Entrada frontal da Reitoria da UFS. Fonte: www.ufs.br |
Certamente, alguns "reclamantes" administradores têm dado a sua contribuição. Os Relatórios de Gestão e os textos sobre Planejamento Institucional não chegam a se constituírem documentos historiográficos, mas registram (ou reconstituem) os "feitos" oficiais de até uma década. Grupos de pesquisadores têm inventariado narrativas (Núcleo de Pesquisa Sociedade e Educação), professores aposentados têm produzido artigos (Beatriz Góis Dantas, Maria Thetis Nunes) e algumas monografias abordam as escolas fundadoras da Universidade como as de Serviço Social e Filosofia. Mas o trabalho sintético sobre a instituição ainda é um desafio para todos.
Um raro exemplo daquilo a que me refiro está na dissertação de Luiz Eduardo Oliva O processo de gestação de uma universidade do Nordeste: o caso Sergipe (UFSC, 1990). Esse trabalho procura, entre outros fins, "apontar as razões do surgimento tardio do ensino superior em Sergipe" e, para tanto, analisa os condicionantes econômicos, sociais e políticos que permitiram a concretização da empreitada, desde meados da década de 1920. Sob as lentes de Gramsci e Althusser, Oliva chegaria, certamente, a resultados metodologicamente previsíveis: a introdução do ensino superior em Sergipe dependeu do quadro econômico da época, e, portanto, está ligado aos interesses da classe dominante (reprodução das relações sociais de produção). Por essa visão, o autor tanto explica a fundação dos cursos superiores nas décadas de 1940 e 1950 (recuperação da indústria açucareira - Química; planificação do desenvolvimento - Economia; modernização do Estado - Direito; educação do operariado - Faculdade de Filosofia; "apaziguamento dos desafortunados" - Medicina e Serviço Social) quanto a instalação da Universidade Federal de Sergipe, motivada, principalmente pela política desenvolvimentista em nível local (exploração do petróleo e outros recursos naturais). Uma das contribuições desse trabalho está justamente na interpretação empreendida sobre a fundação da UFS e na tentativa de esboçar uma síntese sobre a experiência universitária sergipana.
Recentemente, durante a comemoração dos trinta anos da UFS, a comissão responsável pelo evento achou por bem historiar a experiência da instituição, senão em todos os ramos da sua atividade, pelo menos em relação ao ensino de graduação. O resultado do trabalho, organizado pelas professoras Maria Stella Tavares Rollemberg e Lenalda Andrade Santos (sob o apoio institucional da COAVI/COGEPLAN) foi lançado em 30/08/2000 no auditório da Reitoria, com a ausência, infelizmente, de oitenta por cento dos quarenta e três professores e mais de vinte estagiários que escreveram a obra UFS: História dos cursos de graduação. Ao todo, vinte e seis artigos constituem o trabalho que enfoca a trajetória dos cursos existentes até 1998 com suas respectivas modalidades e habilitações. Uma produção simples do CEAV/CIMPE, porém, muito bem cuidada. O texto inclui fotografias em p&b que retratam as faculdades fundadoras, os Centros acadêmicos e oferecem vista aérea da Cidade Universitária.
É uma iniciativa que nasce vitoriosa, pois, além de reunir pesquisadores que já se debruçavam sobre a história dos cursos (como Serviço Social e Enfermagem), cobrou dos mais antigos (Letras, Direito) o registro de suas trajetórias e estimulou os mais recentes (Engenharia Agronômica) a preservarem os eventos significativos de suas experiências. O livro traça o perfil de como está a UFS em termos de ensino de Graduação na entrada do novo milênio e, "de quebra", aponta e recolhe depoimentos importantes, já que alguns elementos da geração fundadora estão presentes, felizmente, para nos contar a história.
Mas, não esperem do livro um "maná" para todas as lacunas da história dos cursos na UFS. Deve-se ler o trabalho de forma compreensiva em relação às suas características, e a principal delas é a descompensação decorrente, é óbvio, da própria natureza coletiva e interdisciplinar da obra. A pluralidade a que me refiro está presente numa série de componentes, como: na formação acadêmica da autoria, constituída por físicos, cientistas sociais, biólogos etc.; na definição do objeto de trabalho, o curso, muitas vezes confundido com o departamento que lhe dá suporte; e nas formas de composição e estilo, variantes entre o sintético, o digressivo, o analítico, entre o matemático, o comedido e o “literário”. A diversidade também é expressa nos elementos selecionados como substanciais para cada texto. Nesse ponto as escolhas privilegiaram tanto o esforço dos professores pioneiros quanto a evolução da grade curricular, a formação do quadro docente, a inserção do curso na sociedade, os quadros e gráficos relativos a vagas, matrículas, diplomação, evasão, concorrência no vestibular etc.
