quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Pensar historicamente em Johan Friedrich Herbart?


Johan Friedrich Herbart (1777-1841)[1], filósofo alemão, dirigiu por quarenta anos o Ginásio de Oldenburg, sua terra natal, e foi professor das universidades de Göttingen (1802-1809/1833-1841), sucedendo ao pedagogo Karl Kosenkranz, e de Könisberg (1809-1833), a convite de Wilhelm von Humbold, para substituir Wilhelm Traugott Krug na cadeira de Immanuel Kant. Herbart também atuou como preceptor (1777-1779) dos filhos de Herr von Steiger, então governador de Interlaken, na Suíça.
Dessa experiência de administrador, de preceptor e de conferencista sobre pedagogia nas universidades, produziu trabalhos sobre metatísica, estética, matemática, psicologia e pedagogia, entre outras áreas, dos quais são aqui analisados apenas os que tratam de formação de pessoas em idade escolar: Representação estética do mundo como principal fim da educação [REMFPE] (1804), Pedagogia geral deduzida dos fins da educação [PGDFE] (1806), Manual de psicologia [MP] (1816; 1834)[3], Esboço de Lições de Pedagogia [ELP] (1835; 1841)[4] – uma versão sintética e bem mais clara da sua Pedagogia Geral – e as Cartas [C] (1797-1800). Essas missivas foram endereçadas à Lucie-Marguerite Schnette, sua mãe, e ao seu contratante Steiger, noticiando os avanços na educação dos discípulos (filhos de Steiger) Louis, Charles e Rodolphe.[5] 

Herbart e Locke: encontros e dessemelhanças
Vamos iniciar a aula de hoje estabelecendo algumas diferenças e similitudes entre as assertivas de Herbart e de John Locke no que diz respeito aos sentidos de educação. Em primeiro lugar, Herbart não pensa a instrução subordinada à educação[6]: toda a educação é instrutiva e é educativa toda a instrução. Vimos que, para Locke, a instrução estava submetida à educação, ambas, sobretudo, morais.
Este é o mesmo pensamento de Herbart – a educação forma o homem de virtude[7] (Tugent)[8]. Sua pedagogia funda-se em elementos referentes à “filosofia prática” (praktische Philosophie), antes mesmo dos fundamentos psicológicos (psychologischen).
Para o alemão, portanto, educar/instruir é formar pessoas dotadas de “liberdade interior” (inner Freiheit), capazes de perceber o que é o bem e o que é o mal e de agirem conforme o bem. Em algumas passagens, a “virtude” é reduzida à “boa vontade” ou “benevolência” (Wohlwollens).[9] Observem a oportunidade da expressão “boa vontade”. Ela agrega os sentimentos de bem e de vontade e ambos devem ser respectivamente, apresentado e controlado pelo professor. É importante registrar que não há nada de transcendental nessa liberdade anterior. Ela deve ser construída. Nas palavras de Herbart, é a “plasticidade do aluno (Bildsamkeit) o postulado fundamental da pedagogia”.[10]
No que diz respeito às divisões da educação, são análogas as teses de Herbart e de Locke. O inglês as concebe como física, intelectual e moral, enquanto o alemão as nomeia por “governo”, “instrução” e “moral”.
Vista parcial da cidade de Oldemburg 
Especificamente em relação aos modos de conduzir a instrução e ao público-alvo, entretanto, os dois filósofos se distanciam. É certo que a moralidade é o fim principal em ambos. Contudo, em Locke, a tarefa da “instrução” é formar o cavalheiro, enquanto a ideia de “dirigir interesses múltiplos”, professada por Herbart, amplia a noção de educando, ou seja, o aluno germânico passa a ser um sujeito, potencialmente, pertencente a qualquer segmento social.
Isso fica mais claro quando Herbart refina as funções da instrução. Avançando da finalidade mais ampla (promover a “boa vontade”), a atividade do professor é definida, principalmente, como o ato objetivo/imediato/prático de “provocar interesses múltiplos” nos alunos[11], de provocar[12] as “energias intelectuais” [13] na direção de variadas ocupações sociais, já que não se sabe aonde o futuro discípulo atuará.[14] Além disso, o estímulo de “múltiplos interesses” ou da “cultura múltipla”[15] combate o egoísmo e amplia (dizemos hoje) a alteridade, tornando-o, verdadeiramente, humano. Assim, cabe à instrução, ao professor e, consequentemente, às escolas primárias e ginasiais a apresentação de diferentes (mas reunidos e combinados) conhecimentos e sentimentos que provoquem variados interesses afim de formarem o homem, dizemos hoje, em sua integralidade. Como, então, provocar os “interesses múltiplos” e, mais importante, quais seriam esses interesses?
Os principais interesses e os modos de apresentá-los aos alunos
A ideia de interesse está, obviamente, relacionada à noção de natureza humana professada por Herbart. Aqui ele se distancia tanto de Rousseau – o homem ideal é natureza – quanto de Locke – o homem ideal é cultura. Para o alemão, o homem ideal constitui-se sob ambas as dimensões, ou seja, a natureza dispõe os materiais e o homem os recolhe. Em outros termos, o homem é a síntese do conhecimento das coisas e da simpatia por seus semelhantes.[16] Sendo, então, a “boa vontade” o fim da instrução, cabe ao professor promover seus alunos em duas direções intercomplementares: a do “interesse empírico” (empirische Interesse) e do “interesse simpático” (sympathetische Interesse). Agindo dessa maneira, ele proporcionará aos alunos a aquisição de um “circulo de experiências” (seher Erleichterung) – elemento que, de fato, preenche a mente (der Substanz des Geistes).[17]
Esse duo se enriquece semanticamente quando ele dispõe os dois tipos de interesse em tríades e requisita a apresentação de ideias de dois grandes grupos de ciências, como podemos acompanhar no Quadro 1.

