuntariamente onde moram os pobres. Vim a saber que os pobres moram por cima e por baixo, pela rampa dos tetos ou nos subterrâneos.
Londres é uma velha rica, Paris é uma viúva decrépita, só Berlim é louçã. É uma rapariga nova, fresca, rija e incomparável. Quanta mentira aí! Os alemães são amáveis, as alemanzitas são espirituosas e engraçadas como vocês não imaginam. Isto é a condensação de todos os paraísos. Tudo aqui é mocidade. O tal militarismo é uma pulhice hedionda. Aqui o militar é caricaturado nos teatros, os artistas cômicos (que são de uma verve extraordinária e sabem além de tudo cantar divinamente) não se ocupam senão de desfrutar os lieutenants. A ordem, o asseio, a disciplina nas ruas é que são grandes; todos os soldados e oficiais são delicados. A brutalidade alemã é uma miserável calúnia. ‘O caboclo está perdido!’ dirá o Araripe [Júnior], mas vinde para cá, vós outros caboclos!
De arte, então nem falemos. Alemanha, na ponta! No Austerllung Park (Salon daqui), fiquei embasbacado. Na França só há Paris, aqui há pelo menos três escolas de pintura, a de Dusseldorf, a de Munchen e a do Norte (inclusive Berlim). Não sei qual é a mais rigorosa, sei que são assombrosas e admiráveiss. A gente de Puvis de Chavannes (Champs de Mars), de Paris, concorreu agora a Berlim e fez boa figura, mas na verdade eles estão debaixo dos grandes mestres da Alemanha.
E não falei de música; mas onde haverá música como na Alemanha? Há tanta música aqui que nas casas de cômodo sempre se acha este aviso – Musuceren ist verboten (Musicar é proibido). Os violoncelos, os pianos, as violas, as cítaras (já tenho uma) são uma praga, sem falar nas orquestras ou bandas e nessa nuvem de instrumentos automáticos...
Adeus, adeus, adeus.
João Ribeiro”

Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Um laranjeirense em Berlim. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 25, jan. 2004.

