quinta-feira, 5 de junho de 2008

Composição de imagens para impressos educacionais: relato de uma experiência

Este texto, como o próprio título já indica, tem origem numa preocupação bastante prática: a composição de imagens fixas para impressos educacionais destinados ao ensino superior. Nasce de uma questão enfrentada pela equipe de produção de Material Didático Impresso (MDI) da Universidade Aberta do Brasil em Sergipe, implantada desde novembro de 2006: como ilustrar o MDI de forma a respeitar alguns princípios pedagógicos e semióticos passíveis de uso na relação ensino aprendizagem? Colocando a questão em outros termos: como trabalhar a relação texto/imagem sem lançar mão de recursos puramente intuitivos e subjetivos (traço pessoal do ilustrador, visão contemplativa do texto a ser ilustrado etc.)? Como ampliar o uso das imagens nos livros didáticos de forma a evitar a curta visão do pedagogo tradicional, “exclusivamente centrado na imagem como um auxiliar da palavra”? (Guerra, 1984 p. 126).
É provável que esse problema tenha sido alvo de dezenas de estudos e, ainda, que outras equipes de produção de material didático tenham encontrado o seu ponto médio, as suas bases teóricas e as melhores alternativas para resolvê-lo, dentro de seus respectivos projetos pedagógicos. Infelizmente, este não foi o caso de Sergipe. Com neófitos à mancheias e a espera de maiores esclarecimentos sobre o tema “arquitetura da informação”[2], a equipe da UAB/UFS vem esforçando-se em poucas semanas para dar cabo do trabalho de diagramação e ilustração de uma dezena de MDIs dos cursos de Matemática, História, Geografia e Língua Portuguesa e, concomitantemente, iniciar-se na literatura sobre imagem e educação, sobretudo, o uso das imagens nos impressos didáticos.
O fato de iniciar-se sem orientação especializada, entretanto, não nos exime de trabalhar dentro de determinadas concepções de imagem e de educação escolar. A imagem referida aqui é a imagem material, bidimensional, fixa, visual, manual e técnica, reprodutível, que vai da fotografia ao gráfico (passando pelo desenho, diagrama e quadros sinópticos visuais).[3] A abordagem adotada é debitaria da teoria da Gestalt e da semiótica[4], ou seja, imagem-texto[5] é objeto que ganha sentido mediante a idéia de “percepção” – “uma elaboração ativa, uma complexa experiência que transforma a informação recebida” (cf. Sardelich, 2005, p. 3). Dentro desta linha de compreensão, imagem-texto pode ser identificada, compreendida, aprendida e – precisamente no nosso caso/problema – composta/criada a partir de princípios (de comportamento?) comuns a todas as pessoas. Nesse sentido, a abordagem formalista/psicológica/semiótica adotada tem uma âncora: chama-se Sintaxe da linguagem visual, proposta por Donis A. Donis (2003).
Para esta autora, a criação de sentido em termos de mensagens visuais depende em grande parte de um “mecanismo perceptivo universalmente compartilhado pelo organismo humano” (Donis, 2003, p. 30). É possível, então, produzir imagens que desencadeiem determinados efeitos psicológicos e físicos nas pessoas (equilíbrio, tensão, nivelamento, direção, enfado, infinitude etc.), desde que se conheça a sintaxe da linguagem visual, ou seja, desde que o profissional saiba utilizar os “elementos básicos da comunicação visual” (ponto, linha, forma, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento) com seus respectivos significados, desde que ele domine a combinação as várias técnicas que medeiam a “expressão visual do conteúdo” (regularidade/irregularidade, simplicidade/complexidade, unidade/fragmentação, economia/profusão etc.).
Uma citação direta de Donis sintetiza a utilidade de suas proposições para a resolução do nosso problema central (lembremos mais uma vez: como ilustrar o MDI de forma a respeitar alguns princípios psicopedagógicos passíveis de uso na relação ensino aprendizagem? Como ampliar o uso das imagens nos livros didáticos de forma a evitar a curta visão do pedagogo tradicional, “exclusivamente centrado na imagem como um auxiliar da palavra”?).


Uma mensagem [visual] é composta tendo em vista um objetivo: contar, expressar, explicar, dirigir, inspirar, afetar. Na busca de qualquer objetivo fazem-se escolhas através das quais se pretende reforçar e intensificar as intenções expressivas, para que se possa deter o controle máximo das respostas. Isso exige uma enorme habilidade. A composição é o meio interpretativo de controlar a reinterpretação de uma mensagem visual por parte de quem a recebe. O significado se encontra tanto no olho do observador quanto no talento do criador. (Donis, 2003, p. 131).