Por que Herbart defende o desenvolvimento desse número de interesses? Como pode um homem adquirir essas múltiplas características?
Penso que fica mais fácil imaginarmos (com necessário anacronismo) que ele atuou ideal-tipicamente. O filósofo afirma que não é necessário desenvolvê-los por igual em todos os alunos. Mas, com certeza, todos os tipos de interesse devem estar presentes (e estão, segundo as suas observações no Ginásio), em certo número de alunos.[18] Essa distribuição garante, então, a presença de todos os elementos necessários à formação de todas das pessoas (ou à humanização dos seres).
Contudo, seus leitores, sobretudo estadunidenses, na passagem do século XIX para o século XX, criticam a exagerada simetria dessa classificação. Meditação progressiva ou contemplação não são práticas inerentes às ciências históricas ou às ciências naturais. Trata-se mais de classificação “por conveniência” que por exatidão “científica”.[19]
Abandonando essa digressão, importa reter que Herbart, como explicitado no Quadro 1, não somente apresenta os interesses a serem promovidos na escola, mas também as estratégias gerais para desenvolvê-los, bem como as ciências aonde se deve buscar os materiais – as ideias –, digamos, interessantes: a “meditação” e a “contemplação” e as ciências históricas e naturais. Essa distribuição das áreas do saber, como podemos concluir, constitui as bases do currículo herbartiano.
No século da educação estatal fundada nas humanidades (século XIX), portanto, já assistimos à defesa da conciliação entre os estudos “clássicos” – que remetem ao ideal educacional grego – e os novos saberes científicos – as ciências da natureza. Na última década do século XIX e primeira do século XX, esse equilíbrio se romperá, em vários países, em benefício de um ou de outro tipo. Na França e no Brasil, por exemplo, respectivamente, com Émile Durkheim e Benjamin Constant, faz-se opção, na escola secundária, pela ampliação da carga horária (e até a instituição) das ciências físico-naturais no ensino secundário.
Em Herbart, ambos os troncos do saber contribuem para a formação de pessoas. Tal currículo é válido para o primário e o ginásio. Ambos os níveis de ensino devem conduzir, então, ao desenvolvimento de “interesses múltiplos”, com certa condescendência em relação à primazia de determinados interesses, no ginásio, já que se trata de fase preparatória ao exercício das futuras carreiras na Alemanha.[20]
O mecanismo da mente
Essa ênfase na formação de interesses múltiplos, não obstante ter origem na sua “representação estética do mundo”[21], está apoiada em uma singular concepção de mente. Herbart não abona as ideias de “tábula rasa”. Também não legitima a existência de “talentos naturais inatos” ou de uma mente que produz a si mesma.[22] A mente herbartiana é constituída a partir de leis, representadas por equações, a exemplo da seguinte: ideias semelhantes com igualdade de forças geram desarmonia. Ideias com forças desiguais geram estabilidade, ou seja, relação harmoniosa.[23]
Para o que nos interessa, nessa aula, é suficiente compreender que mente, para Herbart, funciona como um conjunto de ideias em disputa, isto é, ideias que atuam na condição de “forças” (kräfte), umas contra as outras, em busca de espaço na consciência.[24] Nesses confrontos, algumas desaparecem outras são modificadas. Quando percebidas em séries, e apreendidas numa determinada ordem, dão origem, por exemplo, ao que se chama de memória.
O mesmo entendimento explica os estados mentais (ou faculdades, no tradicional glossário do seu tempo) de sentimento e de desejo. Estes não são mais que ideias em movimento.[25] O testemunho ele extrai da própria experiência cotidiana: “um homem sente pouco as alegrias e tristezas da sua juventude; mas o que o menino aprende corretamente o adulto ainda retém”.[26] Em outras palavras, para Herbart, está provado que algumas ideias desaparecem e outras permanecem ao longo da vida de uma pessoa.[27]
Os passos do método
Vimos as peculiaridades do mecanismo mental herbartiano. Vimos também, um pouco antes, a simetria entre os interesses e os troncos científicos. Agora é tempo de detalhar essa relação e as estratégias que o filósofo indica para o trabalho docente. O Quadro 2 apresenta de forma pormenorizada a relação entre interesses e ciências ou saberes a serem ensinados. Todos devem ser apresentados/exercitados. Mas não se pode evitar, sobretudo no ginásio, que um aluno desenvolva ou tenha maior predileção por determinado interesse. Quando isso ocorre, o professor deve agir no sentido de fazer o aluno entender a necessidade dos demais interesses. Por outro lado, quando se percebe deliberadamente que um interesse se desenvolve espontaneamente mais que os outros, tem-se um flagrante caso de aluno potencialmente especialista. A ênfase no interesse empírico ligado às singularidades fisiológicas dos animais irracionais pode gerar, por exemplo, o zoólogo. O mesmo se repete na situação onde ganha relevo o interesse pelos fatos históricos. Aí, surge o historiador.

Herbart, já vimos, faz referências a “métodos”, no sentido de procedimentos, como a meditação e a contemplação no trato do aluno com os objetos de conhecimento, as ideias ou os materiais provindos das matemáticas ou da história, por exemplo. Contudo, despende muito mais espaço, em sua Pedagogia geral, para a formatação de uma metodologia holística. Trata-se aqui dos muito aplicados, embora pouco reconhecidos, “quatro passos formais” que espelham as operações da mente.
Além disso, tal método é fruto de críticas aos professores de seu tempo: uns centrados na exposição minuciosa de partes das coisas (análise), outros liberando os alunos a falarem, outros se aferrando às ideias centrais do texto ou da área, cobrando-lhes a repetição ordenada e rigorosa (síntese), outros, por fim, estimulando os alunos a pensarem por si próprios (meditação).[28] Herbart alerta que um método não exclui o outro. E é o que realmente faz quando agrupa alguns desses diferentes modos de lecionar em “quatro passos formais”, vinculados às operações clássicas do conhecer (clareza, associação, sistema e método).
Pelo Quadro 3, podemos perceber, então, que o ato de conhecer se constitui numa sequência das antigas macro-ações mentais, a análise e síntese, algo nada original em relação aos epistemólogos que o precederam. Contudo, seu método amplia tais operações e as detalha a partir dos procedimentos que ele julga serem obedecidos pela mente.  Assim, o ato de ensinar a conhecer – ou de promover interesses múltiplos, apresentando ideias provindas de múltiplas áreas do conhecimento – dá origem a uma nova didática que deve ser aplicada a todas as disciplinas. Como tal esquema pode ser aplicado à história? Qual o lugar da história na promoção dos interesses múltiplos do homem herbartiano?
O ensino da historia[29]
Sobre os modos de ensinar, suas bases estão estabelecidas no Quadro n. 3. Contudo, nas lições produzidas em 1834, Herbart oferece farto material de orientação para o professor e o formador do professor de história. Eles contemplam os modos de expor e a observação do mecanismo da mente.
Sobre a exposição, defende a narração em ordem cronológica como principal estratégia. Os procedimentos devem envolver a formação de séries de nomes e ou acontecimentos e a apresentação dessas séries horizontal e verticalmente em sentido verso-reverso, ou seja, o professor deve ser capaz de expor diacronicamente (do atual ao remoto e do remoto ao atual) e sincronicamente (de outros países, França, Inglaterra, Espanha – para a própria terra – a Alemanha, e vice versa).[30]
O domínio do professor deve se estender também aos pontos de parada, aos inícios e aos fins da lição de história. Em outras palavras, deve manter-se no fio da narrativa, embora conhecendo os momentos destacados lógica (da narrativa) e psicologicamente (potencialidades cognitivas discentes). Isso possibilita, efetivamente, a concentração e a reflexão por parte do aluno. Deve estimular o interesse (no sentido que usamos hoje) do aluno pela lição, saindo e voltando ao fio da narrativa sempre que necessário. Isso se faz intercalando descrições, quadros, apresentando mapas, retratos, reproduções de monumentos e de ruínas, entre outros instrumentos retóricos e materiais. Esses recursos, inclusive, facilitam a retenção das séries de ideias na memória, já que mobilizam diretamente a sensibilidade do aluno.
O falar empolado do professor não ajuda, mas a complacência com o vocabulário pobre é uma lástima para a aprendizagem,
nos tempos de Herbart e em 2014.
Herbart, por fim, também oferece lições de progressão. A linguagem, por exemplo, deve ser simples e clara para o primário e um pouco mais próxima das abstrações dos historiadores para o ginásio. A mobilização dos estados mentais são outro exemplo. Em algumas passagens deixa clara a necessidade de obedecer a sequência progressiva da “atenção”, “memorização” e “reflexão”, dos eventos da antiguidade para o primário aos eventos contemporâneos (história moderna) para o ginásio, como também da apresentação de ideias gerais, seguidas por ideias particulares, como no exemplo abaixo. 
No primeiro [grau do ensino de geografia], pode-se ensinar às noções mais gerais. Dir-se-á, por exemplo, simplesmente, que a Alemanha, em uma época não muito distante, era muito mais dividida que agora, que houve tempos onde as vilas e os senhores vizinhos às vezes guerreavam e que os cavalheiros habitavam sobre lugares altos, dificilmente acessíveis. Dir-se-á também que, para melhor estabelecer a ordem e a vigilância, a Alemanha foi dividida em dez círculos, etc.
O segundo grau do ensino de geografia compreenderá mais fatos, ainda que poucos deles se refiram à história antiga. Há poucos fatos modernos que podem facilmente ser reunidos à geografia, salvo os casos onde ainda resistem os monumentos, tais como as ruínas na Itália, a língua mista da Inglaterra, a conformação política particular da Suíça com seu solo tão dividido, fácil de observar sob o mapa, e a diversidade de suas línguas.
Se se quiser, em outras lições, expor curtas biografias como primeira preparação à história da idade média e à história moderna – como tenho muitas vezes recomendado (ainda que não se possa dar mais que fragmentos) –, conseguir-se-á sucesso, ao menos mais rapidamente, se o ensino de geografia for complementado por noções históricas das quais temos falado. Contudo, é necessário ter um quadro cronológico fixado na parede, com o qual poderá mostrar tal ou tal parte a cada vez que a ocasião exigir, a fim de permitir ao aluno reter, pelo menos, alguns pontos fixos do passado.[31]

