terça-feira, 20 de junho de 2006

Crítico "à beça"

Gumercindo Bessa (1859-1913)
O jurista Gumercindo de Araújo Bessa (1859/1913) ainda é conhecido como o sergipano que polemizou com Rui Barbosa sobre a propriedade do território do Acre – reivindicado pelo Estado do Amazonas – e, por conta desse litígio, teve seu nome abonado como gíria, a exemplo do título deste artigo: à beça – à farta, ao extremo.
José Calazans ficou indeciso quanto ao caráter historiográfico da sua obra (póstuma) – Pela imprensa e pelo Foro – composta de matéria vária, organizada por Prado Sampaio em 1916. Assim mesmo, resolveu relacioná-la em sua “Introdução à historiografia sergipana”. Isso porque nos artigos, produzidos entre as décadas de 1880 e 1910, poder-se-ia reconhecer “alguns aspectos da vida sergipana” e “a intenção de valorizar a Província através dos seus vultos e costumes.” (Calazans, 1992, p. 16).
Não tenho dúvidas quanto ao valor do esforço de Calazans para agregar mais um título à historiografia sergipana e estou convicto da importância dos escritos de Gumercindo para a história local. No entanto, como obra de historiador, Pela imprensa e pelo Foro é escassamente representativa. Gumercindo era crítico “à beça” e uma narrativa para ser historiográfica, naquele período, não se poderia sustentar somente na reminiscência ou no sopro demolidor característico da maior parte dos artigos da citada coletânea.
Vejam-se os textos sobre Tobias Barreto, onde o crítico combate “a canalha literária do império”. Aí ele rememora conversas com o mestre, leituras da obra do ilustre morto e conclui: Tobias não era louco, dogmático, contraditório como afirmaram os seus críticos. Mas, o ícone não saiu ileso. Gumercindo lamentou que tivesse entrado  “pela porta larga da metafísica”, na cabeça do venerado intelectual, “todas as ilusões que a dúvida metódica tinha banido.” (Bessa, 1916, p. 6).
A depuração da filosofia do alemão Eduardo de Hartmann, que não soube tirar proveito “dos achados científicos do seu tempo” e de sua pátria; o julgamento da tela “Peri e Ceci”, de Horácio Hora; o virulento ataque à gramática e aos seus cultores também carregaram as marcas desinfetantes daquele que se autodenominava “advogado da roça”. Observem: “A gramática é a aferição da língua medida a côvados, pesada a quilos, distribuída em litros; é a palavra alada, viva, borboleteante, pregada numa tabuleta morta...pelo alfinete de um entomologista das letras” (idem, p. 76).
Até mesmo uma ilustre debutante foi desacatada no dia do seu aniversário. Aracaju “é a mais vagabunda das tataranetas de Pedro Álvares Cabral. (...) Exibe-se adorável nos salões e cata piolhos escondida na alcova.” (idem, p. 80, 81).
No Diário da Manhã, com o sugestivo nome de “Ortigas”, Gumercindo afiou a sua língua sob o pseudônimo de Mafório. De lá, orientado pela leitura de um certo italiano, dissertou sobre a “salubridade das escolas primárias”, assunto, dizia ele, “nunca estudado entre nós.” E qual o desenho traçado sobre a realidade sergipana? Uma tristeza: “renques de bancos toscos, verdadeiros bancos de galerianos, enchem-se de crianças a vozear um clamor monótono de taboadas ou de cartas de nomes, numa esfalfante melopéia de idiotas, em frente de uma mesa com tinteiro, palmatória e mestre ou mestra (...) À roda deles, fechando-lhes o cárcere, paredes sem limpeza, chão poeirento, teto revestido de teias de aranha, um ambiente morno, escuro, abafadiço e triste.” (idem, p. 83).
