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sábado, 8 de novembro de 2014

II Seminário "Debates do Tempo Presente"

http://forspeak.com/isis-i-say-islamic-state/
Prezad@s colegas, 
O Grupo de Estudos do Tempo Presente, a Rede de Estudos do Tempo presente juntamente com os Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal de Sergipe comunicam que entre 19 de outubro e 16 de novembro de 2014 estarão abertas as inscrições para apresentação de trabalhos nos Simpósios Temáticos do II Seminário Debates do Tempo Presente: “Educação, Guerras, Extremismos”. O evento ocorrerá entre os dias 10 e 12 de dezembro na Universidade Federal de Pernambuco. 

SIMPÓSIOS TEMÁTICOS  

ST 01 - “História, Literatura e Arte” 
Cordel...de Rogério Fernandes
Coordenadores: 
Profa. Dra. Marizete Lucini (PPGED/GET/UFS)                            
Prof. Dr. Fábio Alves dos Santos (DED/UFS)

O simpósio temático História, Literatura e Arte propõe-se a acolher trabalhos que discutam aspectos da narrativa histórica e da narrativa de ficção como gêneros que comunicam experiências temporais. Nesse sentido, reflexões sobre romance, cordel, poesia, cinema, música, biografia e contos são aqui compreendidos para além de sua característica documental. Mais que documento, a literatura, o cinema, a poesia, o cordel, o conto, o romance e a música possibilitam ao leitor/ouvinte vivenciar diferentes experiências. Experiências que podem ser reinterpretadas, permitindo aos leitores/ouvintes estabelecerem relações de pertencimento e de identificação com os textos acessados, bem como permitem aos sujeitos do presente, habitar o passado e transformá-lo em memória. Memória que também o constitui como sujeito histórico no presente. Sujeito que se compõe a partir dos múltiplos agenciamentos de subjetividades experienciados nas diversas interações sociais que constituem sua singularidade. 

ST 02 -  “Produção e usos escolares da história do tempo presente”
Mandela e as crianças...
Coordenadores: 
Prof.Dr. Itamar Freitas (PPGED/Rede Tempo Brasil/GETUFS)                             
Prof.Dr. Lucas Victor Silva (Rede Tempo Brasil/UFRPE)                             
Prof.Dr. Francisco Egberto Melo (URCA) 

Este simpósio temático acolhe resultados de pesquisas que relacionem as expressões "tempo presente" e "usos da história", sobretudo em sua dimensão escolar. Aqui, reiteramos a nossa preocupação com as diferentes noções de presente, as formas de organização desse presente nos currículos, nos livros didáticos e na historiografia de síntese voltada para o público adulto que fundamenta, em grande medida, a historiografia consumida pelos alunos da escolarização básica no Brasil e no exterior. 

ST 03 - “História, Cinema & Tempo Presente”  
Câmera ... Stock
Coordenadores: Prof.Dr. José Maria Neto (UPE) 
Profa.Dra. Andreza S.C.Maynard (DCR-FAPITEC/GET/Pós-Doutoranda PPGH/UFRPE)  

Discutir as aplicações do cinema na formação da cultura histórica, buscando, assim, estabelecer diálogos entre a disciplina e a arte cinematográfica, e estabelecendo trilhas e percursos para a utilização do cinema como elemento para a compreensão da recepção das eras históricas e também para o ensino desta disciplina.    

ST 04 - “Educação Colonial, Catolicismo e Salazarismo” 
A. O. Salazar (1889-1970)
Coordenadores: 
Prof.Dra. Giselda Brito Silva (Rede Tempo Brasil/ PPGH/UFRPE)
Prof.Ms.Carlos André Silva de Moura (UNICAMP) 

Durante o período do salazarismo as produções historiográficas se esforçaram para legitimar as relações do regime com as colônias africanas, como justificativa de “civilizar o indígena”. Além da alfabetização, a ação defendia a constituição linguística em comum como condição para o desenvolvimento das colônias. A formação doutrinária da juventude também foi fundamental para a organização das instituições autoritárias, como a Mocidade Portuguesa e Legião Portuguesa, com a meta de educar “sob a medida das necessidades do regime”. No particular da educação da Juventude Salazarista aos interesses do império colonial, o Estado Novo contou particularmente com intelectuais e católicos militantes que circulavam entre Brasil e Portugal. Nossa proposta de simpósio temático é abrir um espaço de debate para os estudos das relações nos dois países, política e catolicismo e suas práticas no campo educativo. 

ST 05 - “História e Relações Internacionais: debates e problemas” 
Geografia política
Coordenação: 
Prof. Dr. Daniel Chaves (Unifap/Rede Tempo Brasil)  

Diante do consagrado encontro entre as áreas de conhecimento da História e das Relações Internacionais, o objetivo deste Simpósio Temático é o de promover encontros entre pesquisadores sêniores e jovens, suscitar perspectivas inovadoras e recensear debates clássicos entre tais áreas e campos de discussão. Tanto ao historiador quanto ao internacionalista, bem como profissionais de áreas contíguas - sociólogos, cientistas políticos, economistas, entre outros - tal encontro buscará promover um duplo movimento: o da contextualização de discussões globais, por um lado, e o da internacionalização das discussões  regionais e brasileiras, por outro, afinando tendências emergentes e estabelecidas. Não menos importante, temáticas contemporâneas em corte histórico como Defesa, Segurança, Cooperação e Mundialização encontrarão espaço para articulação e destaque para a comunidade acadêmica presente.  

ST 06 - Ensino de História do Tempo Presente 
Intolerância na escola
Coordenação:  
Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva (UFRJ/UCAM/Rede Tempo Brasil) 
Prof. Dr. Karl Schurster (PPGE- UFPE/ Rede Tempo Brasil) 

A grande questão sobre o papel da escola no ensino das ditaduras e regimes de ódio se coloca perante os insucessos ocorridos em países – como Alemanha, Itália, Áustria e Espanha – onde, malgrado a excelência das condições escolares, o ensino, os currículos e os recursos pedagógicos não foram suficientes para formar uma nova juventude crítica e desvinculada de brutais atos de racismo e de violência, simbólica e física, contra o outro. Nas ruas, nos estádios de futebol, nos bares e mesmo em ambientes de trabalho, multiplicam-se atos de racismo e de exclusão. Daí a relevância, crucial, dos estudos e de debates sobre o papel da escola e do ensino da história contemporânea, no tocante às ditaduras modernas e seu caráter de ódio ao outro e a questão central que se coloca: estamos nós mesmos, no Brasil, construindo recursos pedagógicos necessários para a construção de uma convivência, presente e futura, fraterna e despida dos tremendo efeitos nefastos do racismo e da negação do outro? Conseguiremos superar, debater criticamente, o que já foi denominado de fascínio, die Schöneschein, de uma cultura da violência e da rejeição ao outro nas nossas escolas? Claro está, que não apenas os currículos e instrumentos pedagógicos disponíveis para os professores, resolverão, de per si, tais questões. O próprio estado geral da educação básica no Brasil, com seu ônus nas séries iniciais de alfabetização, é um elemento de incapacitação crítica, um óbice ao processo educacional como ato emancipatório, como queria Anísio Teixeira. Assim, esse simpósio busca propostas de pesquisam que se debrucem sobre o ensino de história do tempo presente, suas variadas formas e possibilidades, procurando entender limites e desafios para essa área de conhecimento.  