Historicidade e tempo
Tudo deve ser ensinado sob cronologia progressiva, vimos. Também fizemos questão de encerrar o último tópico com uma citação sobre o ensino de geografia que – pensada sob os critérios atuais, seria uma geografia histórica ou uma história de longa duração. Mas esse anacronismo não é necessário porque, para Herbart a história (geral ou universal) era a “preceptora da humanidade”[32]. E se era finalidade da educação humanizar os alunos, todo material apresentado, conhecimentos ou sentimentos, deveria respeitar a ordem natural das coisas (do remoto ao recente) e até (como na citação direta imediatamente anterior) a sua historicidade. Assim, ganha a história o centro do currículo e é por isso que a referida citação está inclusa (curiosamente, à primeira vista) nos parágrafos referentes ao ensino de história.
Sobre o tempo, é necessário entendê-lo como fundado na percepção herbartiana de memória (ao contrário da forma a priori de Kant, com o qual diverge radicalmente). Descrevamos: as ideias são percebidas/intuídas/vistas mediante os sentidos e em forma de séries. É, por exemplo, focando determinado objeto e deslocando a retina em rapidíssimos intervalos que a noção de espaço é formada. O espaço nasce, portanto, de uma sequência de micro-observações realizadas em uma única direção.
Com o tempo ocorre o mesmo.[33] Contudo, entra em cena outro movimento da mente: a reprodução ou memória, que também realiza-se por uma sequência de ideias. Tempo, então, para Herbart, é uma ideia formada a partir da simultaneidade da percepção e da recordação de uma mesma série de ideias. Em outras palavras, temos tempo quando os olhos percebem determinada série de vocábulos, dos quais, pelo menos um (também pertencente a uma série já estabelecida na consciência), chama de volta uma antiga série, ou seja, quando essas séries são reproduzidas (rememoradas) simultaneamente. Tempo, portanto, é a coincidência entre percepção de séries ideias e a rememoração de série de ideias análogas.
Esse raciocínio e o mecanismo da mente (apresentado em tópico anterior) explicam a razão de as crianças serem incapazes de reter longas extensões de tempo. As crianças são susceptíveis à renovação de série de ideias, predominantemente, provindas dos sentidos. Séries de ideias entram e saem com frequência da consciência. É somente com o passar dos anos – com o amadurecimento da pessoa (quando várias séries de ideias já estão, há muito, depositadas na consciência) – que ela pode (mediante as simultâneas percepção e recordação) ampliar a sua capacidade de compreender longas séries de tempo ou períodos.[34]
Representação de trecho da Odisséia, de Homero. Uma das leituras formativas indicadas por Herbart.
A história interessante
Sendo a história (geral, é sempre bom repetir) a preceptora da humanidade e a educação a aplicação dos seus pressupostos sobre a filosofia da prática, a história que promove interesses está, sobretudo, nos antigos. Evidentemente, ele reconhece o valor das histórias medieval e moderna e até lhes formata um programa. Contudo, ao longo das obras aqui referidas, as narrativas que mais contribuem para a formação moral são as produzidas pelos gregos.
Nas Cartas, principalmente, ele relaciona as obras de Xenofonte[35] (que tratam de experiências de heroísmo e liderança) e de Plutarco e cita autores como Tito Lívio Cícero e Tácito.[36] Contudo, são a poesia de Homero, inicialmente (que delineia as características do homem para os pequenos)[37] e as histórias de Heródoto (que fortalecem a percepção intuitiva e o sentimento[38] dos mais adiantados) as suas principais sugestões de leitura. Em geral, esses autores, mediante seus textos, estimulam a compreensão, o sentimento e a imaginação,[39] e a reflexão sobre decisões políticas, além de fornecerem os ideais formadores como a coragem e a obediência.[40]
No Esboço, quanto discrimina as duas tríades de interesses, a história também desponta. Ela contribui para a promoção do interesse pelos homens da elite, pela religião, o conhecimento e o interesse pelos bens e males sociais e (em menor intensidade que a matemática) auxilia o interesse especulativo.[41]
Conclusão: pensar historicamente em Herbart
O que seria, então, pensar historicamente em Herbart?
Considerados os fins da educação como as bases éticas e psicológicas da instrução, a prevalência da promoção de interesses que viabilizam a formação de pessoas, mediados esses interesses pela apresentação e ampliação de um círculo de ideias provindas tanto das ciências históricas quanto das ciências naturais, o pensar historicamente herbartiano nada deve de específico ao ofício do historiador do seu tempo, seja a ação do antiquariado, a seleção anedótica dos traços humanos, seja a ordenação lógica e esteticamente sofisticada dos acontecimentos promovida pelo gênero narrativo romântico.
Com muita imaginação, podemos, no máximo, afirmar que o pensar historicamente de Herbart seria debitário, sobretudo, do seu raciocínio matemático aplicado à psicologia e, concomitantemente, da sua ideia estética acerca do mundo. Isso significa que, anacronicamente, é claro (e necessário), pensar historicamente, nos textos aqui analisados do filósofo alemão, era perceber series de ideias (mediante a percepção de ideias provindas dos textos escritos, restos de artefatos do passado ou da observação do mundo social) e rememorar ideias simultaneamente. Mas perceber e rememorar ideias que contribuíssem para a formação do homem virtuoso, ou seja, que possibilitassem a retenção e uso posterior de conhecimentos e sentimentos dominadores da vontade ou, numa acepção do nosso tempo, orientadores da vida prática, fosse como simples trabalhador do campo ou da cidade, líder religioso, estadista ou filósofo.
Contudo, se voltarmos nossas atenções para o valor da historicidade e a centralidade da cronologia da história universal na organização de todos os saberes reunidos pelo currículo herbartiano, poderemos imaginar que o pensar historicamente não necessitaria, evidentemente, das atividades historiadoras, já que Herbart trabalhava com uma ideia de progressão inconteste. As etapas do desenvolvimento humano já estavam, portanto, dadas e uma obrigatória correlação era estabelecida entre a formação do indivíduo e a trajetória da humanidade. E se o currículo (todos os saberes) deveria seguir tal orientação, alfabetizar historicamente era simplesmente ensinar. Em outras palavras, se qualquer conhecimento ou sentimento deveria ser apresentado segundo as etapas do desenvolvimento da humanidade, todas as matérias viabilizariam essa outra espécie de “pensar historicamente”: a da filosofia da história.

Fim da aula!
Agora, sugiro que curtam as ideias de "interesse", "orientação" e "vontade" com a voz e o maravilhoso violão de Gilberto Gil.

