quarta-feira, 18 de setembro de 2013

I Seminário Nacional História e Contemporaneidades

Festa do Livro Cariri, nas dependências da URCA, em 17 de setembro de 2013.
Realizou-se esta semana (17-21/09/2013) o I Seminário Nacional de História e Contemporaneidades, na Universidade Regional do Cariri (URCA), em Crato-CE, que explorou “as dimensões políticas da história e o futuro do passado”.
No primeiro dia (17/09/2013), à tarde, funcionaram oito minicursos. À noite, foi aberta a “I Festa do Livro Cariri”, que expõe e vende dezenas de títulos, alguns dos quais voltados, especificamente, para os vários domínios da história. Em seguida, procedeu-se a abertura oficial do evento, com mesa composta pelos professores Otonite Cortez, Reitora da URCA, Francisco Damasceno, presidente da seção regional do Ceará da Associação Nacional de História (ANPUH) e docente da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fátima Pinho, Chefe do Departamento de História, e Sônia Menezes, da coordenadora do Seminário.
Jucieldo Alexandre (URCA) e
Dilton Maynard (UFS)
Finda a cerimônia de abertura, o professor Jucieldo Alexandre (URCA) coordenou a mesa redonda intitulada “Cultura histórica, mídias e os usos do passado no tempo presente”, reunindo os professores Dilton Maynard, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Antônio Clarindo de Souza, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Sônia Meneses (URCA).
Abrindo as falas dessa primeira mesa, Dilton Maynard (UFS) discutiu a necessidade de o historiador repensar o seu lugar no estabelecimento e na crítica dos acontecimentos no tempo presente, onde se vive uma espécie de “cultura de convergência”, ou seja, a ideia de que um conjunto de mídias pautam o acontecimento e não apenas um veículo ou linguagem. No “cablegate”, por exemplo, várias mídias, novas e tradicionais, como jornais e sites da internet, foram os responsáveis pela legitimidade concedida às notícias que denunciaram a espionagem dos Estados Unidos sobre governos de vários países. A morte de Osama Bin Laden, outro exemplo, foi primeiramente noticiada no Twitter, por um dos vizinhos do terrorista assassinado, sendo misteriosamente excluída três dias depois. Esses exemplos nos levam a pensar em novos procedimentos do historiador para acessar, ler, citar, referenciar esse novo tipo de documento e a problematizar os os meios de controle aos quais somos submetidos quando nos utilizamos das novas mídias.
Na segunda fala, Clarindo Souza (UFCG) abordou as questões do bullyng em sites e nas redes sociais, flagrados nos últimos cinco anos.  Deu exemplos de situações nas quais são manifestados preconceitos de natureza étnicos e estéticos contra indivíduos e coletivos sociológicos – nordestinos, gordos, gays –, mediante o uso descontextualizado de imagens e sons. Os exemplos contemplaram várias situações em que times de futebol e cultos afro-brasileiros, juntamente com seus praticantes, são sistematicamente ridicularizados. As redes sociais, contraditoriamente, incentivam os usuários preconceituosos e também os seus críticos a se manifestarem. Fornecem, por um lado, a liberdade de expressão da opinião de pessoas que desejam feedback  e, por outro, o poder para que essas mesmas pessoas anunciem não se importar com as críticas. As redes, por fim, onde predomina a expressão estética em detrimento da expressão da racionalidade, criam um acervo de fontes que não para de crescer e que pode servir de apoio a uma relevante história social, sobretudo aquela que trata da ausência de traços diacríticos dos seus usuários, dada velocidade com a qual os perfis são atualizados.