Ora, Gumercindo “censura, combate e guerreia os maus homens e os maus hábitos, mas reserva-se o direito de aclamar e festejar os acontecimentos propícios e as individualidades meritórias”. Assim, há escritos que demonstram outras facetas. Lá estão o elogio a Fausto Cardoso, os “retalhos” sobre a procissão do Senhor dos Passos, a saudação patriótica ao destróier Sergipe, a apologia ao judiciário – “isento de corrupção”, a “força reparadora dos excessos dos outros poderes”.
Também foram transcritas algumas peças da sua lida no foro, e a série de oito artigos sobre a questão do Acre: batalha em torno da melhor leitura dos códigos em suas últimas edições, do debate sobre sintaxe, semântica, estilo, erros e omissões de erudição. Há, portanto, na obra em tela, reminiscência, instante biográfico, crônica literária, apreciação artística, filosófica etc. Mas, o elemento que atravessa grande parte do livro é a afiada navalha da crítica – faz lembrar o Silvio Romero do século XIX.
Não sei se a obra de Gumercindo resistiria aos seus próprios golpes – não conheço outros escritos, excetuando-se aqueles da coletânea. Também não é meu propósito verificá-lo. Mas, se esse tema atrair o interesse de algum curioso pela história das idéias em Sergipe, o fragmento que transcrevo em seguida ser-lhe-á de grande valia, presumo.
“Que é a seleção, senão a natureza criticando-se e corrigindo-se? E que é a crítica, senão um caso especial da seleção, a seleção consciente, racionalmente dirigida? É assim que eu a compreendo e aplico. O método é simples e eficaz. Confrontar um produto, cientifico ou artístico, com as idéias em voga, com a soma das aspirações do seu tempo é – estou certo – o mais seguro critério para decidir do seu valor, e determinar o qualificativo que lhe compete, conforme esteja aquém ou além de tais idéias e de tais aspirações.
Criticar é demolir e reconstruir. Todo sistema que se não concilia com o espírito do século, que não gravita para a nova orientação científica, está irrecurssivamente condenado.” (idem, p. 45-46).
Darwin e Spencer oferecem o estalão. Gumercindo só não deixou claro quem daria a última palavra sobre o verdadeiro “espírito” de cada século.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Crítico à beça. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 20 jun. 2006.


Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse o link: http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.


Fonte da imagem
Foto: Gumercindo Bessa - <http://www.estanciasergipe.org/estfilah.html>. Acesso em: 8 nov. 2010.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

A escrita da história de Sebrão Sobrinho: uma análise de Laudas da História do Aracaju

Brasão do município de Aracaju-SE (1955)
Fiz os meus primeiros contatos com Sebrão Sobrinho [1] quando cursava a disciplina História de Sergipe, ministrada pela professora Lenalda Santos. Nesse período, junho de 1995, os debates em sala de aula foram tornando bem “animados” a partir da introdução dos textos de sua obra mais conhecida: Laudas da História do Aracaju [2]. Poucos eram os colegas que concordavam com a visão do autor acerca da história “do” Aracaju. Além disso, o seu jeito particular de narrar os acontecimentos tornavam-no alvo de severas críticas. Unanimidade em relação a Sebrão Sobrinho, somente acerca de sua personalidade: deveria ter sido um sujeito extremamente mal humorado e com grande complexo de inferioridade.
Os poucos que me conhecem não devem demorar a entender o porquê dessa atração inicial pelo autor: um homem com muito a dizer, mas com meios peculiares para transmitir o que pensava. Para mim só uma questão se impunha: mal humor e complexo de inferioridade não seriam o suficiente para que alguém construísse um arquivo e se debruçasse sobre ele, produzindo mais de quinhentas laudas sobre a história da capital de Sergipe. Deveria haver algo mais ... E havia: um extremado apego à pesquisa histórica. Sentimento e prática que, vez por outra, pensamos estar em extinção.
Foi a partir dessa descoberta que tomei a iniciativa de divulgar um pouco mais a obra de Sebrão Sobrinho tanto para os novos alunos (principalmente), quanto para os pesquisadores já estabelecidos que ainda não tiveram acesso, ou que, por dificuldade de compreensão, mantiveram-na afastada das referências bibliográficas dos seus trabalhos. Tentar entendê-la, seja pelo estudo das estratégias utilizadas para narrar os fatos, seja pela busca da sua lógica histórica, é o que me proponho a fazer neste trabalho.