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Aula n. 4
Aula n. 2
Programa


Referências
HERBART, Johan Friedrich. Pädagogisch Schriftei in Chronologischer Reihenfolge Herausgegeben. 2 ed. Leipzig: Verlag von Leopold Voss, 1880. (Anotada por Otto Willmann, professor de filosofia e pedagogia em Praga).
HERBART, Johan Friedrich. The aesthetic revelation of the word as the chief work of education. 2 ed. London: Swan Sonnenschein, 1897. (Traduzido por Henry M. e Emmie Felkin) [REMPFE – 1804].
HERBART, Johann Friedrich. A text-book in psychology – an attempt to found the Science of psychology on experience, metaphysics, and mathematics. New York: Appleton and Company, 1894. (Traduzido por Margaret K. Smith, professora da State Normal School de Oswego, Nova York). [MP – 1816; 1834]
HERBART, Johann Friedrich. Herbart: principales euvres pédagogiques (Pedagogie génerale – Esquisse de leçons pédagogiques – Aphorismes et extrait divers). Paris: Félix Alcan; Lille: Tallandier, 1894, p. v-xiv. (Traduzido por A. Pinloche, professor da Faculdade de Letras de Lille) [PGDFE – 1806].
HERBART, Johann Friedrich. Outlines of educational doctrine. London: Macmillan, 1901. (Traduzido por Alexis F. Lange, professor do College de Letras da Universidade da Califórnia) [ELP – 1835; 1941].
MAUXION, Marcel. L’éducation par l’instruction e les théories pédagogiques de Herbart. Paris: Felix Alcan, 1901.
ORTEGA y GASSET. Prólogo. In: HERBART. Pedagogia general derivada del fin de la educación. Madrid: La Lectura, s.d. p. 7-58.
PINLOCHE, A. Préface. In: HERBART, Johann Friedrich. Herbart: principales euvres pédagogiques (Pedagogie génerale – Esquisse de leçons pédagogiques – Aphorismes et extrait divers). Paris: Félix Alcan; Lille: Tallandier, 1894, p. v-xiv.
WILLIAMS, M. A. Johann Friedrich Herbart. In:  Johann Friedrich Herbart: A study in pedagogics. London: Blackie and Son, 1911, p. 7-18.
Notas


[1] Filho de Thomas-Gérard Herbart e Lucie-Marguerite Schnette.
[2] Informações extraídas de PINOCHE (1994).
[3] Respectivamente, datas da primeira e da segunda edição.
[4] Respectivamente, datas da primeira e da segunda edição.
[5] Essas informações e outros detalhes sobre a vida de Herbart podem ser buscadas nos trabalhos de MAUXION (1901), PINLOCHE (1894) e WILLIAMS (1911).
[6] Para Herbart, a pedagogia é, ao mesmo tempo, “ciência” (“dedução de doutrinas extraídas de seus princípios” – especulação ou meditação filosófica) e “arte” (“ação contínua, conforme os resultados da ciência” – prática) (PGDFE, I, Cap. I, § 1-2). A filosofia lhe dá os fins – “a educabilidade da criança” ou a educabilidade da vontade com vistas à moralidade (PGDFE, I, Cap. II, § 1-2), entendida como a posse das ideias de “liberdade interior”, “perfeição”, “bondade”, “direito” e “equidade” (PGDFE, I, Cap. III, § 11) e a prática, orientada filosoficamente, lhe fornece o “tato pedagógico”, ou seja, o discernimento sobre a decisão de abandonar um aluno lento ou imprimir maior rapidez (PGDFE, I, Cap. I, § 9). As referências à Pedagogia Geral [PGDFE] são extraídas da versão francesa, traduzida por A. Pinloche. (HERBART, 1894).
[7] REMPFE, § 3; ELP, § 8; 10-13.
[8] O vocabulário correspondente em língua alemã foi extraído da segunda edição das obras de Herbart, anotadas por Otto Wilmann, que é referência para traduções em inglês aqui empregadas (HERBART, 1880).
[9] Herbart precisa a vontade: não é desejo ou capricho. É a vontade de tomar uma resolução – o querer (PGDFE, I, Cap. IV, § 30-1).
[10] ELP, § 1.
[11] PGDFE, III, Cap. 3, § 1.
[12] Aqui aparece mais uma diferença entre os dois. Em Herbart, o mestre tem papel preponderante, o que limita a possibilidade de o aluno instruir-se por si próprio, como deixa entrever Locke em algumas passagens.
[13] PGDFE, III, Cap. III, § 3.    
[14] PGDFE, II, Cap. IV, § 13.
[15] PGDFE, III, Cap. III, § 29.
[16] PGDFE, III, Cap. I, § 1-3.
[17] MP, § 1.
[18] PGDFE, III, Cap. III, § 26.
[19] Quem faz esse alerta é o anotador da tradução do Esboço de lições de pedagogia, Charles de Garmo, professor da Cornell University. ELP, p. 76-78.
[20] PGDFE, III, Cap. III, § 29.
[21] REMPFE, § 3.
[22] MP, § 151-2.
[23] MP, § 33.
[24] MP, § 10.
[25] MP, § 29; 33.
[26] MP, § 33.
[27] Para bons exemplos sobre os sentimentos como conflitos de ideias na obra de Herbart, ver, sobretudo, ORTEGA y GASSET (s.d).
[28] PGDFE, III, Cap. III, § 12.
[29] Toda a informação desse tópico foi extraída de: ELP, § 239-251.
[30] Esse segundo exemplo não é apresentado por Herbart.
[31] ELP, § 245 (Grifos do autor).
[32] ELP, § 250.
[33] MP, § 174-5.
[34] MP, § 47; 176.
[35] C, 4 nov. 1797.
[36] C, outono de 1798.
[37] C, primavera de 1798.
[38] C, primavera de 1798.
[39] C, outono de 1798.
[40] C, 20 nov. 1798.
[41] ELP, § 87-8.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Pensar historicamente em John Locke?

Há quase meio século um respeitado especialista na obra política de John Locke – John Dunn – reclamava que o filósofo fora representado nas histórias da historiografia e da filosofia como pai do iluminismo, ideólogo da burguesia, precursor do constitucionalismo liberal inglês, livre pensador e populista, entre outros adjetivos.[1] Hoje, a controvérsia se mantém sobre os escritos do intelectual.
Nosso interesse, nesta aula, não é classificá-lo nem tomar partido por uma das representações anunciadas. Apenas propomos o exame da sua obra educacional sob um ângulo pouco explorado: o dos usos da história na formação de pessoas. Faremos isso mediante a leitura do Estudo [E] (1667), Sobre o estudo [SE] (1677), Ensaio acerca do entendimento humano [EAEH] (1690), Pensamentos sobre a educação [PSE] (1693), Sobre o emprego do entendimento [SEE] (1697), Esboço de uma carta de Locke à Condessa de Peterborough [ECLCP] (1697) e Algumas ideias acerca da leitura e o estudo para um cavalheiro [AIALEC] (1703).[2]
Aqui, portanto, tentaremos identificar o lugar do conhecimento histórico na formação do gentleman, as formas pelas quais o preceptor e o educando poderiam dela tirar melhor proveito, bem como o entendimento sugerido em seus escritos sobre o “pensar historicamente”. Por isso, iniciamos com uma brevíssima exposição sobre o sentido de categorias-chave da sua teoria do conhecimento: “educação” (education), “mente” (mind), “ideias” (ideas), e faculdades (faculties) da mente, isto é, os poderes (powers) ou habilidades (habilities) empregados no ato de conhecer as coisas.