Clarindo Souza (UFCG) e
Sônia Meneses (URCA)
A mesa redonda foi encerrada por Sônia Meneses que abordou a cobertura das manifestações populares de 1992 e de 2013, efetuada pela revista Veja. Considerada suporte sensacionalista, de ideologia conservadora, a revista assume o lugar de representação e, concomitantemente, de controle das vozes do povo nos dois episódios. O exame da cobertura revela aquilo que alguns pesquisadores nomeiam de “processo de consciência”, ou seja, a transformação do disperso em claramente explicável. Analisando as capas e as reportagens que abordaram o “Fora Collor” e o “Vem pra rua”, é possível identificar elementos recorrentes no trabalho dos meios de comunicação de formulador narrativas a respeito do cotidiano da população. Ambas eram manifestações populares e foram dadas a ler como uma espécie de “despertar do povo”. As diferenças, contudo, são marcantes. Em 1992, as manifestações são possibilidades em torno de um acontecimento maior – o impeachment. Em 2013, as mutifocadas manifestações causam perplexidade e a revista opera uma seleção que serve, obviamente, aos reais controladores do periódico. O discurso de uma “velha mídia”, como a Veja, vai, então, modificando-se ao sabor dos seus interesses e das atividades dos manifestantes, colocando dificuldades aos historiadores do tempo presente que se empenham na compreensão desses eventos.
O segundo dia (18/09/2013) do Seminário iniciou-se com a mesa redonda “História, profissionalização e os desafios da pesquisa no século XXI”, coordenada pela profa. Jane Semeão (URCA).
A primeira apresentadora, profa. Margarida Oliveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), informou sobre um projeto desenvolvido em sua Instituição, que põe em prática o seguinte princípio: a história tem uma função social e esta função pública deve ser cumprida pelos profissionais, desde o seu período de formação. O grupo de pesquisa, formado por alunos de graduação e de pós-graduação, além de professores do Departamento de História da UFRN, oferta serviços à própria universidade, atuando na produção de conteúdos históricos para TV, rádio, jornal e internet. Trata-se de um trabalho interdisciplinar que articula conhecimento histórico e formas específicas de comunicação, elaborando instrumentos de divulgação para públicos de interesse diverso.
Jane Semeão (URCA), Francisco Damaceno (UESC), Margarida Oliveira (UFRN) e Aryana Costa (UERN).
O prof. Francisco Damaceno, da Universidade Estadual do Ceará (UECE), traçou um quadro da oferta de cursos de licenciatura em história no estado – sete cursos em atividade, entre instituições públicas e privadas. Apontou a carência de recursos financeiros – bolsas para pesquisa discente, deslocamentos –, as dificuldades de contratação de professores, a ausência de diálogo entre os cursos, concorrência entre as instituições, desarticulação entre as disciplinas da grade curricular e a ausência de especialistas – história da América, por exemplo. Por fim, afirmou que as possibilidades de atuação do profissional de história incluem o trabalho nos museus, arquivos e redações de jornais, ainda que o principal campo seja o ensino, marcado por baixos salários e ausência de estímulo à qualificação. Esses são os desafios locais a serem enfrentados, com o auxílio, inclusive, da legislação que prescreve a profissionalização do historiador.
O terceiro palestrante da mesa, profa. Aryana Costa, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), discutiu a regulamentação do profissional de história, concentrando-se relação formação e regulação. Ela problematizou os perfis do profissional de história do período 1990 e 2010 e a natureza dos projetos de lei que prescrevem a profissão, defendendo uma história dessas trajetórias que considere as diferentes circunstâncias nas quais foram formatados os documentos. Em seguida, descreveu as grades curriculares de cursos de licenciatura em história, produzidos entre 1935 e 2004, e comentou sobre as características e as limitações dos projetos legislativos que trataram da profissão de historiador nos últimos 15 anos.
Clarindo Souza (UFCG) no minicurso "Tudo que você queria saber sobre história cultural e tinha medo de 
perguntar a um historiador social".
Após as falas da “mesa redonda”, os graduandos iniciaram a apresentação das suas pesquisas junto às seções coordenadas que abordaram história e patrimônio cultural, ensino, gênero, meio ambiente, movimentos sociais, religiosidades, intelectuais, cultural política, literatura e tempo presente.