ST 07 - Educabilidades políticas no tempo presente 
Col. Educação Política (1972)
Coordenadora:
Profa. Dra. Adriana Maria Paulo da Silva (PPGE/UFPE) 

Interessa-nos discutir as pesquisas a respeito das maneiras pelas quais os indivíduos e grupos têm operacionalizado intenções e propostas educativas, em ambientes escolares e não-escolares, tendo em vista a promoção de ações políticas (potencialmente transformadoras de alguma situação individual ou coletiva existente e/ou das ações sociais de grupos e/ou indivíduos) ou o fomento de estratégias de atuação política.    

ST 08 - História Digital: conceitos, fontes, métodos e experiências 
Coordenadores: 
Prof.Dr. Dilton C.S. Maynard (PPGED-UFS/Rede Tempo Brasil)                             
Profa.Ms. Anita Lucchesi (Rede Tempo Brasil) 

Este simpósio pretende congregar trabalhos que se dediquem a refletir sobre o estudo e a representação do passado a partir de novas tecnologias da comunicação, assim como a produção e a preservação de fontes digitais, considerando as potencialidades dos recursos digitais para a pesquisa e para o ensino da História. Esperamos colaborar para o debate sobre os desdobramentos da emergência dos registros digitais no ofício do historiador e sobre as transformações nas experiências de leitura, acompanhamento e argumentação em torno de questões históricas. 

ST 09 - História, Mídias e Tempo Presente 
Controle da mídia
Coordenadora:
Profa. Dra. Sônia Menezes (URCA/Rede Tempo Brasil) 

Este simpósio tem como objetivo refletir diferentes formas de escrita do passado na contemporaneidade: artes plásticas, séries e livros jornalísticos, séries de televisão, internet, novelas, materiais didáticos, documentários, jogos, fotografia, etc. Produtos que quase sempre se situam fora do campo científico da história e que se materializam em narrativas históricas de grande apelo social. Nossa intenção é abrir um espaço para trabalhos que investiguem tais produções e suas narrativas sobre o passado; pensar como estas interferem na compreensão histórica do nosso tempo.  

ORIENTAÇÕES GERAIS: 

ENVIO DE RESUMOS PARA OS SIMPÓSIOS TEMÁTICOS via debates@getempo.org 
As inscrições serão efetuadas mediante envio do resumo até 07 de novembro de 2014 para o e-mail debates@getempo.org. Confira as instruções abaixo: 

1. ATENÇÃO: O arquivo com o resumo deve ser enviado em formato doc ou docx (Word for Windows) e identificado da seguinte maneira: Nome e sobrenome do AUTOR e do CO-AUTOR (se houver)_CÓDIGO DO SIMPÓSIO. Ex: JULIA ASSAD e EDUARDO DENNIS_ST01 

O arquivo deverá conter: 
2. Título do Trabalho em caixa alta, destacado em negrito, centralizado. 
3. Nome do autor e co-autor (se houver), destacado em negrito. 
4. Informações sobre o autor e co-autor (se houver): curso, instituição de fomento, e- mail. 
5. Será aceito apenas um trabalho em co-autoria. 
6. Nome e titulação do orientador e departamento ao qual pertencem, destacado em negrito. 
7. Simpósio selecionado (a indicação de um segundo simpósio temático, em caso de não aprovação no primeiro, é opcional).
 8. O resumo virá abaixo deste cabeçalho e deve possuir de 600 a 1000 caracteres com espaçamento, contando ainda com três palavras-chave.  

Os trabalhos serão avaliados pelo Comitê Científico do Seminário com base nos seguintes critérios:  a) Relevância e pertinência do trabalho;  b) Consistência na argumentação;  c) Respeito às normas de formatação estabelecidas pela Organização do evento Os trabalhos que não atenderem aos critérios acima serão AUTOMATICAMENTE EXCLUÍDOS.  

Os trabalhos aprovados serão divulgados em 16 de novembro de 2014 através do site do evento: http://debates.getempo.org   

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DOS TRABALHOS COMPLETOS: 

Os trabalhos completos, juntamente com os comprovantes de depósito digitalizados, deverão ser enviados entre 17 e 26 de novembro para o e-mail debates@getempo.org, obedecendo às seguintes normas:Cabeçalho: Título do Trabalho em caixa alta, destacado em negrito, centralizado; nome do autor e co-autor (se houver), destacado em negrito; informações sobre o autor e co-autor (se houver): curso, instituição de fomento e e-mail; nome e titulação do orientador e departamento ao qual pertence, destacado em negrito. Simpósio temático selecionado. O trabalho deve possuir de 8 a 12 páginas, fonte Times New Roman, letra tamanho 12, espaçamento 1,5, formatação justificada.O sistema de citações será o AUTOR-DATA. As citações deverão ser indicadas no texto, informando o sobrenome do(s) autor(es) mencionados, na sequência (AUTOR, ano, página). Notas de rodapé poderão ser utilizadas apenas em caráter explicativo. 