Instrução, faculdades e ideias da mente
O prefácio de PSE já indica que a educação tem o fim de produzir cavalheiros virtuosos, hábeis e úteis em suas diferentes ocupações.[3] É uma educação estreitamente ligada a política, remetente aos modelos clássicos, anunciados por Platão e Aristóteles[4] (ainda que sejam, as duas expressões, na obra de Locke, bastante peculiares à Inglaterra do século XVII). E isso se faz exercitando e moldando corpo e mente. Entretanto, a educação intelectual (instrução ou, no sentido atual, o estudo dos conhecimentos científico-escolares) e a educação física (natação, alimentação, entretenimento etc.) têm status inferior à educação moral. Assim mesmo, a educação moral é promovida mediante exercícios corporais, morais propriamente ditos e intelectuais que, adiante, permitirão o controle dos desejos e inclinações, isto é, a submissão, por parte do discípulo, da sua vontade à sua razão.[5] Essa capacidade de “negar” os seus próprios desejos e inclinações constitui propriamente a virtude.
Em relação à mente,[6] Locke afirma que seu lugar é o cérebro (brain) e sua natureza análoga a “um papel em branco (white paper)[7] ou “cera de abelha” (bees wax)[8] quando se nasce.[9] A frase fez época e ainda é empregada, embora represente um grande problema, já que o “coração do debate, a existência ou a não existência de ideias inatas, escapa à experiência empírica”.[10] Com ou sem argumento de autoridade ou estratégias retóricas, o fato é que Locke atribui à mente[11] o processamento de todas as ideias impressas mediante reflexão (reflection) e sensação (sensation).[12]
No EAEH, a mente é, então, estruturada sob três grandes poderes: percepção (perception - poder de sentir e de refletir as ideias), retenção (retention – poder de manter as ideias simples), discernimento (discerning - poder de distinguir ideias).

A respeito das ideias, é também importante rememorar o seu caráter de “objeto ou material do pensamento.”[13] As ideias chegam à mente através da sensação ou da reflexão e podem ser do tipo simples (simple ideas) e do tipo complexo (complex ideas). As ideias simples são percebidas passivamente pela mente, mediante a impressão que os objetos causam em um sentido ou em vários sentidos externos. As ideias complexas, produzidas por meio da “repetição”, “comparação’ e “união” dessas várias ideias simples,[14] podem ser dos tipos “modos”, “substâncias” e “relações”.



Inventariados os sentidos de educação, mente, ideias e faculdades, podemos encerrar essa rápida introdução com as palavras do próprio filósofo que bem explicam, ao seu modo, o ato de conhecer:
Os passos pelos quais a mente alcança várias verdades
Os sentidos inicialmente tratam com as ideias particulares, preenchendo o gabinete ainda vazio, e a mente se familiariza gradativamente com algumas delas, depositando-as na memória e designando-as por nomes.Mais tarde, a mente, prosseguindo em sua marcha, as vai abstraindo, apreendendo gradualmente o uso dos nomes gerais. Por este meio, a mente vai se enriquecendo com ideias e linguagem, materiais com que exercita sua faculdade discursiva. E o uso da razão torna-se diariamente mais visível, ampliando-se em virtude do emprego desses materiais.[15]
Se até agora não conseguiram "fixar" e nem "compreender" os conceitos básicos propostos nesta primeira parte da aula, sugiro que se submetam a uma experiência, em parte, lockeana, assistindo ao vídeo que se segue. Mediante o trabalho da "visão" e da "audição", acompanhando o "movimento" na lousa virtual, exercitando a "memória" com a apresentação de "uma ideia após a outra", o "encadeamento" e a "repetição" deliberada, procedida pela professora "imaginada", é possível que o "entendimento" de vocês seja enriquecido o suficiente para aproveitarem melhor a segunda parte do nosso trabalho. Aproveitem também para familiarizarem-se com esse lindo idioma que é o espanhol. 

Se, por outro lado, já retiveram significativamente o conteúdo inicial da aula, "pulem" o filme e sigam com a leitura, que agora trata, especificamente, dos usos da história na formação de pessoas.




A história na moral empírica de John Locke
Vimos que a educação, para Locke, é uma espécie de doma a da vontade e das inclinações humanas. Evidentemente, é um tipo de controle com finalidade específica: a formação do homem bom (virtuous), útil (useful) e capaz (able) em suas tarefas de cavalheiro.[16] Mas em que medida o conhecimento histórico pode contribuir para essa tarefa? Locke exerceu a atividade de historiador?
A condição de historiador em Locke é problema de muitos e já se gastou bastante energia para convencer aos pares, sobretudo da filosofia política e da história política, de que ele era ou não historiador. No Brasil, houve quem o defendesse como historiador, mas do tipo especulativo, que periodizou a experiência humana de forma tripartite: época do “ouro”, da “fantasia” e da “apropriação ampliada.”[17]
Fora daqui, especialistas divergem, principalmente, acerca do caráter dos seus “tratados de governo”: (1) obra que marca fim do século XVII e não início do século XVIII e, ainda, sem caráter historiográfico;[18] (2) obra que não apenas se apropria dos historiadores de sua época (Jean Bodin – 1530/1596) – separar história humana, eclesiástica e natural[19] e interpretar os fatos a partir dos seus contextos), mas que apresenta uma alternativa metodológica para a pesquisa histórica (o exame da mudança dos sentidos das palavras no tempo e a comparação transcultural);[20] e (3) obra que oscila entre o emprego da "lógica ou julgamento qualitativo" e das "conclusões históricas ou empíricas”.[21]
De fato, se observarmos as mais significativas tentativas de classificação das ciências produzidas por Locke veremos que a presença da história oscila. Em 1678 ele dividiu as principais áreas do pensamento (heads of things) em quatro, situando a história entre as mesmas. Tinha ela a dupla função de compreender as tradições (traditions) que fundamentam a humanidade (Deus, criação, revelação, profecias e milagres) e as regras ou instituições (rules or institutes) relativas à vida religiosa e civil (política).[22] (Não seria, portanto, nenhum anacronismo afirmar que aqui estariam representadas as histórias sagrada e civil, respectivamente).
Em 1690 saberes controlados são a física (physica), a ética (practica) e a semiótica (semeiotike) ou lógica (logic), respectivamente responsáveis pelo conhecimento das coisas, das ações e dos sinais.[23] Não sendo explicitamente uma ciência, então, onde contribuiria a história? Na descoberta da verdade das coisas (física), na obtenção dos objetivos (ética) ou na codificação e transferência da informação (semiótica)? Talvez seja mais simples perceber a função da história na formação de pessoas, estritamente, nos seus conselhos sobre educação e não em suas tentativas de classificação das ciências.

Evidentemente, essa imagem nada tem a ver com Locke, que tinha vasta cabeleira. Mas pode ser uma excelente representação
de como ele se comportaria ao imaginar sua própria infância no final do século XX, a pós as recentes pesquisas da neurociência.
Na obra principal do gênero em questão [PSE], a resposta de Locke é imediata: a história deleita (delights) e ensina (teaches). Deleita os mais jovens e ensina os adultos.[24] Entretanto, como os fins educacionais de Locke são predominantemente morais a história serve, antes de qualquer coisa, para conduzir ideias de qualidade, de substância e de relações, como também para exercitar e ampliar as faculdades mentais (não necessariamente nesta ordem) que permitam conhecer e governar os homens.
Essa função já está destacada no seu Estudio [E], escrito em 1667,[25] mas é especificada nas obras subsequentes. Trata-se de um conhecimento que possibilita ao homem, quando bem aproveitada (dependendo também das inclinações naturais de cada um), agir dentro das regras estabelecidas pela sociedade e bem governar a si próprio e a determinado Estado. Assim, seja para a criança e o jovem, seja para o adulto, a história é sempre matéria de poder.
Bom exemplo de clareza está na AIALEC, escrita 1703. Neste fragmento, a história se confunde com a política. Para Locke, “os estudos que correspondem de modo mais imediato à vocação do cavalheiro são os que tratam das virtudes e dos vícios, da sociedade civil e da arte do governo, portanto, também a lei e da história.”[26] Alguns parágrafos adiante ele especifica: “[a] política é constituída por duas partes distintas uma da outra. A primeira compreende a origem das sociedades e o surgimento e extensão do poder político. A segunda é a arte de governar os homens em sociedade.” [27]
Essa definição de política tem implicações nas leituras sugeridas uma década após a publicação do PSE. Examinando o texto ligeiramente, veríamos a história em ambas as “partes”: no estudo das “origens” do poder e na “arte” de empregar esse poder. Se compararmos com a classificação das ciências de 1678, citada há pouco, veremos que essas funções correspondem a uma das duas subdivisões da Histórica (responsável, como vimos, tanto pelo aprendizado das origens, quanto pelo uso do poder). Mas não é o que percebemos quando comparamos a lista de obras destinadas a cada uma das áreas da política.