À tarde, oito minicursos tiveram continuidade. Também foram iniciadas as atividades dos simpósios temáticos "História, religião e religiosidades", coordenado por Maria Paula Cordeiro (URCA) e Maria de Fátima de Morais Pinho (URCA), e "História política do Nordeste", sob a direção de Cristiano Luís Christillino (UFPE).

Apresentação do trabalho de Jheovanni de Abreu (penúltimo, da esquerda para a direita), "Metafísica do amor no pensamento
de Arthur Schopenhauer", ns seção coordenada "História da ciência, intelectuais e cultura política", em 19/09/2013.
Ana Maria Mauad (UFF)
À noite, a prof. Ana Maria Mauad, da Universidade Federal Fluminense (UFF), proferiu conferência intitulada “Como nascem as imagens? O fotógrafo, a moça e uma flor”. Partindo das categorias de “horizonte de expectativas”, “espaço de experiência” e “regime de historicidade”, Mauad questionou a razão de a imagem ainda representar um desafio para o trabalho do historiador. Afirmou, em seguida, que toda imagem tem uma biografia, ainda que nem sempre de trajetória linear e, também, que elas nascem das práticas sociais de representação do mundo. Assim, empregando a imagem da “moça com uma flor, frente a um grupo de soldados armados” (1967) e outras cenas semelhantes, flagradas nos protestos de junho de 2013, no Brasil, demonstrou como a referida imagem tornou-se uma foto-ícone, ou seja, uma fotografia que se “entranha na memória” –, neste caso, o protesto pacífico –frequentemente retomada para atribuir o mesmo sentido, em outros tempos e espaços. Hoje, os dispositivos fotográficos digitais e a exponencial capacidade e facilidade de reproduzir imagens não contribuem para a produção de fotos-ícones. O que comanda a produção hoje é a série de imagens, mas a foto-ícone não perde a sua função, já que é também revelada nessa nova forma de produção de sentido.
Alênio Noronha (UECE), Priscila Regis (URCA) e Gilberto Nogueira (UFC).

Alexandre Barbalho (UECE)
Os trabalhos da quinta feira (19/09/2013) foram iniciados com a mesa redonda “Patrimônio cultural, políticas públicas da memória e o problema dos novos acervos”, coordenada pela profa. Priscilla Régis (URCA). Gilberto Nogueira (UFC) relacionou as ideias de patrimônio às categorias de “horizonte de expectativas” e “espaço de experiência” e descreveu processos de transformação dos sentidos de prática conservacionista no Brasil, ao longo do século XX.  Prof. Alexandre Barbalho (UECE) ressaltou as necessidades humanas da memória e do esquecimento e enfatizou o caráter político de todas as práticas preservacionistas. Como exemplo, citou a eleição dos monumentos representadores da identidade da cidade de Fortaleza, via campanha midiática, onde a tentativa de “capturar” a memória (oficial) da cidade esteve submetida a interesses comerciais privados. O Prof. Alênio Noronha, da Universidade do Vale do Acaraú (UVA) e representante do setor de Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Fortaleza, encerrou as falas, tratando dos novos acervos, como o áudio visual. Ele exemplificou e ressaltou o valor dos mesmos como prova jurídica, instrumento de mediação da lembrança e de compreensão do passado. A mesa foi seguida por uma seção de autógrafos concedidos por Gilberto Nogueira (UFC).