Sabendo que é possível provocar determinadas situações onde o leitor possa produzir significado mediante o ordenamento de determinados elementos visuais e, ainda, que toda imagem-fixa “é composta tendo em vista um objetivo” (e o nosso objetivo aqui é o uso em ambiente de ensino-aprendizagem), resta-nos estabelecer as situações em que a imagem fixa deve ser utilizada. Para tanto, é necessário listar as várias funções[6] da imagem dentro da educação escolar. Evidentemente, manteremo-nos dentro da abordagem formalista da imagem, tendo como referência básica as funções da imagem formuladas por J. Diéguez (1978), citado por Miguel Guerra em Imagen y educación (1984). Aqui expomos excertos da tradução de Maria Manuela Dias e José Henrique Chaves, professores do Instituto de Psicologia da Universidade do Minho.


Funções didáticas da imagem
a) função motivadora: quando se pretende apenas captar a atenção do aluno para o tema geral, isto é, quando aparece numa narrativa que, por si só, já era compreensível. São, normalmente, ilustrações genéricas relacionadas com o título do texto, mas que estabelecem um processo interativo com o desenvolvimento verbal.
b) função vicarial: quando só a imagem decodifica, com precisão, a realidade, suplantando a palavra ante a dificuldade em descrever verbalmente o assunto;
c) função catalizadora de experiências: quando a imagem facilita a verbalização de um assunto concreto, permitindo a compreensão, a análise e a relação entre os fenômenos. É uma função da imagem em que a comunicação não é diretamente atribuída à linguagem oral. Esta função permite organizar o real, procurando-se, portanto, uma organização da realidade que facilite a verbalização de um aspecto concreto e delimitado ou que provoque a análise de informações em imagens com uma seqüência ou ordenação própria para as mesmas.
d) função informativa: quando a imagem ocupa o primeiro plano no discurso didático. O texto verbal é então a explicação da mensagem icônica, ou seja, o texto é apenas a transformação da mensagem icônica em informação verbal. Esta função engloba uma categoria ou uma classe de objetos, mas não caracteriza o próprio objeto.
e) função explicativa: quando existe a manipulação de informação icônica de forma a permitir a sobreposição de códigos numa mesma imagem e explicar graficamente um processo, uma relação. É uma função em que se utilizam imagens reais ou realistas, com associação de códigos direcionais, explicações que estão incluídas na ilustração;
f) função de facilitação redundante: quando a imagem ilustra uma mensagem já expressa claramente por via verbal. Por conseguinte, esta função permite um reforço perceptivo do simbolismo verbal do texto;
g) função estética: quando há necessidade de alegrar uma página, dar cor à composição, romper com a monotonia. Esta função da imagem permite uma intensificação simbólica que se caracteriza, em especial, pela ênfase criativa numa mensagem. (Dias e Chaves, 2007; cf. Guerra, 1984, p. 117-128)


Intrumentalizados com os conceitos de imagem fixa, uma orientação psico-pedagógica para uso das imagens e com uma proposta de classificação para as diversas funções da imagem, resta-nos por em exame, exatamente, o nosso principal modelo de arquitetura da informação: o MDI do CEDERJ, nosso orientador inicial no processo de produção dos impressos pedagógicos para a UAB/UFS. Quais as técnicas, qual a freqüência e qual o uso destinado às imagens nos livros de Matemática e de Pedagogia são as principais questões que trataremos deste ponto em diante.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Composição de imagens para impressos educacionais: relato de uma experiência. Palestra proferida no I Encontro Internacional de Interculturalidade – Educação a Distância, promovido pelo Centro de Educação Superior a Distância - CESAD. São Cristóvão, 5 jun. 2008.