PAGAMENTO: valor único R$ 25,00 

CONTA PARA DEPÓSITO IDENTIFICADO: Banco do Brasil Agência: 0673-4 Conta corrente: 44.103-1 ALANA DE MORAES LEITE

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Didática da história entre filósofos e historiadores (1690-1907): primeiras palavras


Colegas, boa tarde! Um curso intitulado “Didática da história entre filósofos e historiadores (1690-1907)” merece uma justificativa inicial. Em primeiro lugar, didática da história conserva, aqui, o sentido instrumental (simples e amplo) de conjunto de conhecimentos, habilidades e valores empregados na formação histórica de pessoas em idade escolar. A escolha pelos filósofos e historiadores tem uma razão lógica. Quem primeiro pensou os usos da história na formação de pessoas foram os filósofos que se debruçavam sobre todo tipo de problema físico e metafísico, isso antes que os saberes científicos, sobretudo na universidade, no século XIX, se constituíssem como corpos autônomos, inclusive a história.
Foi somente em meados do século XIX começaram a aparecer os primeiros manuais que codificavam tanto o chamado método histórico – método crítico ou, ainda, método da crítica histórica ou crítica documental. À mesma época, difundiram-se as formas de transmitir ou fazer adquirir o resultado da pesquisa histórica em formado de currículos e livros escolares, em sala de aula ou em regime preceptorial, sob os mais diversos interesses, entre os quais destaco a formação do súdito ou do cidadão (sob os regimes monárquico ou republicano), em estados democráticos ou ditatoriais.

Por que ler autores de tempos e espaços tão díspares?
A escolha por autores com vivência na Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos e Inglaterra está fundada em questões lógicas, mas guarda justificativas relacionadas aos nossos modos de ensinar história hoje, na escolarização básica, nos ensinos fundamental e médio no Brasil, nas middle e high school estadunidenses ou nos colégios e liceus franceses, por exemplo.
As nossas pesquisas, aqui na Universidade de Brasília, inclusive, indicam que as didáticas da história – os modos científicos de empregar o conhecimento histórico na formação de pessoas imaturas – foram criadas na passagem do século XIX para o século XX, em vários países do Ocidente e quase que concomitantemente. Da mesma forma, junto aos pesquisadores com os quais atuamos, a professora Margarida Oliveira, por exemplo, desconfiamos da excessiva centralidade concedida aos anos 1980, no Brasil, acerca da inovação no que diz respeito ao ensino de história.
Retroagindo ao início do século passado e, bem mais para trás, percebemos que tais inovações - às vezes, significadas como didáticas da história -  são frutos de mudanças de ideias orientadoras, da filosofia da história, psicologia educacional para a história (desprovida, esta, em grande parte, das especulações metafísicas criadas, majoritariamente, no período circunscrito entre os séculos XVI e XIX.
Dizendo de outro modo, as didáticas da história, inicialmente, baseiam suas estratégias e propósitos em princípios epistemológicos de fundo dominantemente empirista (nos casos de J. Locke e F. Herbart) e empirista/evolucionista (J. Dewey). No início do século XX, tais suportes são, em parte, substituídos por uma epistemologia histórica, ainda empirista, embora não positivista (R. Altamira e C. Seignobos), que privilegia o método histórico ou as operações processuais da pesquisa e (com menor ênfase)  da escrita da história, procedimentos (sobretudo os primeiros) que teriam fundamentado e legitimado a história como ciência até o início do século XXI.  
Outra razão também nos estimula a reler os autores desse tempo onde a história não havia alçado à categoria de ciência universitária: as permanências de algumas ideias e procedimentos formulados ou sugeridos por Locke, Herbart e Dewey, sobretudo.
Somente para estimulá-los a rememorar as suas próprias experiências discente e/ou docente, como também a ler e apreciar os textos e vídeos arrolados na bibliografia deste curso, saibam que ao privelegiarmos o exercício de determinada habilidade – a memória, por exemplo –, mediante a repetição, a cópia e a transferência de informação para um outro colega, no ensino de história, estamos empregando princípios cunhados há, no mínimo, 300 anos, que fazem parte das lições de Locke, preparadas para a educação no cavalheiro inglês.
Da mesma forma, quando afirmamos que as crianças encantam-se com histórias fantásticas, narrativas mitológicas e a experiência de seres com superpoderes porque a cosmogonia da primeira fase da história da humanidade (da pré-história à antiguidade) foi construída sobre tais parâmetros, estamos utilizando os pressupostos de Herbart.
Quando afirmamos, peremptoriamente, que aprender é resolver problemas numa dada situação cotidiana enfrentada pelo aluno com as habilidades de pensamento desenvolvidas na escola, e a partir do método experimental – problematizar a realidade, elaborar e testar hipóteses, produzir uma resposta a partir do relativo consenso do grupo –, estamos trabalhando com as assertivas de Dewey.
Por fim, quando defendemos ardorosamente que ensinar história é induzir o aluno a pensar historicamente ou – como fazem alguns renomados pesquisadores alemães, canadenses, estadunidenses, ingleses, australianos, espanhóis, argentinos, uruguaios e brasileiros, por exemplo – “ler" ou "pensar" como historiador” –, estamos lançando mão dos princípios difundidos por Altamira e Seignobos.
Enfim, é por esses motivos que selecionamos tais autores. Foi para evitar que “reinventemos a roda” – que repitamos equívocos já cometidos pelos filósofos e historiadores de então ou que não tomemos nossas “descobertas” como inovações originais, a exemplo da corrente noção de "alfabetização histórica" – que propusemos a leitura de alguns dos seus textos.
Foi também para ampliar o conhecimento que nos legaram, combiná-lo ao conhecimento disponibilizado, nos livros, na fala dos professores na universidade e, sobretudo na Internet que iniciamos este curso com uma série de vídeos de domínio público que informam sobre recentes teses acerca da natureza do pensamento e, de modo estrito, do pensar historicamente, temas abordados pelos autores referidos.
Por fim, uma lembrança: a pergunta "o que é pensar historicamente?", dirigida aos autores aqui referidos, é anacrônica, evidentemente. Mas, já escreveu Bloch, sem anacronismos não se avança na pesquisa histórica, ou seja, não se inventa, não se cria não se reinterpreta o passado. E o passado que queremos explorar é o dos usos da história na formação de pessoas em uma duração conjuntural, é o das prescrições metodológicas, enfim, da transferência do bastão da filosofia para a história sobre os modos de modos de alfabetizar historicamente ou, numa sentença bem conhecida contemporaneamente, dos modos de potencializar as operações que possibilitam a orientação das pessoas na vida prática. 

Sejam bem vindos!

A mente é um produto do cérebro?


Tempo, sentimento e memória em Samba de um minuto, com Roberta Sá.
Até a próxima aula.