Ítalo Bezerra (URCA)
Á noite, a mesa redonda coordenada pelo professor Ítalo Bezerra (URCA), discutiu o “Ensino de história, usos do passado e cidadania”. Iniciando os trabalhos, a prof. Adelaide Gonçalves (UFC) apresentou um panorama das atividades educacionais desenvolvidas no âmbito dos movimentos sociais ligados à questão da terra e informou sobre as relações entre as finalidades e práticas das escolas e às suas implicações na construção da memória e na crítica à história oficial brasileira. Na sequência, o prof. Itamar Freitas (UFS) abordou as ligações entre teoria, didática da história e cidadania, tendo como fonte básica os documentos produzidos por Charles Langlois, entre 1881 e 1937. Defendeu a necessidade de os professores formadores explorarem a natureza, a relevância e as limitações da “qualidade de ser cidadão” nas matérias de teoria, epistemologia, história da historiografia e introdução à história. Por fim, o prof. Egberto Melo comentou a recente ampliação do prestígio das questões e temas ligados ao ensino de história no Brasil e o concomitante interesse dos professores radicados nos departamentos de história. Afirmou a necessidade de acompanhar a trajetória da Associação Nacional de História (ANPUH), ao longo da segunda metade do século XX, como forma de melhor entender o crescente interesse dos historiadores pelos usos escolares do passado.
Renata Marinho (URCA), Rosilene Melo (UFCG), Josinete Lopes (URCA) e Clarisse Fukelman (PUC-RIO).

Os trabalhos do último dia do Seminário (20/09/2013) foram iniciados com a mesa redonda “História e transdisciplinaridade – o olhar de outros saberes do passado” – coordenada pela profa. Josinete Lopes (URCA). Na primeira fala, a profa. Renata Marinho (URCA) inventariou tendências teóricas e categorias que exploram as formas de agir, pensar e sentir, postas em circulação entre os séculos XIX e XX e concluiu que, hoje, a antropologia tende a examinar experiências coletivas de modo polifônico, policêntrico, enfim, policultural. Em seguida, a profa. Rosilene Melo (UFCG) apresentou e problematizou a função das imagens produzidas por Manoel Graciano, Mestre Noza, Índio e Mino, entre outros artistas, afirmando que as mesmas são expressão de um pensamento, que condensam informações, possuem agência e expressam – criam – um mundo. Daí a ideia de classificá-las como imagens cosmológicas. A mesa foi encerrada com a fala da profa. Clarisse Fukelman, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que discutiu a “representação, da representação da representação...”, ou seja, os usos pedagógicos que a produção televisiva faz do conhecimento histórico, enfatizando a necessidade de considerar conceitos e práticas da teoria da história, teoria literária, semiologia e da estética da recepção na produção de minisséries e novelas.
Na segunda parte da manhã, a exemplo do ocorrido nos dois dias anteriores, os alunos de graduação apresentaram suas comunicações em seções coordenadas.
Natália Santos (URCA), Lívia Souza (URCA), Maria do Carmo Oliveira (URCA) e Bárbara Silva (UFS), que apresentaram
trabalhos no simpósio temático "História e ensino de história", coordenado pelos profs. Egberto Mello (URCA) e Aruana Costa
(UERN), em 20/09/2013.
À noite, procedeu-se à cerimônia de encerramento, onde a prof. Sônia Menezes (URCA) prestou uma homenagem ao prof. Ciro Flamarion Cardoso, falecido recentemente. Em seguida, as professoras Fátima Pinho (URCA) e Otonite Cortez (URCA) agradeceram aos palestrantes convidados e aos alunos e docentes que se encarregaram voluntariamente das tarefas do evento. Por fim, o prof. Fernando Catroga, da Universidade de Coimbra (Portugal), proferiu conferência, coordenada pela profa. Adelaide Gonçalves, com o título “O historiador e o juiz na balança pela veracidade histórica”.
Catroga afirmou que a tradição da história como tribunal vigorou da teologia da história à filosofia da história e assim manteve-se na contemporaneidade. A problematização do documento, no final do século XIX é, talvez, o ponto em comum entre a investigação historiográfica e o processo judicial. Pensando sobre essa tese, ele confirma que todo processo judicial é fundado em fatos que “realmente aconteceram”. Mesmo a ideia de história, desde a experiência grega, aristotélica, tem o sentido de testemunho – sobretudo, ocular – e de inquérito. A palavra justiça, por outro lado, significa autoridade – “o juiz disse”. 