Conhecimentos históricos proveitosos e reprováveis
Quais seriam então essas ideias que deleitam e que ensinam ao principiante e ao cavalheiro adulto? Em primeiro lugar, elas configurariam alguns acontecimentos destacados em seu tempo, ocorridos entre 4.713 a.C a 4 de setembro de 1582, ou seja, datados pelo calendário juliano.[28] Ele não justifica esses acontecimentos mas deixa indícios de que tais ideias simples e complexas estariam relacionadas à história sagrada (criação do mundo, Olimpíadas, fundação de Roma, nascimento de Cristo e Hégira) e às histórias seculares antiga e nacional. Contudo, reprova as leituras (mesmo as que tratam da experiência da Roma antiga) que retratam, por exemplo, as matanças promovidas por Alexandre ou César. Esse tipo de assunto não reflete a grandeza da vida humana.
Na sugestão de leituras, Locke também deixa entrever uma certa progressão. Para as crianças, as histórias sagradas de José e seus irmãos, de David e Golias e de Jonas. Esse exemplo de história sagrada familiariza a criança com a ideia e a crença na existência do espírito. Também comunica regras morais, e estimula o gosto pela leitura[29] (capacidade de observação). Para os jovens, a História de Tito Lívio, responsável pela comunicação dos costumes romanos e, principalmente, as mudanças e as causas das mudanças do Estado. “O grande objetivo de histórias como as de Tito Lívio é dar conta das ações dos homens como parte da sociedade, e tal é o verdadeiro fundamento da política.”[30]
Frontispício de História da Inglaterra (Tyrrell, 1701).
Desenho de M. Burghers, delin.
Para os adultos, a mistura entre história e política vai ficando nítida quando comparamos as sugestões diacronicamente. Em 1693, são citados como boas leituras as obras de Justino, Eutropio, Quinto Curcio, numa primeira fase, e de Cicero, Virgílio e Horácio (considerados autores mais difíceis), em um segundo momento.[31] Em 1697, cita apenas Tito Lívio como leitura inicial.[32] Em 1703, quando sintetiza a instrução do cavalheiro na “moral” e na “política”, a lista é enorme e já inclui, como leituras próprias ao estudo “sobre a origem das sociedades e o surgimento do poder político” as suas próprias obras, junto às de Hooker, Algernon Sydney e de Samuel Pufendorf. Nenhuma delas, entretanto, leva o termo “história” em seus títulos, ao contrário do que acontece com a palavra “política”.[33] Sobre a “arte de governar”, ainda na obra de 1703, Locke indica histórias seculares, nacional e geral[34], que contêm princípios de direito e de legislação e fornecem uma ideia da Constituição e do governo ingleses.
As obras sugeridas para a leitura da experiência nacional pertencem a dois períodos da história da historiografia inglesa. São as do tipo história política, construídas ao modo grego clássico, mas também as histórias de incipiente teor social.[35] Do primeiro é a História do reinado de Henrique VII (1609), de Francis Bacon (1521-1626). Trata-se de um relato, cujos acontecimentos destacados são, predominantemente, os nascimentos, assassinatos, casamentos e coroações de nobres, embaixadas, tratados, batalhas, tréguas, rebeliões e execuções ocorridos entre 1485 e 1509.[36] Mas é também uma história que oferece importante categoria para a renovação da historiografia inglesa do final do século XVII, a ideia de “feudalismo inglês” (english feudal tenure).[37]
Do segundo tipo, Locke aconselha a History of England [1700], do amigo James Tyrrell (1642-1718), que abrange do “governo dos britânicos antes de Júlio Cesar” até os tempos do Rei Harold (1066). O livro é iniciado com uma bibliografia comentada, contendo os erros e acertos factuais e metodológicos de obras que trataram (diríamos, hoje, uma história da historiografia) da experiência inglesa até então.[38] Talvez por isso o tenha indicado. Nessa obra, afirmou Locke, os leitores adultos poderiam escolher qualquer autor que “a curiosidade ou juízo” pudessem conduzi-lo.[39] É também compreensível que citasse Tyrrell por causa da sua combatente atuação contra a tese da cadeia de sucessão hereditária, ou seja, contrária às supostas ligações entre a família dos monarcas e a família iniciada por Adão, defendida por Robert Filmer.[40] Isso explicaria também a indicação do seu nome para compor o rol dos autores de leitura obrigatória sobre a primeira parte da política, ou seja, a que trata da “origem das sociedades e da extensão do poder”.
Ensinar história na perspectiva da disciplina formal
Já vimos que o homem lockeano tem o poder infindo de conhecer, desde que lhe sejam apresentadas ideias ou que lhes deem oportunidade de experimentar a reflexão e os sentidos com certa autonomia e prazer. Contudo, não devemos esquecer que o “educar” de Locke, seja em dimensão física, moral ou intelectual, é primordialmente um exercício (um uso sistemático) das faculdades humanas. E a história, como conjunto de ideias simples e complexas sobre o mundo exterior, principalmente, sobre a conduta pública e privada, individual e coletiva dos homens, exige muito da faculdade da memória, sendo, por si mesma, um grande instrumento para o exercício dessa faculdade.
Ensinar história, portanto, requer o emprego de estratégias de leitura. Em 1677, Locke chegou a afirmar que a leitura “não era outra coisa que o armazenamento de materiais brutos, grande parte dos quais deve[ria] ser deixada de lado como inútil”[41]. Mas a arte de ensinar não se resumia à leitura. Era necessário ler, recordar, repetir, recordar e repetir, obedecendo sempre à ordem original dos escritos. O preceptor, enfatiza Locke, deve sempre começar pelas ideias simples e encadeadas, uma de cada vez e apresentar o significado das palavras. Deve, por fim, convencer-se de que tal significado está retido (fixado) na memória do aluno.
Dominado o conhecimento, podem ser testados frequentemente e até arbitrariamente, mesmo que o ensino não seja, necessariamente, de história. Ao ler um historiador latino, por exemplo, numa hipotética aula de gramática, o preceptor deveria, segundo Locke, questionar o aluno sobre o ano da fundação de Roma. A mesma estratégia se adequaria ao estudo de um autor grego: “Em que ano ocorreu a primeira Olimpíada?”
Outra medida válida é a imitação do mestre por parte do aluno. Se este já fixou na mente as ideias necessárias, o preceptor pode estimulá-lo a ensinar (transferir/apresentar/comunicar ideias) a um outro aluno que ainda não deu conta da sua tarefa. Ensinar, segundo Locke, é um excelente exercício para o aprender.
A leitura dirigida e aferida pelo preceptor, contudo, não garante o aprendizado. Locke parece indicar que inclinações naturais em termos de “entendimento” poderiam influir nesse sentido, quando registra a existência de dois tipos de observadores (observação - observations): o homem lento (slow) e o homem rápido em demasia (forward). O primeiro, o lento, retém muitos fatos, mas nada reflete sobre eles. O segundo pouco fixa, sendo capaz de generalizar a partir um único fato. O homem ideal é aquele que retém vários fatos particulares na memória, julga-os com os fatos (também retidos na memória) colhidos na história e faz deduções com certa segurança.[42] Em suma, o bom aprendiz da história é aquele que retém narrativas mas as transforma em princípios de conduta, ou seja, que trabalha indutiva e dedutivamente.