A recepção da obra
Poucas referências são feitas aos textos de Sebrão Sobrinho. Das quatro críticas registradas em livro, duas se ocupam de toda a sua obra e as demais referem-se à natureza das conclusões contidas nas Laudas da História do Aracaju.
Para José Calazans [3], Sebrão Sobrinho foi “o pesquisador sergipano que maior contato manteve com os arquivos da Capital e do Interior”. A sua obra, embora não se apresente “rigorosamente dentro da metodologia histórica, [...] está repleta de informações e documentos, o que lhe assegura, realmente, um lugar destacado como documentário valioso para a história de Aracaju e de Sergipe" [4].
Esse “lugar destacado” parece nunca ter sido conquistado, mesmo após a sua morte, tanto que o historiador Vladimir Souza Carvalho [5] denuncia o ostracismo a que foi relegado o autor em vida e a colocação dos seus trabalhos em segundo plano. No artigo intitulado “Sebrão Sobrinho, o Desconhecido”, comenta as razões do “indiferentismo da província”. Carvalho conta a importância da professora Maria Meneses de Almeida (esposa, conselheira, secretária e patrocinadora) e o pensador Tobias Barreto na construção da obra de Sebrão e reivindica um lugar de importância dentro da Historiografia Sergipana para aquele que foi exemplo de dedicação à pesquisa histórica “numa época em que pesquisar não era moda, antes vocação" [7].
A publicação de Laudas da História do Aracaju levantou polêmicas relacionadas às causas da mudança da capital e aos seus reais promotores. O motivo principal foi a postura de Sebrão Sobrinho em considerar o Barão de Maruim como o único responsável pelo evento. Apesar desse fato, a fcobertura jornalística do lançamento das Laudas foi reduzidíssima. Apenas Zózimo Lima se demorou em maiores comentários sobre o teor do livro. Considerando Sebrão Sobrinho como historiador competente, esse crítico reafirma a tese de que o Barão de Maruim foi o maior responsável pela transferência, classificando o livro como informativo e divertido [8].
Outros autores, como Eunaldo Costa [9], elogiam o estilo elegante e acessível do historiador e os “princípios históricos em que a obra é vazada”, como é o caso de J. Alvares da Rocha [10]. Esse mesmo comentador denuncia que Sebrão tem sido alvo de perseguições desde o lançamento de outra obra sua: Tobias Barreto o Desconhecido [11].
Dentre os jornais de maior circulação [12], não constatei balanços negativos acerca das Laudas. A exceção pode ficar por conta da dubiedade de um artigo redigido por Epifânio Dória. “Dois Livros" [13] reivindica a publicação dos mais recentes trabalhos do Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida (uma História de Aracaju e uma biografia de Inácio Joaquim Barbosa) ao tempo em que critica “os tecedores de histórias chamejantes com falso brilho de lantejoulas verbais” e informa sobre o patrocínio da Prefeitura de Aracaju ao trabalho de Sebrão Sobrinho (Laudas da História de Aracaju).
Embora os registros sejam mínimos, o debate em torno da obra parece ter sido acirrado. O próprio Sebrão Sobrinho tratou de se defender através de nove artigos [14] que se estenderam pelos meses de março a agosto de 1956. Todos esses textos tratam de um só assunto: a incompetência dos críticos sergipanos. Em setembro desse mesmo ano, Elieser Leopoldino de Santana [15] denunciou o silêncio da imprensa em relação às Laudas: “Fala-se, à boca pequena, que o desinteresse dos referidos críticos está ligado à crença de que o professor Sebrão Sobrinho, inteligente como ele é, muito imaginoso, seja capaz de criar flagrantes que, historicamente, nunca existiram”. O próprio Santana diz ser um absurdo esse tipo de comentário: “Por que essa gente sempre, tão pronta a duvidar dos outros não sai da toca e não vai para as colunas dos jornais dizer o que sente e o que quer?” [16] Esse mesmo artigo informa da boa receptividade das Laudas, no Rio de Janeiro dos livros sobre Tobias Barreto, Genealogias sergipanas e História de Sergipe, produzidos por Sebrão (ainda inéditos) e lamenta o ostracismo a que o autor foi relegado.