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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Tempo presente e livro didático de história

O tempo presente francês. Vinheta da página inicial do site do Institut d'histoire du temps présent - IHTP.
A noção de história do presente se constituiu e se consolidou como campo de pesquisa histórica apenas na segunda metade do século XX, embora comumente remontemos aos gregos o interesse dos historiadores pelos acontecimentos do seu tempo. A criação em 1978 do Institut d’histoire du temps présent na França (IHTP), referência internacional na reflexão sobre as possibilidades de historicização do “vivido”, representou passo importante em direção a institucionalização desse campo de pesquisa.
Apesar das reticências enfrentadas relacionadas a questões de ordem metodológica (Que fontes utilizar? Como fazer sua critica?); de como lidar com a inserção do historiador no tempo narrado; de cronologia (Quando começa e quando termina?) e de definição conceitual (História do presente, história do tempo presente, história próxima ou história imediata? Quais as diferenças?), aos poucos as interdições impostas à abordagem do coetâneo pelo século XIX foram superadas.
A história praticada na segunda metade do século XX, especialmente a partir dos anos 1970, é um dos fatores que explicam essa virada. A chamada renovação historiográfica, conduzindo à quebra dos paradigmas da história e proporcionando o interesse dos historiadores pelas mentalidades, pelo político e cultural, por novos sujeitos (mulheres, negros, índígenas etc) e novas fontes, contribuiu para a legitimidade desse campo de investigação. Além dessa motivação acadêmica, podemos acrescentar: a aceleração do tempo vivido provocando rápidas transformações ao longo da segunda metade do século passado e início do XXI; o papel que tem exercido e o lugar que tem ocupado os meios de comunicação no mundo contemporâneo e as demandas, pressões sociais surgidas em meio às efemeridades que têm marcado o atual regime de historicidade, definido por Hartog como presentista (2010).
Todos esses fatores permitiram a revisão de uma das premissas metodológicas para a escrita científica da história tão cara aos especialistas do XIX e questionada por aqueles que no século subsequente enveredaram com insistência na abordagem do presente: a exigência de distanciamento temporal do historiador para com seu objeto. Nessa nova configuração, o historiador agora é chamado para prestar contas também do presente, a contribuir para a construção de explicações para os acontecimentos atuais, para as questões étnicas, religiosas, econômicas, tecnológicas, políticas, sociais e culturais que têm surgido ou ressurgido nas sociedades contemporâneas e provocado aceleradas transformações.
A sedimentação da história do presente traz consigo também uma função social. Nascida a partir de demandas das sociedades contemporâneas (CHAUVEAU & TÉTART, 1999), podemos afirmar que ela é fundamental para a “constituição do sentido da experiência do tempo”, para a orientação da vida prática (RÜSEN, 2001) Entre os que se dedicam a investigar o presente, parece ser consenso que construir uma reflexão histórica sobre o vivido contribui para combater os efeitos do presentismo que, de acordo com Hartog (2010), caracteriza-se pelo “expansionismo do presente”, por sua valorização exacerbada prensando as pessoas entre um passado que parece muito distante e que corre o risco de cair no esquecimento e um futuro dominado pela incerteza.
As palavras de Rioux expressam bem essa preocupação:
Como não sentir [...] que uma reflexão histórica sobre o presente pode ajudar as gerações que crescem a combater a atemporalidade contemporânea, a medir o pleno efeito destas fontes originais, sonoras e em imagens, que as mídias fabricam, a relativizar o hino à novidade tão comumente entoado, a se desfazer desse imediatismo vivido que aprisiona a consciência histórica como a folha de plástico ‘protege’ no congelador um alimento que não se consome? (1999, p.46)
Utilizada inicialmente para se diferenciar do contemporâneo, entendido como período/época histórica, aos poucos os acadêmicos foram dando à expressão, história do tempo presente, contornos definidos. Metodologia, fontes, definição conceitual e a questão da presença do historiador no tempo narrado foram as questões que nortearam as discussões com o objetivo de retirar as desconfianças que desde os oitocentos impediam converter o presente em historiografia acadêmica. O argumento predominante, de forma geral, é que as mesmas regras que normatizam a produção do conhecimento histórico relativo às outras temporalidades são as mesmas para o tempo vivido (BERNSTEIN; MILZA, 1999). Os objetos também se diversificaram bastante, do foco do político passamos para temáticas que dizem respeito ao social, econômico e cultural.
Mas apesar de superadas as interdições à historicização do presente, duas grandes dificuldades ainda permanecem na discussão sobre a natureza dessa história. A primeira é de ordem conceitual. Na grande maioria dos textos em que a questão é abordada, a expressão é empregada sem que haja uma preocupação com sua conceituação (história do presente, história do tempo presente, história próxima, história recente) – algumas vezes encontramos a utilização de mais de uma delas numa mesma obra. De difícil precisão, ela tem sido muito mais caracterizada por aquilo que não é, ou do que não trata[1].
Outro elemento de discordância gira em torno de qual seria a matriz do tempo presente. Enquanto alguns trabalham com a baliza do pós Segunda Guerra Mundial, outros delimitam 1989 – que representa o fim do socialismo real com a queda do muro de Berlim- como o marco do tempo presente. Na base dessa dificuldade está, certamente, uma das características próprias dessa história, o de seus limites temporais serem permanentemente móveis (AROSTEGUI, 2004; ROUSSO, 2007), descartando, dessa forma, a possibilidade de ser entendida/confundida como um período ou sub-período da história. Nesse sentido, teríamos para cada experiência nacional ou continental uma demarcação particular referenciada em algum acontecimento traumático.
Mas na historiografia didática, como o tempo presente é abordado? Sabemos que a incorporação de eventos próximos à experiência dos alunos ocorre desde o século XIX, com a constituição da chamada história contemporânea. Como então o livro didático, que tem procurado acompanhar as novas demandas epistemológicas da ciência de referência, educacionais e sociais que vem se apresentando em nossa sociedade desde finais do século passado, leva essa discussão para seu interior? Há uma reflexão sobre esse campo? Que marco cronológico é utilizado? O que do tempo presente é abordado? Quais seus usos no ensino?