Os materiais preliminares: geografia e cronologia
Se as ideias são hierarquizadas e encadeadas no ato de ensinar, se as faculdades são exercitadas em determinada ordem, o mesmo deve ocorrer entre os demais conhecimentos científicos. Por esse raciocínio, a história não pode ser ensinada sem que ao aluno sejam apresentadas as ideias (e correspondentes exercícios das faculdades) relacionadas aos estudos da geografia e da cronologia. Na verdade, Locke estabelece uma sequência para o conhecimento das artes liberais: primeiro a geografia, que é seguida da aritmética/astronomia, geometria, cronologia e, por fim, a história. Mas vamos ficar apenas com a geografia e a cronologia, saberes mais familiares ao nosso grupo de estudos.
Mapa do Brasil no Sistema de geografia de Moll (1701), indicado como leitura por Locke.
A geografia apresenta as ideias de globo (figura), a situação e os limites do mundo, reinos e regiões. Isso se faz empregando a visão e a memória. Para esse exercício servem os impressos como o Sistema de geografia (1701), de Herman Moll (1624[?]-1763), que descreve a terra, continentes, reinos e estados sob aspectos físicos (relevo, clima, recursos naturais), políticos (divisões e subdivisões) e culturais (religiões, costumes), as coleções de mapas e os livros de viagens. À propósito, o mesmo Locke chegou a trabalhar na produção de um dos livros indicados, a Coleção de viagens editada por Mr. Churchill.[43]
Já a cronologia oferece os principais acontecimentos (já citados) em sua “ordem natural” (do mais antigo para o mais recente). No último quartel do século XVII, a cronologia já constituía um campo de conhecimento, que inclusive, ganhou notoriedade após sua inclusão no currículo do gentleman de Locke. Comparada à história, a cronologia era linear, resumida, didática e objetiva, anunciava o prefácio de De Doctrina temporis (1626), de Denis Petaus, um dos seus mais eminentes cultivadores desse saber, no início do século de Locke.[44] Eram exatamente essas características que Locke queria ver reconhecidas pelos preceptores e homens feitos. Cronologias, afirmava o filósofo, não são livros de leitura. São obras de consulta. E não devem ser empregadas como exercícios de formação do futuro cronologista. Disputas por micrologias cronológicas não são educativas. Assim, com essas orientações, e sob o critério da utilidade, ele oscilava entre sugerir O Teatro histórico e cronológico de Chistopher Helvicus[45] (1581-1617) e o Breviário cronológico de Gyles Strauchius.[46]
Fragmento de um dos quadros disponíveis no Teatro histórico e cronológico de Cristopher Helvicus (1687).
Os quadros são formados por colunas (acontecimentos históricos) e linhas (quantidade de tempo e modos de contar o tempo).
Exemplo 1: o primeiro acontecimento (linha 3, coluna 1, em verde) refere-se à tomada do Castelo Byland por William, Príncipe
de Orange. Ela aconteceu no ano 5584 (roxo), que corresponde ao ano 6348, do calendário juliano (cinza), distante 3132 anos
da saída dos judeus do Egito (cinza). Exemplo 2: o quarto acontecimento (linha 4, coluna 1, em verde) refere-se à retomada
do Castelo Schenk, após incríveis esforços, pelos holandeses. Esse fato ocorreu no ano 5585 (roxo), que corresponde ao ano
5395 do calendário judeu (cinza) e dista 2388 anos da construção de Roma (cinza).  
Como vimos, então, a geografia oferece à memória as ideias simples e ou complexas de lugar, distância e espaço. A cronologia, da mesma forma, apresenta à memória as ideias, também simples e/ou complexas de duração, período e tempo. Com essas ideias na memória, o aluno já pode estudar a história. Sem elas a história não cumpre suas funções morais e políticas. Sem cronologia e geografia, a história apresenta-se ao aluno como um conjunto de fatos confusos, desordenados e desinteressantes.

Conclusão: John Locke e o “pensar historicamente”
Para encerrar esse segundo tempo da aula, resta-nos responder à questão inicial do curso, partindo, hoje, dos escritos educacionais de Locke. O que seria o "pensar historicamente" para o filósofo inglês? Evidentemente, ele não se deu ao trabalho de enfrentar esta questão. Não era um didata da história. Mas esse fato não nos exime da responsabilidade de dar respostas, já que o problema nos interessa profundamente. É uma questão do início do século XXI apresentada por historiadores (nós, aqui nesta sala) que percebem, em seu cotidiano, práticas herdadas do pensamento de Locke e de outros prescritores do ensino de história nos últimos 300 anos.
Contudo, para respondê-la devemos tomar posição e fornecer soluções hipotéticas. Se aceitarmos a tese de J. A. Pocock, por exemplo, de que Locke não ocupou-se da matéria, isto é, de que os seus “tratados” sobre o governo, por exemplo, não são peças de história, podemos concluir que o “pensar historicamente” para Locke é simplesmente pensar, ou seja, é respeitar e empregar o mecanismo natural das ideias que nos são apresentadas, sensível e mentalmente, na condição de uma sequência.
Dizendo de outro modo, refletir (observar o próprio movimento das ideias na mente) já é reconhecer que há duração entre partes dessa sucessão ou entre o aparecimento de duas ideias. Agir (exercitar a faculdade da vontade), por conseguinte, é demonstrar que há uma distância entre o início e o fim dos vários movimentos das faculdades mentais e corporais.
Em suma, pensar e agir são o reconhecimento de que nada se pode criar ou deslocar, no movimento interior ou exterior dos corpos humanos, individual ou coletivamente, ontem e hoje, sem que se lance mão das ideias fixadas na mente em um tempo remoto ou breve, mas, assim mesmo, anterior (passado). Isso nos levaria então a uma segunda hipotética conclusão de que o “pensar historicamente” em Locke não se efetiva a partir das estratégias do historiador (das operações processuais do ofício, em vigor no século XVII), posto que a história, ao menos em alguns dos seus escritos educacionais, já estaria dada, bastando ao preceptor a escolha do que fosse condizente moral e cognitivamente ao aluno em situação didática. Em outras palavras, o historiador do final do século XVII, contemporâneo de Locke, não pautaria os usos da história na formação de pessoas (ou, pelo menos, Locke não consideraria a vontade desse historiador ideal-típico).
Por outro lado, se concordarmos com Paul Ricoeur que o filósofo inglês valorizou a faculdade da memória como elemento privilegiado da “identidade pessoal”, se seguirmos o argumento de Arthur Assis de que a exemplaridade histórica do século XVII, "concebida em termos essencialmente políticos", não tinha o mesmo sentido conservado pelas historiografias greco-romana e medieval[47] e (ainda na esteira do raciocínio de Assis) se abonarmos a tese de Mark Glat de que Locke valorizou o estudo do passado como elemento empírico de formação de verdades, princípios e regras (de conduta e de governo), não apenas desafiando certo providencialismo (ainda que empregasse alguns princípios éticos da antiguidade), mas enxergando no exame do passado também uma brecha para a mudança das regras (uma lição de que o presente poderia ser modificado, diríamos hoje, a partir dos próprios escritos do presente - fato evidenciado com as escolhas de Tyrrell e de Pufendorf, ambos anti-absolutistas), emfim, podemos afirmar que a nossa conclusão pode ser modificada.
E muda, principalmente, se considerarmos como plausível a sua explicação sobre o modo pelo qual a mente opera – recebendo, selecionando, armazenando ideias e, depois, combinando, comparando e produzindo princípios, que por sua vez são novamente armazenados para orientar a vontade em situação da vida prática. Reunido todos esses considerandos, poderemos afirmar que o pensar historicamente poderia (nessa terceira hipótese) significar não somente a aplicação de operações processuais historiadoras, mas também a própria sistematização de operações historiadoras para a história. Dizendo de outro modo, os conselhos de Locke sobre o ensinar história constituiriam, concomitantemente, uma forma particular de observação histórica, tanto para a formação e aperfeiçoamento do gentleman (o aprendizado) quanto para o trabalho dos historiadores (a pesquisa e a escrita).