Como não poderia deixar de ser, a idéia de produção historiográfica também mostra-se plural. As diferenças de concepção podem ser notadas na escolha dos atores da história; quem mais teria influenciado na trajetória de cada curso: professores, técnicos administrativos ou alunos? Os marcos temporais também flutuam. São elásticos o bastante para incluírem a década de 1920 ou o século XIX. Em outros casos, restringem-se à década de 1970 saltando, imediatamente, para o ano 1998. As fontes variam com o grau de acessibilidade e organização e até mesmo com a competência de cada autor em “dissecá-las”. Nos textos, predomina o depoimento oral em detrimento da documentação arquivística e bibliográfica. Em relação aos “motores da história”, a maioria é indiferente. Mas, há casos em que essa questão ganha um certo relevo, levando o leitor a se perguntar: o que determina a criação de um curso superior: a política do regime militar, a ideologia da igreja católica ou o voluntarismo de alguns professores ilustrados?
Talvez essa pluralidade responda também pela ausência da marca das organizadoras em alguns capítulos (questões como criação de curso, proposta original, evolução, corpos docente e discente, avaliação e inserção do curso na sociedade através do ensino, pesquisa e extensão). Mas essa diversidade é a mesma que já começa a sugerir um tipo ideal para uma próxima história de curso. É também através dela que se pode chegar a conhecer outros aspectos da UFS não estabelecidos no projeto original da obra, como a origem dos cursos de pós-graduação, a criação de alguns órgãos - o Hospital Universitário, o Biotério, o Museu de Antropologia - e o conhecimento de projetos vencidos, como a idéia de instalar o curso de Odontologia na cidade de Estância, a idéia de construir o HU na Cidade Universitária etc. Por esses tantos motivos, a História dos cursos de Graduação já é obra de referência sobre a história da UFS.
Os textos citados até aqui representam a tentativa de tornar inteligível a experiência de um verdadeiro "polvo" que não parou de crescer (felizmente) e mudar de cor nos últimos trinta e dois anos. Os problemas e métodos inerentes ao "como fazer" essa historiografia não foram e não serão resolvidos com a publicação de mais uma obra. Cada iniciativa desse tipo é bem vinda e só contribui para o refinamento dessa empresa que seria a síntese sobre a história da UFS. Para os "práticos" e céticos é importante a ressalva de que esse projeto não é irrelevante, já que a história vem sendo evocada na maioria dos discursos, em cada momento de decisão, ruptura ou aceleração dos destinos da instituição. A história da UFS vem sendo deglutida por força da autoridade ou da eloqüência dos evocadores, embora a sua narrativa nem sempre obedeça um certo tratamento científico.
Para contribuir com o debate, tendo por base os recentes acontecimentos -conflitos de identidade entre os professores e alunos do Campus, o Programa de Qualificação Docente, a defesa do processo democrático durante as eleições para Reitor, por exemplo -, sou levado a melhor compreender o processo histórico e, em seguida, reordenar posições teóricas em relação à questão. Para além das determinações de ordem estrutural (explicitadas por Luiz Eduardo Oliva) e dos condicionantes impostos pela conjuntura (presentes em alguns capítulos da obra coletiva), uma possível narrativa sobre a história da UFS deverá levar em conta o caráter historicista que vigorou na França no último quartel do século XIX e considerar com atenção os pequenos fatos, as pequenas causas e as determinações de ordem micropolítica (política no sentido weberiano). Talvez a historiografia da UFS possa ser pensada (e aqui não vai nenhuma consideração de ordem moral) mais em termos de pequenos ciúmes, secretos desejos, conflitos conjugais, rusgas de corredor e pequenas vinganças pessoais que em nível de determinações emanadas dos gabinetes de FHC, do FMI e do Banco Mundial. Mas essa é apenas uma possibilidade entre tantas outras oferecidas pelo ofício do historiador e pelo interesse de mais um "reclamante".
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Por uma história da UFS. Informe UFS, São Cristóvão, p. 4-5, 22 fev. 2001.
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