Dos poucos contestadores do historiador, destaco a figura de Enoch Santiago [17] que, munindo-se dos depoimentos de Inácio Marcondes Homem de Melo, Manuel dos Passos de Oliveira Teles e Abreu Cruz, valoriza a competência intelectual e administrativa de Inácio Barbosa e critica o tratamento deselegante concedido pelo autor das Laudas ao fundador da capital.
Enoch Santiago refere-se ao texto de Laudas da História de Aracaju, como “apreciável trabalho” e ao seu autor como “ilustre professor" [18], embora não compreenda o “afã desordenado [de Sebrão] em despojar Inácio Joaquim Barbosa de glória do ato da fundação" [19]. Para o partidário de Inácio Barbosa, “faltou ao escritor um aprumo histórico e ético, uma medida de segura apreciação dos acontecimentos; uma visão tranquila dos fatos, para o ajustamento dêles entre Inácio Barbosa, presidênte da Província e João Gomes de Melo, chefe político da região, na época da mudança."[20] Em síntese, a crítica de Enoch Santiago ao texto de Sebrão Sobrinho tem objetivo certo: realçar as qualidades pessoais do Presidente Barbosa, “homem de ação, enérgico, e até certo ponto voluntarioso" [21].
A mais lúcida e substanciosa crítica ao texto de Laudas da História de Aracaju foi feita por Bonifácio Fortes [22], numa conferência que marcou o centenário de falecimento de Inácio Joaquim Barbosa (24/10/1955). O Govêrno Inácio Barbosa apresenta-se como inovação metodológica nos estudos que tratam da transferência da capital. O que seu autor pretende é buscar “a verdade do confronto, do estudo entre a infra-estrutura e a super-estrutura sociais”, já que os historiadores [entre eles Sebrão] “restringiram-se apenas aos fatos sem cuidarem da realidade social, econômica e geográfica do meio." [23]
Nesse estudo, 17 parágrafos referem-se diretamente a Sebrão Sobrinho. Expressam críticas ao personalismo do autor (em favor do Barão de Maruim) e à demasiada ênfase em fatos irrelevantes (segundo Bonifácio Fortes) para a História. A crítica se fundamenta em outros clássicos sobre a transferência da capital (por exemplo, Aracaju: contribuição à História da Capital de Sergipe [24]) e no próprio texto de Laudas da História do Aracaju para mostrar quanto são contraditórias as afirmações de Sebrão (subserviência, parcialidade, incompetência etc.) acerca do desempenho administrativo de Inácio Barbosa.
As intenções de Bonifácio Fortes e Enoch Santiago são semelhantes: resgatar a imagem de Inácio Joaquim Barbosa, bastante deteriorada depois da publicação de Laudas. Esse propósito é assumido, enfaticamente, no final dos dois estudos e, nesse texto, em particular, o desabafo de
Bonifácio Fortes é contundente: “Lamentavelmente êsse infatigável pesquisador Sebrão Sobrinho empana os méritos de sua obra com a interpretação personalista dos acontecimentos da mudança, negando a todo custo a contribuição decisiva de Inácio Barbosa." [25]
 [...] Façam o que fizerem seus detratores, Inácio Joaquim Barbosa permanecerá no carinho e no respeito (sic)." [26] 
O perfil das críticas feitas aos trabalhos de Sebrão e, sobretudo, ao texto de Laudas da História de Aracaju indica que as mesmas estão bem próximas do ideal cientificista da História. Por essa perspectiva, avalia-se um texto histórico pela sua capacidade de fornecer o aparato metodológico que lhe permita ser criticado, como também da sua capacidade de descrever o real (objetividade e clareza).