Notas
[1] Conclusões preliminares apresentadas no I Encontro Internacional de Interculturalidade – Educação a Distância, promovido pelo Centro de Educação Superior a Distância - CESAD. Campus de São Cristóvão, em 5 de junho de 2008.
[2] Arquitetura da informação é um dos três eixos sobre os quais se assenta a elaboração do MDI e onde se discute o uso das imagens no projeto e execução dos livros. Esse tema faz parte do segundo módulo do Curso de Capacitação sobre Ensino a Distância, a ser ministrado a partir de maio do corrente ano por uma equipe de profissionais oriundos do CEDERJ e da UFMG.
[3] Esse conjunto de atributos encerra vários tipos de classificação: de níveis de significação, [produndidade], movimento, natureza do signo, modos de produção, reprodutibilidade e graus de iconicidade. (cf. Guerra, 1984, p. 100-115).
[4] A relação com a semiótica está na compreensão da imagem-texto-fixa ser considerada como um signo. “Um signo é algo que representa alguma coisa (um objeto) para alguém”. “Para [Charles Sanders] Peirce, o signo se divide em ícones, índices e símbolos. Ícones não um tipo de signo que guarda semelhança com o objeto representado. Uma fotografia, um desenho, uma escultura podem ser ícones. O índice funciona para indicar o objeto representado, mantendo com este uma relação direta. O índice indica: a fumaça como índice de fogo; as pegadas como indícios de que alguém caminhou; o chão molhado como indicador de que choveu. Finalmente, o símbolo é uma convenção cultural que supõe uma regra para seu uso e aplicação. A cruz, para a cristandade, é um exemplo de símbolo.” (...CEDERJ, p. 12)
[5] Imagem-texto: “diz respeito à imagem que produzimos com o objetivo de nos comunicarmos com os outros. Utilizando utensílios materiais ou equipamentos, damos forma a diferentes tipos de imagens para exteriorizar, mostrar àqueles com os quais nos relacionamos as imagens que vimos e às quais damos significados. Nesse estágio, podemos dizer que o indivíduo se comunica” [diferentemente da imagem-visão (percepção de estímulos visuais) – o indivíduo vê, ou a imagem-pensamento (construção mental) – o indivíduo produz significados]. (cf. Costa, Cláudia...)
[6] Quando se trata de funções da imagem, no sentido formalista, as classificações abundam com maior ou menor especificidade em relação às imagens visuais. No entanto, o fundamento ou o resultante dessas iniciativas está relacionado diretamente à tipologia estabelecida pelo precursor do formalismo: Roman Jackobson, que são as seguintes funções lingüísticas: referencial, expressiva (emotiva), conotativa, fática, metalingüística e poética. O ilustrador de livros infantis, Luís Camargo, por exemplo, não concebe a imagem como substituto, paráfrase ou tradução do texto (diferentemente da nossa situação na UAB/UFS). Imagem é texto e textos são construídos sobre significados denotativos e conotativos. Textos obedecem ordens artificiais (figuras de linguagem) ou naturais e a linguagem visual parece seguir os mesmos princípios. Dessa forma, cabe ao analista da ilustração (diríamos também, o papel do compositor da ilustração) “focalizar os pólos denotativo e conotativo, ou seja, os significados que decorrem não só de o que a imagem representa mas também de como ela o faz.” Claro que trata-se de ilustração para trabalhos eminentemente ficcionais. A sua classificação, entretanto, dialoga com o esquema de Jacobson:, vejamos: “A imagem tem função representativa quando imita a aparência do ser ao qual se refere; função descritiva, quando detalha essa aparência; função narrativa, quando situa o ser representado em devir, através de transformações (no estado do ser representado) ou ações (por ele realizadas); função simbólica, quando sugere significados sobrepostos ao seu referente, mesmo que arbitrariamente, como é o caso das bandeiras nacionais; função expressiva, quando revela sentimentos e valores do produtor da imagem, bem como quando ressalta as emoções e sentimentos do ser representado; função estética, quando enfatiza a forma da mensagem visual, ou seja, sua configuração visual; função lúdica, quando orientada para o jogo, incluindo-se o humor como modalidade de jogo; função conotativa, quando orienta para o destinatário, visando influenciar seu comportamento, através de procedimentos persuasivos ou normativos; função metalingüística, quando o referente da imagem é a linguagem visual ou a ela diretamente relacionado, como citação de imagens etc.; função fática, quando a imagem enfatiza o papel do seu próprio suporte; função de pontuação, quando orientada para o texto junto ao qual está inserida, sinalizando seu início, seu fim ou suas partes, nele criando pausas ou destacando alguns de seus elementos. Muito mais do que apenas ornar ou elucidar o texto, a ilustração pode, assim, representar, descrever, narrar, simbolizar, expressar, brincar, persuadir, normatizar, pontuar, além de enfatizar sua própria configuração, chamar atenção par o seu suporte ou para a linguagem visual. É importante ressaltar que raramente a imagem desempenha uma única função, mas, da mesma forma como ocorre com a linguagem verbal, as funções organizam-se hierarquicamente em relação a uma função dominante. (Camargo, 2007).