domingo, 11 de janeiro de 2004

A breve história de Carlos Burlamaque

A “data de nascimento” de Sergipe independente não é consensual entre os historiadores. Fala-se em 8 de julho de 1820 – dia em que D. João VI decretou a independência do governo local em relação ao da Bahia – e em 24 de outubro do mesmo ano, suposto dia em que a notícia do decreto teria chegado a São Cristóvão. Fala-se também no 5 de março de 1822, data da posse do primeiro governador da terra, nomeado por D. Pedro I, Manoel Fernandes Silveira.
Com propriedade, poder-se-ia acrescentar o 20 de janeiro de 1821 a esses marcos de origem. Essa data corresponde à posse do primeiro governantes nomeado por D. João VI para administrar a província de Sergipe, dezessete dias após a expedição do referido documento emancipatório. Mas, essa efeméride, como a da posse de Fernandes Silveira, não encontra muito apelo entre os estudiosos do nosso passado.
A razão do desprestígio, entre tantos motivos, deve-se ao fato de o “tumultuado governo de Burlamaque” ter durado apenas 26 dias. Sua administração foi atingida em cheio pelos desdobramentos da Revolução Constitucionalista do Porto, que interferiu, tanto na trajetória da novel capitania, quanto na vida do brigadeiro português, designado para governá-la. Com o constitucionalismo imposto ao Rei, no início de 1821, Sergipe perdeu sua independência e Carlos Burlamaque foi parar numa latrina do Forte do Mar, na rebelada cidade de Salvador.
O texto que trata dessas desventuras, ou dos 26 dias que abalaram o mundo de Burlamaque e a coletividade “sergipana”, foi publicado em 1821. Pode muito bem ser considerado a primeira história política sobre Sergipe no século XIX. Inicia-se com a notícia da emancipação concedida por D. João VI, a nomeação do governador Burlamaque e a elaboração do “termo declaratório relativo às rendas” que, a partir de janeiro de 1821, deveriam ser cobradas e destinadas ao lado de cá do rio Real.
A narrativa trata também da cerimônia de posse, a 20 de janeiro, das primeiras medidas de organização dos serviços de segurança pública, de administração fazendária, das liberdades de ir e vir, de comercializar, de manifestar opinião. Informa, ainda, sobre o avanço das tropas constitucionalistas, dentro e fora de Sergipe, do juramento à Constituição do Porto em Laranjeiras e Estância, do motim que resultou na derrubada de Burlamaque, na prisão deste e de autoridades civis e eclesiásticas e do envio do governador, secretário, oficiais e familiares para a cidade de Salvador.
É, portanto, uma história. Uma história imediata e curta, como indica o título. Brevíssima na abrangência temporal (apenas algumas semanas) e na extensão do texto (dez boas laudas manuscritas). Ainda assim, uma história provida por todo o aparto testemunhal (termos, petições, atestados, bandos, circulares, correspondência), não obstante figurar o Burlamaque como o quase-único depoente apresentado. A narrativa é tão convincente que a própria Maria Thétis Nunes, maior autoridade sobre o tema, empregou-a como eixo principal, no início da sua História de Sergipe (1878) para explicar as causas da emancipação local.
Mas, a Memória de Burlamaque também pode ser lida como crônica stricto sensu. Escrita no calor da hora, no tempo dos acontecimentos, não deixa de ter o seu sabor autobiográfico. No texto, o narrador atenta para a defesa as honra pessoal, estabelece divisas entre a atitude despótica e o comportamento liberal e define o personagem principal como um “vassalo” e como um “cidadão”.
História ou crônica? Essa é uma questão sutil, cara aos historiadores da historiografia. Melhor seria encará-la Burlamaque como uma possibilidade, um exemplo de trabalho que dá substância ao gênero memória, ao lado do relatório protocolarmente administrativo e do tradicional registro de reminiscências.
Melhor ainda seria prestar atenção ao documentário apenso ao texto, onde o governador, por exemplo, exorta o “povo sergipano” a honrar o seu passado: “vossos avós fizeram sempre uma grande figura na História (...) A guerra que houve sustentar com os franceses e com os holandeses nos subministram fatos que admiram, e a desgraçada e sempre terrível sublevação de Pernambuco fez reviver, nos corações de vossos filhos, a memória grata dos feitos dos seus antecedentes.” (Burlamaque, 13 mar. 1931). Para Burlamaque, portanto, já havia um “povo sergipano” em 1821, fundado, inclusive, numa memória comum de lutas contra os inimigos da Coroa, que eram também os inimigos dos habitantes desta terra.
Um século e meio após, o infortúnio de Burlamaque foi interpretado por Thétis Nunes como um divisor de águas entre dois grupos: os “portugueses radicados na terra”, junto com “senhores de engenho, presos aos comerciantes de Salvador por compromissos financeiros, e os “taberneiros e donos de casas da cidade (...) um esboço de classe média urbana, além de senhores da terra, principalmente, ligados à atividade pastoril.” (Nunes, 1878, p. 40-41).
Hoje, temos notícias de que nada estava definido em 1821. Não se sabia se mais vantajoso era ganhar a cidadania portuguesa ou a brasileira, quanto mais optar entre ficar na velha Bahia ou construir uma naturalidade sergipana.
Mas, é justamente o laivo patriótico o que chama atenção na Memória histórica e documentada dos sucessos ocorridos em Sergipe D’El Rei. Estonteado, em meio ao turbilhão de acontecimentos, e desconhecendo o final daquele tormentoso ano de 1821, Burlamaque foi categórico ao afirmar que as violências e prepotências praticadas pelo governo da Bahia tinham “o fim de assegurar a dependência e escravidão da província e as suas rendas.” Para um português que vivera pouco mais que uma quinzena em sua função, sem nenhuma ligação afetiva com a nova Capitania, esse aspecto unificador (identitário) da sua retórica em torno do “sergipano” merece se estudado com maior profundidade.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A breve história de Carlos Burlamaque. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 11 jan. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