Fernando Catroga (Universidade de Lisboa)
No tempo presente, vivenciamos a compreensão de que o julgamento manifesta fragilização, diante dos júris forjados. Da mesma forma, muitas investigações históricas apresentam-se como fraudes por suas finalidades e atitudes consagradoras de determinados personagens ou ideologias. Além disso, o historiador não faz a “história que vê”. Ele tem que ver para além do que se olha, tem que agir metodicamente. Citando René Rémond, Catroga afirmou que os historiadores não são acusadores, advogados ou juízes. O que há na história e não há no processo judicial, citando Ginzburg, é o contexto. Os juízos independem dos contextos. Eles são personalizados e fundam-se no cumprimento ou descumprimento da norma.
Catroga também esclareceu que trabalho do juiz resulta em sentença imperativa. O trabalho do historiador, ao contrário, não gera esse tipo de sentença. Ele é, sim, livre para explicar-compreender. O objeto do juiz, o crime, por exemplo, prescreve. O objeto do historiador, em contrapartida, nunca prescreve, podendo ser constantemente revisitado. Finalizando a sequência de comparações, Catroga  afirmou que o juiz age binariamente - sim/não, enquanto o historiador pode afirmar que, "na fase atual da pesquisa, sim" e, ao final, "não" ou "talvez" e, ainda, que as obras do juiz são fechadas e a dos historiadores sempre abertas à visitação. Essas características nos induzem a pensar, conclui Catroga, que o historiador deve expor quaisquer princípios críticos, mas manter um contrato permanente com a "veracidade" na história.
Professores da URCA, Fátima Pinho, Francisca Anselma, Iarê Lucas, Otonite Cortez e Sônia Menezes, junto aos professores
Fernando Catroga (Universidade de Coimbra) e Adelaide Gonçalves (UFC).
Monitores do I SNHC confraternizam-se com o prof. Catroga: (da esquerda para a direita) Angelica Ribeiro, Romario Rodrigues, 
Andréa Araújo, David Samuel, Lívia Sousa, Rayanne Silva, Vanusa Ferreira, Fernando Catroga, Raquel Modesto, Pryscylla
Cordeiro, Alexsandra Goiana, Raysa Carolinne.
Assim encerrou-se o I Seminário Nacional História Contemporaneidades, com planos para que, em 2015, se repita com muito mais êxito.

domingo, 1 de setembro de 2013

Didática da história é destaque em Iporá-GO

Lagoa de Iporá - GO
Realizou-se nos dias 28, 29 e 30, na cidade de Iporá-GO, o III Simpósio Nacional deHistória da Universidade Estadual de Goiás (UEG). O evento reuniu mais de 600 participantes entre professores alunos vinculados a 12 campi da UEG, que ofertam cursos de licenciatura em história. 
Márcia Motta
O Simpósio também abrigou o I Fórum sobre Ensino de História, que discutiu, entre outros temas, as possibilidades de mudança no desenho do currículo de curso de formação de professores. O Fórum ganhou independência, em relação ao Seminário, e agora será anual.
O evento não abordou apenas as questões relativas à didática da história. Contudo, o perfil dos palestrantes incentivou as discussões em torno da função social do historiador e dos respectivos usos públicos da história.
Na conferência de abertura, a professora Márcia Motta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), denunciou o “atraso” e a indiferença da historiografia brasileira no que diz respeito às questões relativas ao campo, sobretudo à reforma agrária.
Sérgio da Mata
No debate, apontou a necessidade de a formação historiadora transitar entre as áreas das ciências humanas e sociais, como forma de buscar instrumentos para a melhor compreensão de fenômenos sociais, a exemplo do prestígio que goza a grande propriedade no Brasil. Na conferência de encerramento, o professor Sérgio da Mata, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFO), apresentou alguns resultados da pesquisa que realizou, na Alemanha, sobre a trajetória intelectual de Max Weber. Ele criticou as iniciativas dos acadêmicos que buscam fortalecer as suas respectivas áreas, criando e ritualizando determinados mitos de origem. Um desses mitos é a ideia de que Max Weber foi sociólogo “desde sempre”.