O tempo presente no livro História: série novo ensino médio e em História em foco de Divalte Garcia Figueira
História: série novo ensino médio, volume único, foi lançado em 2002 e reeditado em 2003, 2010 e 2011. Apresenta proposta curricular “integrada”, organizando os conhecimentos factuais, conceituais e procedimentais em ordem cronológica no conhecido quádruplo história antiga, média, moderna e contemporânea. A mesma organização orienta História em foco (2011), também destinada ao ensino médio, mas disposta em três volumes.
As obras foram escolhidas por sua regularidade de circulação ao longo da última década, como também pela legitimidade reivindicada pelo autor no campo da pesquisa histórica e do ensino de história para a escolarização básica. É a própria editora Ática (detentora dos direitos autorais) quem divulga na página de créditos: Divalte Figueira é mestre em História pela USP, professor de história do ensino médio e autor de Cidades históricas e o barroco mineiro (2000) e Soldados e negociantes na Guerra do Paraguai (2001).
Para examinar a presença de referências ao tempo presente na obra (definições, marcos temporais, usos no ensino, níveis de experiência humana abordados) optamos por selecionar alguns indicadores que poderiam incorporar algumas das discussões acima. Nossa hipótese é que as possibilidades podem situar-se: 1. nos elementos pré-textuais (apresentação e sumário) 2. nos textos principais referentes à introdução à história; 3. nos textos principais e respectivos exercícios que apresentam a experiência contemporânea (com ênfase na experiência brasileira); 4. em sessões específicas que exploram o desenvolvimento de habilidades de relacionar passado/presente, distribuídas por toda obra; 5. nas instruções metodológicas disponibilizadas no manual do professor. Vejamos, agora, os resultados.

Posse de Fernando Collor de Melo como presidente da República: início do presente da história do Brasil.

Indícios do tempo presente nos elementos pré-textuais
De início, questionemos: a que se destina o livro, quais são os seus objetivos? Aqui, nos elementos pré-textuais, é possível identificar preocupações com a experiência do presente mediante o emprego de alguns vocábulos indiciários. Em 2002, os editores atribuem à obra a tarefa de auxiliar o aluno a “enfrentar as exigências de um mundo cada vez mais globalizado”, atendendo às prescrições legais para o ensino médio. No ano seguinte, surge o “vestibular” como preocupação, além da intenção de contribuir para a “formação cidadã” do aluno. Em 2010, a formação cidadã permanece, acompanhada da vantagem de fornecer “os acontecimentos e processos mais importantes da história”. Na primeira edição da História em foco (e última versão da história escolar para o ensino médio produzida por Divalte Figueiras), por fim, é a realização das “provas do Enem e dos vestibulares mais exigentes” que norteia as intenções da autoria. Aqui também os “processos importantes” ou o “tudo sobre a história geral e do Brasil”, presentes nas edições de 2003 e 2010, é substituído pela compreensão dos “acontecimentos” e “processos históricos mais importantes” (Cf. FIGUEIRA, 2002, p. 3, 2003, p. 3, 2010, p. 3, 2011, p. 3).
Logo na apresentação os livros destacam o “governo Lula” e a “globalização”, o mundo “globalizado”. Também informam sobre a sessão “Leitura e debate”, cujo objetivo é desenvolver a habilidade de relacionar “o estudo da história” e a “vida concreta” do aluno (FIGUEIRA, 2003, p. 3). Mas é no sumário que os indícios são mais robustos. Em ordem cronológica das edições, constatamos o destaque para a experiência brasileira como último tópico em todos títulos analisados: “O Brasil de hoje” e “Brasil: a construção do futuro” (nas três edições seguintes). Examinemos, então, o lugar do “hoje” e da “construção do futuro” no conjunto da obra, focando unidades/capítulos que exploram a experiência brasileira, já que os títulos de Figueira destinados ao ensino médio não reservam tópicos para temática da introdução à história.

Conhecimentos e habilidades sobre o “hoje” e o “futuro”
De início, vejamos o lugar do contemporâneo nas obras de Figueira. Como podem acompanhar pela tabela n. 1, o período que se inicia com a Revolução Francesa mantém o espaço nas três edições de História: série novo ensino médio. São 54% do espaço em páginas, restando 46% para todas as outras “idades”. Concluímos então que o contemporâneo é majoritário. No título História em foco, entretanto, esse domínio cai para 35%. A explicação para essa mudança nos parece bastante simples. A distribuição em três volumes (o História: série novo ensino médio é volume único), obriga a uma adequação entre a distribuição de páginas e a distribuição dos conhecimentos/períodos pelos três anos do ensino médio.
Quanto ao espaço ocupado pela experiência brasileira – a que se refere ao “hoje” e ao “futuro” –, observamos idêntica constância nos volumes de História: série novo ensino médio e a ampliação em História em foco (apesar de o espaço contemporâneo ter diminuído em relação à edição volume único). Isso nos leva à conclusão de que maior espaço em volumes e páginas significa maior espaço em páginas para a experiência brasileira, tanto nas páginas do contemporâneo quanto nas páginas do Brasil “hoje”, como demonstrado na tabela 2.
Constatamos, então, a hegemonia do contemporâneo na obra de Figueira e a ampliação do espaço concedido à experiência brasileira e contemporânea quando os conteúdos são distribuídos em três volumes. Mas, qual a natureza desse contemporâneo e da experiência do “hoje” brasileiro?
Ambos os títulos conservam idênticos conteúdos factuais, conceituais e procedimentais. O contemporâneo encerra, por exemplo, os acontecimentos da revolução francesa, independências na América (inclusa a do Brasil), Brasil império, Brasil república, guerras mundiais, guerra fria e globalização. As variações ficam por conta dos títulos das unidades: “um mundo bipolar” transforma-se em “A terra dividida” (relativo à guerra fria), “Sob o domínio do capital” transforma-se em “O domínio da burguesia” e assim por diante.
Em relação à experiência brasileira, a escrita se repete, ou seja, são modificados os títulos de algumas unidades. “Rumo ao terceiro milênio”, por exemplo, (em virtude do esgotamento do novo milênio como novidade), passa a chamar-se, nas três edições seguintes, “Ricos e pobres no mundo globalizado”. O mesmo ocorre com o tópico referente ao Brasil: “Brasil de hoje”, no exemplar de 2002, é substituído por “Brasil: a construção do futuro”.
Por fim, o sentido de “hoje”. Trata-se de um conjunto de acontecimentos de caráter político e econômico que incluem a experiência dos governos Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula. Como vemos, “hoje” é um conjunto de acontecimentos decorrentes da ação do Estado (políticas públicas, política exterior), das mudanças promovidas pela sociedade civil (escolhas eleitorais, demandas por políticas públicas) e, em menor grau, de desdobramentos de crises econômicas e políticas ocorridas em outras partes do mundo. Dizendo de outro modo, não é tanto a derrocada do socialismo real que marca a experiência inicial do presente (o “hoje”) do Brasil, quanto as vicissitudes da política interna local (corrupção, impeachement etc.).
Um dado também importante, que denuncia a natureza do “hoje”, é a distância entre o tempo vivido pelo historiador (o tempo do encerramento da produção do livro didático) e o tempo narrado (os acontecimentos referidos na obra). Podemos constatar que essa diferença é mínima, ainda que desigual.
Pela tabela 3, é fácil constatar que o “hoje”, nos conhecimentos factuais e conceituais relativos à experiência brasileira, é um tempo que se inicia com os acontecimentos destacados da administração Collor de Melo e encerra-se com os fatos do mesmo gênero, relativos ao governo em vigor, coincidentes (ou distantes em até três anos) em relação ao tempo vivido pelo autor/editor. Em outras palavras, o hoje “brasileiro” não se apresenta como escala móvel, já que possui um ponto de partida que não se modifica (o governo Collor), indicando a provável consolidação de um novo período para a história do Brasil.
Por outro lado (cruzando os dados das tabelas 2 e 3), é também fácil verificar que a experiência narrada se expande, mas o número de páginas se conserva (ao menos no título que reúne três edições – História: série novo ensino médio). Como isso é possível? Ora, o ajuste é bastante simples. Na edição de 2002, os conhecimentos referem-se, obviamente, às épocas de Fernando Collor, Itamar Franco (que não ganha espaço em separado) e FHC. No ano seguinte, com a eleição de Lula, o autor/editor exclui textos que narram a experiência desses três personagens para tratar do novo governo. Na edição seguinte (2010), os espaços de Collor/Itamar parecem consolidar-se. FHC, ao contrário, perde ainda mais “território” e o governo Lula ganha mais três páginas[2]. Essa prática de adequar o espaço ao tempo, rendendo maior espaço ao recente ou recentíssimo, pode configurar a escrita da história didática como uma espécie de historiografia aditiva, tal como a descreve Reinhart Koselleck  (Cf. 2006, p. 276), demonstrando uma preocupação mercadológica e acadêmica (que é também mercadológica): atualização historiográfica (efetuada mediante fontes jornalistas, sobretudo).
O “hoje” e também o “futuro” são abordados nos exercícios sobre os conhecimentos referentes aos últimos textos citados que tratam da experiência brasileira. Os enunciados são mantidos, com poucas alterações entre os quatro exemplares examinados.