O vídeo abaixo encadeia as ideias de "mente", "coração", "memória", "história" e "criança", mas o resultado é bem mais prazeroso que uma aula sobre Locke.
Até a próxima semana.





Conheça as outras aulas deste curso.
Aula n. 3
Aula n. 2
Programa


Referências

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BARRETT, Kalter. Modern antiques: the material past in England (1660-1780). Maryland: Bucknell university Press, 2012.
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TYRRELL, James. General history of England, both ecclesiastical and civil. London: W. Rogers, 1700.

Notas

[1] DUNN, 1982, p. 5. (Primeira edição publicada em 1969).
[2] Três desses textos foram consultados a partir da edição espanhola (LOCKE, 1986): “Del estúdio” (1677), “Borrador de uma carta de Locke a la Condesa de Peterborough” (1697) e “Algunas ideas acerca de la lectura y el estúdio para um Caballero” (1703).
[3] PSE, 7 mar. 1692. (Edição espanhola, de 1988). Na ausência desse tipo de especificação, as demais citações são extraídas das edições inglesas arroladas nas referências.
[4] HALIMI, 2005, p. 101.
[5] PSE, § 33.
[6] Não vamos nos deter sobre a já conhecida sentença de Locke, contrária à assertiva cartesiana e de alguns absolutistas do seu tempo de que existem “ideias inatas”. Basta lembrar que os princípios “especulativos” e os “práticos” (ou morais, como fé ou justiça) não são adquiridos. Do contrário, não haveria discordância entre os homens acerca de certas ideias ditas universais e as crianças as compreenderiam ao nascer (EACH, I, Cap. I-II). O poder de conhecer é inato mas o conhecimento é adquirido (EACH, I, Cap. I, §2).
[7] EAEH, I, Cap. II, § 1; II, Cap. I, § 26; PSE, § 176, 216 (1912).
[8] PSE, § 176, 216.
[9] Nos Estados Unidos, tanto a máxima anterior quanto a solução indicadora – a disciplina formal – predominou entre os acadêmicos, professores e administradores escolares até a penúltima década do século XIX. No Kindergarden, em 1890, foi substituída pelas ideias de aprendizagem de Fröebel (HEWES, 1988), mas houve quem a defendesse, tese de doutorado, ainda em 1910, como a base de toda a renovação educacional da moderna idade e também da contemporânea experiência estadunidense: iniciar o conhecimento por objetos concretos, ampliação do currículo para além da primazia da matemática, e a a liberdade para empregar o amplo estoque de conhecimentos retidos na memória [liberdade de pensamento?] (HODGE, 1911, p. 28-30).
[10] Para Patrik Menneteau, isso não diminui a importância do filósofo nos progressos alcançados em vários domínios do conhecimento. A argumentação de Locke, entretanto, é vitoriosa mediante o emprego alternado de vocabulários filosóficos e metafóricos, questões retóricas, repetições dogmáticas que impedem-no de fornecer as provas experimentais. (MENNETEAU, 2008, p. 65).
[11] Para Locke, todo o conhecimento humano é percebido pela mente, mediante a impressão (impression) causada pelo contato dos sentidos externos (visão, audição, tato, paladar e olfato) com as diferentes qualidades dos objetos (espessura, temperatura, luminosidade etc.). Além disso, todo conhecimento humano é produzido por meio da a observação da mente sobre sua própria atividade (reflexão). Agrupando tais operações, surge a renomada frase de que “todas as ideias derivam da sensação ou da reflexão” (PSE, I, Cap. 1, § 2).
[12] EAEH, II, Cap. III, § 1.
[13] EAEH, II, Cap. I, § 1-2.
[14] EAEH, II, Cap. II, § 2.
[15] EAEH, I, Cap. I, § 15.
[16] PSE, Dedicatória.
[17] JORGE FILHO, 1992.
[18] POCOCK, 1983, p. 157.
[19] BARROS, 2012, 178. Esta é uma das características de Bodin, partilhada também por Locke.
[20] GLAT, 1981, p. 5, 18-9.
[21] TARLTON, 2004. p. 251, 268.
[22] E, § 1-2. As quatro áreas são: Philosophica (que trata do exercício do entendimento), History (exercício da memória – conhecimento dos fundamentos da humanidade e das regras sociais), Immitanda (exercício do corpo da vontade – conhecimento das práticas de boa conduta pública ou privada, bem como de cuidados com a saúde) e Acquirenda (conhecimento das causas e consequências dos fenômenos físicos e naturais – história natural).
[23] EAEH, IV, Cap. XXI.
[24] PSE, § 184.
[25] “Nela [história] se verá um retrato do mundo e da natureza da humanidade, e aprenderá portanto a pensar os homens como eles realmente são [...]. Nela também se podem encontrar grandes e úteis ensinamentos de prudência, e ser advertido contra as armadilhas e travessuras do mundo” E- 1763. (1986, p. 381).
[26] AIALEC (1986, p. 355)
[27] AIALEC (1986, p. 357)
[28] CCP (1986, p. 354).
[29] PAE, § 159.
[30] ECLCP (1986, p. 353).
[31] PAE, § 184.
[32] CCP (1986, p. 352).
[33] Política eclesiástica – Mr. Hooker; Sobre o governo – Algernon Sydney; os dois tratados sobre o governo civil – John Locke; De officio hominis et civis e De jure naturali et gentium – Puffendorf. AIALEC (1986, p. 357-358).
[34] Sobre a história geral, Locke indica: History of the World – Walter Raleigh; An institution of general history – William Howel; Relections nyemales, De rationi et methodo legendi – Degory Wheare. AIALEC (1986, p. 357-358).
[35] Para J. G. A. Pocok, os historiadores ingleses só deixam de escrever, predominantemente, ao modo de Tucídides e Tácito a partir das obras de James Harrington – Answer to the Nineteen Propositions (1642) e The commonwalth of Oceana (1656) – que passam a ganhar conotação social (em oposição ao político-individual). POCOK, 1983, p. 153.
[36] BACON, 1902 (Primeira edição em 1609).
[37] POCOK, 1983, p. 151.
[38] TYRRELL, 1700
[39] LOCKE, Algunas ideas acerca de la lectura y el estúdio para um caballero - 1703 (1986, p. 355).
[40] POCOK, 1983, p. 156; 2011, p. 1.
[41] E, § 8 (1986, p. 391).
[42] SEE § 13.
[43] Informações do tradutor. AIALEC (1986, p. 359, n. 9).
[44] BARRET, 2012. Cap. 1.
[45] AIALEC – 1703 (1986, p. 360).
[46] PAE – 1693, § 13.
[47] ASSIS, 2011, p. 113-4; 2014, 29-30.