Em meio às questões suscitadas por suas teses, o professor posicionou-se contrário à atitude da academia do nosso tempo em relação aos potenciais usos públicos da história, citando, inclusive, a recusa de historiadores brasileiros em participar da “Comissão da Verdade”, como exemplo desse desprezo em relação ao potencial orientador da história.
Pátio interno da Faculdade de Letras da UEG-Iporá-GO, que abrigou os simpósios temáticos.
Entre as duas conferências, os professores Itamar Freitas, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Rafael Saddi, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Marcelo Fronza, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) discutiram ideias sobre aprendizagem histórica e didática da história nos Estados Unidos e na Alemanha.
O prof. Itamar, explorou as noções de aprendizagem histórica disseminadas nos parâmetros nacionais estadunidenses, produzidos entre 1994 e 2010, para os programas de história e os currículos de estudos sociais. Ele afirmou que a aprendizagem histórica foi explicada como a combinação entre conteúdos substantivos e metahistóricos, com forte ênfase do desenvolvimento das capacidades historiadoras disseminadas pelos historicismos alemão e francês sobre o clássico conhecimento e compreensão da história nacional e mundial.
A consolidação das ações do ofício como elementos de aprendizado histórico nos standards de historia, contudo,  não pode ser creditada, apenas, aos historiadores universitários – que pouco sabiam sobre os mecanismos mentais das crianças, jovens e adolescentes nos EUA dos anos 1990. A necessidade de incorporar habilidades historiadoras foi ao encontro do chamado ensino ativo, professado nas primeiras décadas do século XX por vários matizes da filosofia educacional e frequente nas mentes de experimentados professores de estudos sociais no período 1980-1990.
Antônio e Natália Barros, graduandos da UFG, e o prof. Rafael Saddi (UFG).
O professor Saddi apresentou a tese de que a mudança paradigmática da didática da história alemã foi uma tentativa de solucionar a crise de legitimação da ciência histórica e do ensino de história vivida na Alemanha Ocidental dos anos 60. Essa crise implicava na incapacidade de a ciência histórica suprir as novas carências de orientação da sociedade alemã, surgidas no mundo pós-guerra. 
Saddi estabeleceu uma topografia das correntes da nova didática da história alemã, apresentando dois extremos, esquerda (Annette Kuhn) e direita (Joachim Rolfes) e um grupo de autores que se localizava entre estas duas posições, alguns mais próximos da esquerda (Bergmann e Pandel), outros mais próximos da direita (Jeismann). Este grupo do centro não era homogêneo, mas estava unido em torno da noção de consciência histórica, tendo se destacado, já em meados da década de 70, como a principal referência da nova didática da história alemã.

Prof. Marcelo Fronza (UFMT) e a graduanda Maísa Barbosa (UEG)
Dando sequência à exposição sobre os novos rumos da didática da história na Alemanha, o prof. Fronza explorou a constituição da teoria da consciência histórica, predominante na didática da história alemã, depois da reunificação desse país. A ideia de consciência histórica ganhou relevância porque porque apresentava-se como categoria relativamente indeterminada em relação ao conceito de identidade nacional, que poderia restaurar vários traumas na sociedade. Com vistas ao projeto de instauração desse princípio na Alemanha e sua possibilidade de expansão para o resto da Europa, o didata da história Bodo von Borries desenvolveu uma série de investigações que buscavam diagnosticar como os jovens lidavam com as operações da consciência histórica, quando confrontados com conceitos ligados aos conteúdos históricos e com ideias relativas à epistemologia da história.