Análise
2. Os últimos dez anos da história econômica brasileira foram marcados por intenso processo de privatização e de abertura do mercado ao capital estrangeiro. Reúna-se com um grupo de colegas e discutam as consequências dessa política para o futuro do Brasil
Trabalhando o contexto
4. Reúna-se com um grupo de colegas e discutam quais são os principais problemas do Brasil hoje. Depois, preparem um seminário sobre o tema e apresentem para a classe.
Síntese
Forme um grupo com seus colegas e elaborem uma redação sobre o Brasil no ano 2050. Não se esqueçam de levar em conta o cenário mundial e os problemas discutidos durante os seminários da classe (FIGUEIRAS, 2002, p. 425).
Ampliando o conhecimento
Como está hoje o movimento estudantil? Quais são suas bandeiras? O que informam as páginas da UNE, da UEE e de outras organizações estudantis na internet? (FIGUEIRAS, 2011, p. 251, v. 3).
O “hoje”, nos exercícios, portanto, significa um presente relacionado ao ano de uso do livro didático com abrangência subjetiva em termos de níveis de experiência humana. O mesmo se pode dizer a respeito do “futuro”, posto em relação aos acontecimentos dos últimos dez anos. Quanto ao futuro situado em 2050, fica a questão aberta sobre a utilidade/finalidade dessa questão para o aprendizado histórico mediante o uso do livro didático.

O presente como desenvolvedor de habilidades
Pelo último exemplo do tópico anterior, é fácil perceber que os exercícios constituem uma seção do livro didático. Da mesma forma, está claro que essa seção tem o objetivo de auxiliar no desenvolvimento de determinadas habilidades (no caso, analisar, contextualizar, sintetizar e ampliar o conhecimento). Seções, portanto, podem ser definidas como “os constituintes do menor segmento orgânico do livro didático, isto é, a menor parte da obra que pode ser lida e compreendida autonomamente” (FREITAS, 2010) e que tem a finalidade de explorar a capacidade de retensão e de compreensão dos conteúdos substantivos, como também, de desenvolver procedimentos caros à pesquisa histórica. Em que medida, então, as referências ao presente poderiam subsidiar o cumprimento dos objetivos nas seções dos livros aqui examinados?
As seções mais significativas para o nosso estudo são as “Atividades de final de capítulo”, que estão subdivididas em “Para sistematizar o estudo” e “Leitura e debate”. A primeira explora cinco habilidades: relacionar conteúdos, leitura e interpretação, contextualização, integrar diferentes disciplinas e ampliar o conhecimento. A segunda, como o próprio título anuncia, explora as habilidades de leitura e discussão. A maioria delas, evidentemente, não foi planejada para explorar a relação passado/presente, trabalho específico das subseções “Trabalhando o contexto” e uma das tarefas de “Leitura e debate”.
“Trabalhando o contexto” está presente em todos os títulos e exemplares analisados, mas não é seção fixa. Os enunciados também mantém a estrutura, mas nem todos promovem o relacionamento passado/presente, como nos exemplos que se seguem:
No século XIX, o socialismo resumia as esperanças das classes trabalhadoras de conquistar um mundo com menores desigualdades sociais. Ao longo do século XX, em várias regiões do mundo, os socialistas conquistaram o poder. Faça uma pesquisa para saber qual a situação do socialismo no mundo (FIGUEIRAS, 2003, p. 56. Grifos nossos).
Faça uma pesquisa sobre o papel da Igreja Católica no mundo ocidental atualmente. Destaque ações que podem ser consideradas positivas e aquelas que têm sido objeto de crítica (FIGUEIRAS, 2011, p. 133, v. 1).
Tibério e Caio Graco pereceram na luta pela reforma agrária. Explique por que, tanto na Roma antiga como nos nossos dias, no Brasil, a luta pela terra tem sido acompanhada de violência (FIGUEIRAS, 2010, p. 62).
No Egito antigo, o faraó concentrava todo o poder, comandando a religião, os exércitos, a economia etc. Em grande parte, esse poder estava fundamentado na crença de que ele era um deus. Escreva um texto comparando o poder do faraó no Egito Antigo e o poder dos governantes brasileiros nos dias de hoje (FIGUEIRAS, 2002, p. 23).
“Leitura e debate” é subseção fixa, também presente em todos os títulos, exemplares e volumes analisados. Acompanhemos os exemplos:
Apesar das leis de proteção às crianças existentes em nossos dias, ainda é possível encontrar casos de exploração do trabalho infantil. Com seus colegas de grupo, faça uma pesquisa para descobrir qual a situação do trabalho infantil atualmente no Brasil. Depois, escrevam um pequeno relatório sobre o assunto (FIGUEIRAS, 2010, P. 36).
Hoje, no Brasil, o poder é exercido por um presidente eleito pela população para governar por quatro anos. Compare o sistema defendido por Bossuet e o que vigora hoje no Brasil (FIGUEIRAS, 2002, p. 32).
Discuta com seus colegas e escreva um texto comentando a importância que têm para nossa vida as revoluções [de 1830 e 1848] e as ideias estudadas neste capítulo (FIGUEIRAS, 2003, p. 56).
A crença difundida pelos hebreus influenciou muitas sociedades. Identifique no texto alguns preceitos que fazem parte de nossa sociedade atual (FIGUEIRAS, 2011, p. 53, v. 1).
Se não identificássemos os exemplos – como pertencente a uma ou outra subseção – dificilmente poderíamos estabelecer diferenças. A “situação”, o “papel”, o modo, o “poder”, o “sistema”, a “importância”, a presença, etc. são termos comuns que identificam conhecimentos demandados aos alunos e indicam, apenas, que o presente, nesses casos, não é objeto de cognição. O “atualmente”, “nos nossos dias”, “nos dias de hoje”, “que vigora hoje”, “para a nossa vida”, “que fazem parte de nossa sociedade” são demarcadores temporais, certamente. Mas tal presente aparece como resultado de um longo processo, ou seja, a existência do presente justifica-se pela existência de vários passados. Essa função é melhor compreendida a partir dos resultados colhidos junto ao manual do professor.