Nesse sentido, algumas “imperfeições” estilísticas e metodológicas são apontadas. As últimas aparecem sob duas formas: a omissão de referências bibliográficas e documentais das provas utilizadas pelo autor e ao método propriamente dito (personalista, psicológico, factual etc.).
A maneira particular da escrita histórica de Sebrão (“as características clássicas”), justificada por Vladimir Carvalho [27] como traço de todo autodidata que trabalha isoladamente, sem a presença de um crítico severo, é realmente uma marca inflexível do estilo do autor, embora esse estilo não seja motivo suficiente para relegá-lo a um plano inferior.
Sobre a omissão de fontes, informa Carvalho da existência do arquivo particular de Sebrão que servia como base para as suas afirmações. Muitas informações eram sonegadas pelo autor em razão do clima de perseguição política e pelo temor das cópias (fraudulentas) que outros historiadores poderiam fazer.
Apesar dessas considerações, não encontrei um só questionamento de “dados objetivos” narrados em Laudas da História de Aracaju (datas, locais, estatísticas, nomes etc.). Ao contrário, seus interlocutores utilizaram-se das suas informações para contestá-lo e, contraditoriamente, acabaram por abonar o seu lastro empírico28 (elemento de valorização da escrita historiográfica a que me referi no parágrafo anterior).
Em relação ao método propriamente dito, existe a contestação explícita de Bonifácio Fortes (uma curiosa combinação dos conceitos utilizados pelo materialismo histórico – classe dominante, elite, infraestrutura, capitais nacionais, centro produtivo etc. com conceitos de Oliveira Viana – clãs organizados e de Gilberto Amado – elites imperiais) ao “personalismo extremado” de Sebrão. Apesar de implementar uma nova abordagem, de apresentar novas conclusões acerca da transferência da capital, o afã de restituir ao pódium a figura de Inácio Barbosa leva o crítico a cometer os mesmos “equívocos metodológicos” de Sebrão Sobrinho (o personalismo e o apelo apaixonado).
Enfim, as críticas endereçadas a Sebrão Sobrinho quanto ao estilo, às estratégias de argumentação e ao método propriamente dito são superficiais, contraditórias e, portanto, inconsistentes; embora tenham declarado intenção, não se encaminharam pelo “progresso da ciência histórica”. A passionalidade e o partidarismo político têm sido o motor da crítica historiográfica. Não é pura coincidência o fato da participação destacada de Enoch Santiago (quase quarenta anos antes - 1917) nas cerimônias de transferência dos restos mortais de Inácio Barbosa para a Praça José do Faro (17 de março de 1917): uma tarefa encampada com júbilo pelo guardião da “arca sagrada das nossas tradições”, o IHGS.
As lacunas deixadas por essa crítica (acerca do estilo, da mensagem do texto e do aparato metodológico utilizado) receberão tratamento especial neste trabalho que se inicia com uma noção de História diferente e, por conseguinte, abordagem, metodologia e conclusões também diferenciadas.