Borries descobriu que a dimensão estética e sensível do conhecimento histórico ganha relevo nos jovens, sobretudo, quando há déficits cognitivos em relação a uma experiência do passado. Borries também afirmou que os quatro tipos de consciência histórica podem ser disposições ou posicionamentos mobilizados quando um jovem narra experiências do passado.
Além da mesa sobre didática da história, o evento abrigou 16 simpósios temáticos que funcionaram por dois dias. Mas, um deles discutiu, especificamente, a relação entre didática da história e consciência histórica.
Prof. Euzébio de Carvalho (UEG)
Neste simpósio, como em muitos outros do evento, as linguagens foram objetos de estudo – o cinema, fotografia, jornais. Também se discutiu o uso dos conceitos históricos, formas e planejamento de aula, as singularidades dos discursos da revista Veja sobre as cotas raciais, a natureza das narrativas dos índios Javaé (TO) e, por fim, as motivações de escolha e os respectivos desdobramentos na profissionalidade dos professores de história.
Como apresentadores, além do professor Euzebio de Carvalho (UEG), estiveram presentes: Ronaldo Alves Ribeiro dos Santos (UFMT), Aparecida Maria Ferreira Cândido (UEG), Maísa Cristina Barbosa (UEG), Adilson Correia de Lima Júnior (UEG), Natália Rastello Franco de Castro Barros (UFG) e Luciana Leite da Silva (UFG).
O que chamou a atenção, entretanto, foi o nível alcançado pelo debate desencadeado a partir dos referidos objetos que gerou questões deste tipo: que relações podemos estabelecer entre as ideias de representação de R. Chartier e de narrativa em J. Rüsen? Quais tipologias da consciência histórica são viáveis para interpretar o pensamento dos alunos em determinados contextos, o tríptico de Rüsen ou as “ideias eficazes” de Peter Lee? A tipologia da narrativa e o projeto intercultural rüseneanos dão conta da experiência dos índios Javaé da mesma forma que explicam o pensamento dos alunos de Cabo Verde? É possível empregar análise do discurso como estratégia preliminar à classificação do texto de periódicos sob a tipologia de Rüsen? A história dos conceitos, tal qual propõe R. Koselleck pode ganhar corpo de uma estratégia de ensino de história? A ampliação do prestígio da profissão docente – via aumento de salários, redução do número de alunos em sala, por exemplo – resolve problemas como a ausência de valores e a falta de engajamento docente? A construção de jornais pode ser explorada apenas como técnica que mobiliza as capacidades estéticas e, portanto, lúdica dos alunos? Deve o plano de aula de história conjugar estratégias das teorias da avaliação estadunidenses e estratégias de experimentação, orientação e projeção da vida de fundo histórico-social alemão?
Afonso Santos Silva, graduando da UEG, e Luciana Leite da Silva, mestranda da UFG.
Esperamos que essas reflexões sejam transformadas em novas ações que visem a sofisticação de ideias, estratégias e valores em relação à aprendizagem histórica na escolarização básica. O nível do debate no simpósio e os temas problematizados durante as falas dos palestrantes são, ao menos, um bom indício de que, em Goiás, os usos escolares da histórica estão sensibilizando os historiadores por formação e ajudando a discutir uma salutar mudança no sentido, até então partilhado pela maioria, de didática da história como domínio apartado da reflexão sobre a teoria da história, ou seja, separada da vida prática.

Euzébio de Carvalho (UEG), Itamar Freitas (UFS), Marcelo Fronza (UFMT) e Rafael Saddi (UFG). Mesa redonda "Aprendizagem
histórica e didática da história na Alemanha e nos Estados Unidos". Iporá-GO, 29 ago. 2013. (Foto: ASCOM/UEG).


Para citar este texto:
FREITAS, Itamar; FRONZA, Marcelo; SADDI, Rafael. Didática da história é destaque em Iporá-GO. Disponível em:<http://itamarfo.blogspot.com.br/>. Postado em 01 set. 2013.