O presente no manual do professor
O texto que apresenta a obra e fornece instruções de uso – o manual do professor – está encartado, apenas, nos títulos de 2002 e 2011. Marcos inicial e final, entretanto, fornecem ricas informações sobre mudanças e permanências no projeto pedagógico e historiográfico.
Aqui também o presente é referido com todo o seu campo semântico: “atualidade”, “realidade do aluno”, contemporâneo etc. Mas os sentidos e as funções concentram-se em dois polos, como indicam as citações seguintes:
A proposta que está orientando a reforma do ensino médio insiste na necessidade de se enfatizar a realidade do aluno. Espera-se, por exemplo, que o professor dê menos importância à memorização e que valorize o raciocínio e o espírito crítico. Em vez de apresentar um conhecimento pronto, como se fosse definitivo, o educador precisa estimular a capacidade do aluno de aprender, de descobrir e de resolver problemas, levando sempre em consideração o seu conhecimento prévio [...].
O professor deve reconhecer a importância da contextualização dos conteúdos vistos. Para nós, isso significa ensinar que a história está relacionada com o presente e com a vida do aluno. Em outras palavras, significa que o mundo contemporâneo pode ser interpretado a partir de uma perspectiva histórica (FIGUEIRAS, 2002, Manual do professor, p. 3).
Como podemos constatar, o primeiro sentido (expresso na primeira citação) é de caráter estritamente pedagógico e lembra (embora não explicite) as assertivas da aprendizagem cognitiva verbal significativa, desenvolvida nos Estados Unidos, inicialmente por David Ausubel. O segundo é de caráter estritamente historiográfico e lembra (embora também não explicite) a urgência, no ensino, do conceito de historicidade – caráter de ser histórico, inclusive a realidade vivenciada pelo aluno –, que pode afastar a ideia (nociva), sedimentada no senso comum do aluno, de que a ciência da história estuda o passado em si mesmo.
Trata-se de um casamento bastante conveniente entre teoria da aprendizagem e teoria da história, que legitima a obra perante as prescrições estatais para a educação. Do ponto de vista teórico, entretanto, o casamento apresenta fragilidades. Se entendermos “contextualizar” como fornecer referências em termos de sujeitos, ideias, espaço e tempo para que os alunos compreendam (para que lhe sejam significativos) os conhecimentos apresentados, podemos concluir que o presente está fora do livro didático, uma vez que é referido como “realidade do aluno” e, como tal, é extremamente subjetiva. As atividades citadas no tópico anterior alimentam a conclusão de que o livro didático apresenta-se como um estudo do passado para que o aluno conheça as causas da sua situação atual. A historicização experimentada refere-se ao presente do aluno e não a um presente resultante do trabalho do historiador.
No manual do professor produzido para a edição de 2011, o projeto pedagógico não é modificado e reforça a sua dependência em relação aos “eixos cognitivos definidos na matriz de Referência para o Enem 2009” (FIGUEIRAS, 2001, Manual do Professor, p. 4-5). Aqui, é ainda mais explícito e, consequentemente, segundo o raciocínio que estamos desenvolvendo, ainda mais contraditória a oferta de atividades e a abordagem do presente. Ele informa ser “recomendável que o professor, ao iniciar um novo assunto, comece sempre pelo presente e, a partir daí, faça uma ligação com o passado” (FIGUEIRAS, 2011, Manual do professor, p. 5). O que vemos no livro é o contrário. O presente do aluno é discutido em atividades ao final do capítulo, indicando, portanto, que mesmo em termos pedagógicos a relação é prejudicada, uma vez que o procedimento indicado fica na alçada do professor.

Conclusões
Percebemos, então, que a preocupação em incorporar ao livro didático a experiência do presente é apresentada em seus elementos pré-textuais. Ajudar o aluno a enfrentar o mundo globalizado, relacionar sua vida à história e formar para a cidadania são indícios desse esforço. O próprio sumário, ao colocar como último tópico de discussão o “Brasil de hoje” (2002) ou “Brasil: a construção do futuro” também exemplifica tal tentativa.
Apesar disso, no entanto, Divalte não utiliza a noção de história do presente. Trabalhando com a clássica divisão quadripartite da história, os acontecimentos/temas históricos compõem uma sequencia que parte da Pré-História ao contemporâneo. Mesmo que insinuado, uma diferença temporal em relação a esse último período da história não é discutido explicitamente. Tópicos como “Brasil de hoje” ou “Rumo ao terceiro milênio”, por exemplo, que incluem a experiência dos governos Sarney a Lula em todos os livros e edições, foram assim nomeados sem que uma justificativa para tal recorte e discussão conceitual tenha sido feita.
O que constatamos, portanto, é que as discussões da historiografia sobre o tempo presente, enquanto campo de investigação histórica, não aparecem no material analisado. Seja nos elementos pré-textuais, nos exercícios ou no manual do professor, o presente, lugar de onde se parte para a compreensão do passado e historicização da realidade do aluno, e que vem atender a uma exigência historiográfica e pedagógica, é o que prevalece. Abordar o passado a partir do presente, no entanto, não significa a realização de uma história do presente. Tal prática, que não apresenta definições, funções, ou balizas cronológicas justificadas conceitualmente, está muito mais próxima da historiografia aditiva referida por Koselleck, (do hábito de registrar os acontecimentos contemporâneos ao historiador) em voga há, pelo menos quatrocentos anos, ainda que a construção dos livros analisados não mais ocorra dentro da compreensão do tempo como fenômeno estático e de uma história como mestra da vida.
Posse de Dilma Rousseff como presidente da República: fim do presente da história do Brasil.