domingo, 4 de janeiro de 2004

Alfredo Cabral e a história universal

O aracajuano Alfredo Cabral (1887/?) foi considerado um virtuoso entre os Brasileiros ilustres de Liberato Bittencourt (1913, p. 7-9). Contista aos doze anos, resenhista aos dezessete, professor, jornalista e filósofo aos vinte e cinco anos, Cabral teve sua “precocidade intelectual” comparada à de Rui Barbosa.
Mais comedido nos elogios, Armindo Guaraná (1925, p. 9) limitou-se a registrar a trajetória de formação do bacharel – secundário no Ginásio Sergipense, curso de direito no Recife –, a sua atividade profissional como professor de história do Atheneu, promotor público em Estância, Laranjeiras e Maruim, e colaborador em periódicos de Aracaju, Própria, Recife, Salvador e São Paulo.
Desde 2001, porém, quando os historiadores da educação em Sergipe resolveram investigar, com maior intensidade, a vida dos intelectuais do século passado, o personagem Alfredo Cabral ganhou outro interesse. Isso se deveu, por um lado, ao rumoroso concurso que resultou na sua assunção a catedrático do Atheneu e, por outro, a uma suposta obra de história universal que ele teria produzido e que, segundo o biógrafo Bittencourt, o firmaria “definitivamente além das fronteiras sergipanas.”
Sobre o concurso para a cadeira de história universal, ocorrido em maio de 1910, tratou, recentemente, o professor Jorge Carvalho do Nascimento (Cf. Cinforme, 24 nov.; 1 dez., 2003). Houve de tudo um pouco nessa disputa: quebra de sigilo das provas; renúncia de membros da banca examinadora; inclusão de novos pontos no programa, após a aprovação do mesmo; desligamento dos concorrentes de Alfredo Cabral, Durval Madureira e José de Magalhães Carneiro; reprovação, por parte da congregação, do parecer da banca, dando Cabral como vitorioso; devolução do processo de nomeação do candidato aprovado; e mudança do voto de seis dentre treze membros da congregação, ao referendar-se a vitória do candidato único.
Ao final do processo, afirma Jorge Carvalho, “ficou a impressão de que o concurso fora organizado para entronizar Alfredo Cabral em um dos cargos de maior prestígio do Estado, no início do século XX: o de catedrático do Atheneu”. Em todo esse imbróglio, provavelmente, deveria estar a participação do presidente de Sergipe à época, o dr. Rodrigues Dória – também defenestrado (por Nina Rodrigues) em um concurso para catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia.
O concurso de Cabral é um índice das práticas do novo regime em relação ao recrutamento para o funcionalismo e às disputas intelectuais por uma espécie de capital sócio-cultural que uma cadeira do Atheneu poderia render ao seu ocupante. Aprofundados os exames, não seria difícil concluir que, apesar do concurso, os procedimentos de escolha de um professor dessa prestigiada instituição escolar não destoariam muito da forma de preenchimento de uma vaga de professor primário, numa escola isolada, em qualquer recanto do Estão. Viver a oligarquia era a regra naquele tempo.
Mas, o concurso também é índice sobre a prática historiadora no Estado. Ele não gerou uma tese, de imediato, embora tenha forçado o bacharel Alfredo Cabral a esmerar-se na elaboração de uma história universal, obra inédita, pelo menos, até 1925, data do fechamento da edição do Dicionário de Armindo Guaraná. As notas foram produzidas pouco antes do concurso e publicadas em O Estado de Sergipe, entre 10 de abril e 01 de maio de 1910. Nesse mesmo ano, Cabral encerrava viagens de estudos e de lazer às terras de São Paulo – terra de “raça superior”, do homem da montanha, “sereno”, “senhor de si”, “educado” e “moderno”. (Cf. Cabral, 1910).
A modernidade dos costumes e o progresso dos negócios paulistas, que tão boas impressões havia deixado em Alfredo Cabral, eram vistos, por alguns homens dos anos 1900, como fruto da contemporaneidade. Para o futuro professor, só mesmo a história universal – que se ocupava das causas, do encadeamento dos fatos e das leis do desenvolvimento da sociedade – seria capaz de conduzir as pessoas a um exercício de alteridade e a reconhecer que os hábitos da sua época, educação, sistema de leis e modelos literários, por exemplo, teriam raízes fincadas na Antiguidade, sendo até possível , desse período, extrair-se os elementos da “alma humana” (greco-romana e cristã?).
Mas, esse avanço no auto-conhecimento de cada geração, via história universal, era possibilitado, em grande parte, pelo progresso da própria ciência da história – método de crítica filológica, interpretação de monumentos e pesquisas arqueológicas. Cabral também afirmava que a história havia partido da pragmática dos antigos para o espírito religioso dos conventos medievais, passando pela renascença italiana com Vico, até configurar-se em “ciência positiva”, no início do século XIX, com o criticismo dos alemães Niebuhr e Mommsen.
É uma pena que não possamos escrever muito sobre o tipo de sergipano que se buscava formar com a disciplina história universal naqueles tempos em que a congregação do Atheneu poderia dividir-se entre o espiritualismo de Brício Cardoso e o cientificismo de Prado Sampaio. Do livro de Alfredo Cabral, só conhecemos os sete artigos iniciais, uma espécie de “introdução aos estudos históricos”, bastante comum em obras do gênero no final do século XIX.
Num tempo em que ensinar história era “ler” história universal e que escrever história era biografar sergipanos ilustres, rememorar episódios da política, transcrever e comentar a documentação produzida pelo Estado, distinguem-se as iniciativas de professores do Atheneu, como Justiniano de Melo e Silva – Uma nova luz sobre o passado (1906), Maria Thétis Nunes – A civilização árabe: sua influência na civilização ocidental (1945), e a própria História universal de Alfredo Cabral. Quem der notícia sobre essa obra estará contribuindo bastante para o conhecimento do modo de formação da maioria dos sergipanos que passaram pelo ensino secundário no início do período republicano em Sergipe.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Alfredo Cabral e a História universal. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 04 jan. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumario desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