Proposta analítica
A “análise [29] de historiografia" [30] é uma atividade essencial para a produção do conhecimento histórico e para a reflexão epistemológica da disciplina. A crítica é inerente a ela e não há como efetuar análise se esquivando da crítica do discurso histórico. Entretanto, fazer análise de historiografia, neste caso específico, não será responder a um questionário sobre fontes, método, objeto, categorias analíticas etc.; nem diluir o texto num esquema estatístico que observe os aspectos sônico, gramático e figurativo; e nem liberar à intuição e construir um novo Laudas da História do Aracaju. Não é ainda estabelecer o topos dominante de sua época ou negar qualquer participação do “homem” Sebrão Sobrinho na escrita produzida pelo mesmo. A minha proposta é um tanto anárquica [31], nesse sentido. Ela pretende responder a maioria dos objetivos propostos pelos métodos vistos aqui, mas sem a preocupação de eleger determinantes. [32] 
É oportuno citar os comentários de Feyrabend que parecem ter sido criados exclusivamente para esse trabalho: 
[uma metodologia pluralista permite] comparar idéias antes com outras idéias do que com a ‘experiência’ e [...] antes aperfeiçoar que afastar as concepções que forem vencidas no confronto. [...] O conhecimento, concebido segundo essas linhas, não é uma série de teorias coerentes a convergir para uma doutrina ideal; não é um gradual aproximar-se da verdade. É, antes, um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis (e, talvez até mesmo incomensuráveis). [33] 
 Encaro a História como um gênero da Literatura o que não pressupõe anular as suas especificidades. O próprio Guiraud [34], ao apresentar os nove gêneros literários (cinco para a poesia e quatro para a prosa), distingue claramente o gênero histórico dos gêneros didático, oratório e romanesco. O vínculo História-Literatura não é reconhecido somente por lingüistas (Guiraud), sociólogos (Barthes) ou historiadores vanguardistas (Withe). O depoimento de Ed. Fueter [35], na mais importante análise da Historiografia moderna que tenho conhecimento, é bastante esclarecedor quanto a esse caráter.
A filosofia da História é também um aspecto a ser considerado. Separo o trabalho do historiador e o conhecimento específico do filósofo da História. Esse elemento, que tem relação direta com o método, aproxima as propostas analíticas de Rodrigues e Barthes e, neste trabalho, recebe o nome de significação.
O estilo é uma categoria privilegiada nesta análise; tem o sentido genérico de maneira de escrever, sinônimo de retórica e tem a dupla função de embelezar e persuadir. É encarado em suas instâncias individual e coletiva, como um desvio em relação ao padrão da Historiografia da época (leia-se IHGS década de 50) e estudado dentro da “oposição” binária conteúdo/forma, ao modo das assertivas de Barthes.
Concluindo, concebo o texto historiográfico como um tecido e com infinitas linhas a se entrecruzarem. O historiador é um transformador de fórmulas, prefigurador, encenador, atribuidor de sentidos etc.; um ser com poderes bastaste limitados, de certa forma semelhantes às concepções de Barthes e Withe. A tarefa desta análise consiste, portanto, em “desfiar o texto” dentro dos limites que a minha cultura histórica permite.


Sumário
Introdução
Recepção da obra
Proposta analítica
Enunciado
            Resumo de Laudas da História do Aracaju         
Enunciação
            Aspectos estilísticos da composição
            O capítulo
            A frase
            A palavra
                        Neologismos
                        Indianismos
                        Vulgarismos
A significação
            Filosofia especulativa da história
            Filosofia crítica da história
                        Problemas críticos
                        Problemas metodológicos
Conclusão
Referências


Para baixar gratuitamente toda a monografia, acesse:
1 José Sebrão de Carvalho Sobrinho (1898-1973) nasceu em Itabaiana/Se, exerceu as funções de professor, inspetor de educação, promotor público poeta e jornalista. Foi sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Associação Sergipana de Imprensa. Redator de O Nordeste, O Cálamo (1928), Mocidade (1946) entre outros. Além de produzir diversos artigos sobre a História de municípios sergipanos em revistas e jornais, publicou: Sociedade __[?], 1933; Tobias Barreto o Desconhecido: Gênio e Desgraça. Aracaju: Imprensa Oficial, 1945; Monsenhor Silveira: O Fundador da Imprensa de Sergipe. Aracaju: ASI, 1947; Laudas da História de Aracaju. Aracaju: Regina, 1955; Filarmônica Nossa Senhora da Conceição: A mais antiga Instituição Musical do Brasil, Fundada no Século XVIII. Itabaiana, __[?], 1956; Fragmentos da História de Sergipe. Aracaju: Regina, 1972. Possui alguns títulos inéditos, como: Tobias Barreto o Desconhecido,v. 2, 3 e 4; [Genealogia das Principais Famílias Sergipanas]; História de Sergipe; e Apontamentos Históricos da Comarca de Itabaiana.