Por dentro dos arquivos estaduais: a experiência do Arquivo do Poder Judiciário de Sergipe

Heurística – arte de reunir os documentos necessários à pesquisa histórica – e arquivo – instituição responsável pela guarda e tratamento de documentos acumulados por pessoas físicas ou jurídicas ao longo de suas atividades – foram duas expressões que os novos alunos de história da UFS mais ouviram falar nesses últimos quatro meses. Na sexta-feira (24/09), finalmente, trinta e seis alunos da disciplina Introdução aos Estudos Históricos puderam conhecer de perto, ou melhor, por dentro, um desses repositórios de documentação arquivística. Durante três horas, os alunos foram informados sobre as principais tarefas dos especialistas responsáveis pela tão falada heurística, dentro do Arquivo do Poder Judiciário de Sergipe - AJES.
Na primeira parte dos trabalhos, o professor Itamar Freitas comparou as noções de fonte e de observação histórica da escola metódica e da escola dos Annales. Concluiu a preleção ressaltando que a relevância dos arquivos – notadamente dos arquivos públicos, como o do Poder Judiciário –, atravessa gerações de historiadores e concepções de cidadania.
Em seguida, a professora Eugênia Andrade, diretora da instituição, falou sobre a origem do arquivo e da natureza da documentação ali custodiada. Informou sobre o ciclo vital das peças e das etapas de processamento técnico, incluindo-se a hierarquização, acondicionamento e a elaboração de instrumentos de pesquisa.
Os alunos puderam conhecer algumas das dificuldades encontradas pelos arquivista para manter em condições de uso um processo do século XVIIII ..., por exemplo. Receberam orientações de como não só utilizar a documentação cartorária, mas também aplicar um questionário inteligente, em outras palavras, como fazer as fontes falarem, à maneira de Marc Bloch.
Da excelente acolhida proporcionada pelos funcionários e estagiários do Arquivo, os visitantes da UFS recolheram, pelo menos, duas boas notícias. A primeira refere-se ao fato de o Arquivo do Judiciário estar recolhendo 100% da documentação do século XX, produzida nas várias comarcas de Sergipe. Em breve, todo o acervo que depõe sobre o patrimônio dessas localidades, sobre os costumes que estruturaram a experiência social dos sergipanos receberão o mesmo tratamento aplicado às demais unidades de arquivamento armazenadas no AJES, desde a sua fundação.
O outro fato alvissareiro veio em forma de forma de imagens. A diretora anunciou para este ano, ainda, a veiculação de algumas peças do acervo digitalizado por meio da rede mundial de computadores, como já ocorre com alguns instrumentos de pesquisa. Além disso, apresentou o projeto do novo Arquivo. As modernas instalações, situadas no Centro Administrativo de Aracaju, ao lado do Fórum Gumersindo Bessa, já estão prontas para a inauguração. Pelo porte do empreendimento e pela a incorporação de tecnologia de ponta no que diz respeito à restauração do acervo, não é somente a documentação pública que vai ganhar casa nova e tratamento digno. São também os profissionais da área que terão ampliadas as possibilidades de trabalho.
Estão de parabéns, portanto, todos os que fazem o Arquivo Público do Poder Judiciário, tanto pelo tratamento profissional concedido aos graduandos da UFS durante a visita, quanto pelo empenho em fazer da Arquivística em Sergipe, além de ferramenta administrativa, um importante campo da erudição.

Para citar este texto:

FREITAS, Itamar . Por dentro dos arquivos. Judiciarium, Aracaju, n. 82, p. 17, 2004.