2 idem.
3 Calasans, José. Introdução ao Estudo da historiografia Sergipana. In: Aracaju e outros temas sergipanos: esparsos de José Calasans Brandão da Silva. Aracaju:Governo de Sergipe/FUNDESC, 1992. p. 07-37.
4 idem., p. 20/21.
5 Carvalho, Vladimir Souza. Sebrão Sobrinho, o desconhecido. Momento, Revista Cultural da Gazeta de Sergipe, Aracaju, n. 8, p. 29-30, dez. , 1976.
7 ibid., p. 30.
8 Zozimo Lima. Variações em Fá Sustenido. Correio de Aracaju, Aracaju, 21, maio, 1955. p.01; Correio de Aracaju, Aracaju, 12, out., 1955. p. 01.
9 Costa, Eunaldo. Laudas da História do Aracaju. Sergipe Jornal, Aracaju, 31, mai., 1955. p. 01
10 Rocha, J. Alvares da. Sebrão Sobrinho e o centenário de Aracaju. Correio de Aracaju, Aracaju, 23, jul., 1955. p. 06.
11 Sebrão Sobrinho. Tobias Barreto o Desconhecido: Gênio e Desgraça. Aracaju: Imprensa Oficial, 1941.
12 Correio de Aracaju (1955-1957); Sergipe Jornal (1955-56); Diário de Sergipe (1955-57); A Cruzada (1955-56).
13 Doria, Epifânio. Dois Livros. Sergipe Jornal; Aracaju, 30, mar., 1956. p. 01.
14 Sebrão Sobrinho. Crítica Científica. Correio de Aracaju, Aracaju, 28, mar., 1956. p. 02 (e ainda: 10 e 20 de abril; 27 e 30 de maio; 18 de junho; 3 e 31 de julho; e 18 de agosto de 1956).
15 Santana, Elieser Leopoldino de. Laudas da História de Aracaju. Correio de Aracaju, Aracaju, 01, set., 1956. p. 04.
16 idem.
17 Santiago, Enoch. Mudança da Capital. Revista de Aracaju, Aracaju, n. 6, p. 23-36, 1957.
18 ibid., p. 27.
19 ibid., p. 29.
20 ibidem., p. 29-30.
21 ibdem., p. 36.
22 FORTES, Bonifácio. O Governo Inácio Barbosa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju, n. 22, p. 81-104, 1955-58.
23 ibid., p. 81
24 Calasans, José. Aracaju e outros temas sergipanos: esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: Fundesc/SEEC, 1992. 141p.
25 ibidem,. p. 99.
26 ibidem., p. 104.
27 op. cit.
28 Vejam-se (além do uso das fontes de SEBRÃO para contestá-lo) os qualitativos imputados pelos seus críticos mais contundentes: “alentada”; “opulenta”; “apreciável’ (em relação a Laudas da História do Aracaju); “ilustre”, “notabilíssimo pesquisador”; “inteligente”, “infatigavel”; “minuncioso” (em relação a Sebrão).
29 "...decomposição de um todo em suas partes constituintes/exame de cada parte de um todo tendo em vista conhecer sua natureza, suas proporções, suas funções, suas relações etc.”- Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguêsa.2 ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1986. p. 113.
30 O discurso histórico.
31 A utilização dos argumentos de Feyrabend nesse trabalho não deve ser entendida como uma opção literal pela vertente anarquista (ou dadaísta, o autor assim o prefere) em relação à epistemologia histórica; o tudo vale na ação metodológica tem um sentido definido e é uma proposta construtiva; é antes de tudo “recorrer a hipóteses que contradizem teorias confirmadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos”. (Feyrabend, p. 10.)
32 Omiti da monografia original uma digressão em torno das propostas analíticas de José Honório Rodrigues, Peter Gay, Hayden White e Roland Barthes.
33 Feyrabend, P. Contra o... p. 40.
34 Guiraud, Pierre. A estilística. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 19-20.