Para citar este texto:
SEMEÃO, Jane, FREITAS, Itamar. Tempo presente e historiografia didática: possibilidades de pesquisa com livros de história destinados ao ensino médio (2002/2012). SEMINÁRIO VISÕES DO MUNDO CONTEMPORÂNEO: “AS ESTAÇÕES DA HISTÓRIA – DO INVERNO RUSSO À PRIMAVERA ÁRABE”, 2. São Cristóvão. Anais... São Cristóvão: Grupo de Estudos do Tempo Presente/Universidade Federal de Sergipe, 2012. 1 CD-ROM. Disponível em: < http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/06/tempo-presente-e-livro-didatico.html>.

Fonte das imagens:
Posse de Fernando Collor de Melo. Disponível em: <www.saraiva13.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Fernando Collor de Melo. Disponível em: <www.hevertonazevedo.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Itamar Franco. Disponível em: <www.flavioluizsartori.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: <www.maureliomello.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Posse de Dilma Rousseff. Disponível em: <www.cacoalnews.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.

Referências
ARÓSTEGUI, Julio. La historia vivida. Sobre la historia del presente. Madrid: Alianza Editorial, 2004.
BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença na história. In: AMADO, Janaina; CHAUVEAU, Agnés; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. São Paulo: EDUSC, 1999.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. In: Cultura Vozes. Petrópolis: Editora Vozes, v.94, n0 3, 2000, pp.111-124. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/517.pdf>. Acesso em: 21/07/2008.
FREITAS, Itamar. O saber em fatias: o livro didático em seções e as seções em livros didáticos de História (1900/2010). Notas para orientação. Nossa Senhora do Socorro, 5 dez. 2010.<http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/12/o-saber-em-fatias-o-livro-didatico-em.html>. Capturado em 17 mai. 2012.
FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002.
______. História: série novo ensino médio. 2ed. São Paulo: Ática, 2003.
______. História: série novo ensino médio. 3ed. São Paulo: Ática, 2010.
______. História em foco. São Paulo: Ática, 2011 (2 v.).
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC-RJ/Contraponto, 2006.


[1] Por esse caminho, por exemplo, história do tempo presente não trataria do “imediato”, que deve ficar a cargo dos jornalistas, já que ao articular o tempo curto ao tempo longo essa operação historiográfica situa-se na duração - fugindo, dessa forma, do efêmero, do contingente.
[2] Infelizmente, a comparação do História em foco não pode ser feita, dado que somente examinamos uma edição, que é estruturalmente diferente da História: série novo ensino médio.

domingo, 29 de abril de 2012

A pesquisa sobre o aprendizado histórico


Casarão onde morou Anísio Teixeira, Atual sede da Biblioteca Municipal que leva o seu nome. Caetité-BA, 2012.

Colegas, é um prazer estar com vocês nesta noite de sexta-feira, aqui na Universidade do Estado da Bahia, campus de Caetité-BA, falando sobre ensino de história. Quero agradecer aos organizadores do VI Encontro de História, sobretudo, à professora Luciana Oliveira, a quem conheci pela rede, trocando informações sobre a história do ensino no Brasil e na Espanha, e aos professores Jairo Nascimento e Antonieta Miguel pela acolhida na cidade e nas dependências desta Universidade. É também um prazer conhecer novos pesquisadores, como o professor Eduardo Leite que partilha conosco um pouco da sua experiência nessa mesa redonda.
O tema indicado foi “A pesquisa no ensino de história”.  Ele sugere o estudo sobre a investigação como estratégia didática em sala de aula e o trabalho diacrônico ou sincrônico sobre o estado da arte. Mas ele convida também a uma explanação sobre a tópicos privilegiados pela pesquisa na área. Aqui, tomo este último caminho. Falarei brevemente sobre a posição de pesquisadores brasileiros e estrangeiros a respeito do que deve saber e saber fazer o professor de história, enfatizando a ideia de que as práticas relacionadas ao ensino de história dependem da reflexão realizada em diferentes áreas.
Em seguida, verticalizo essa convergência analisando dois estudos que se debruçam sobre a ideia de aprendizagem histórica, respectivamente, na Alemanha e nos Estados Unidos.

A pesquisa sobre os saberes e fazeres necessários ao professor de história
Em trabalho recente, questionei sobre os conhecimentos e as habilidades que o futuro profissional de História deveria possuir para bem exercer o seu ofício. O que deve o licenciado em História “saber” e “saber fazer” para ser considerado minimamente capacitado à docência nos domínios de Clio? (Cf.Freitas, 2011). Na ocasião justifiquei a relevância dessa questão. Ela ajuda a criticar e a redefinir os currículos dos cursos de formação inicial e continuada nas áreas de História e Pedagogia e também as formas de avaliação interna e externa desses cursos.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite
Afirmei também que os indícios, conselhos e até prescrições sobre os requisitos do “bom professor” de História podem ser flagrados nos textos de epistemólogos da História na Alemanha e na França como os de Jörn Rüsen (2007) e de Pierre Villar (1985). A mesma atitude percebemos em pesquisadores do ensino de História em Portugal, na Inglaterra, Espanha, Itália e França, a exemplo de Isabel Barca (2006), Peter Lee (2002, 2006), Geoff Timmins, Keth Vernon e Christine Kinealy (2005), José Armas Castro (2001), P. James Shaver (2001), Joaquín Pratz (2006), Ivo Matozzi (1998), e Evelyn Héry (2000).
No Brasil recente, refletiram sobre a formação do professor de História, por exemplo, Ana Maria Monteiro (2007), Flávia Caimi (2008), Selva Guimarães Fonseca e Marcos Silva (2009), Ana Nemi, João Carlos Martins e Diego Luiz Escanhuela (2009).
A que conclusões, portanto, chegaram esses pesquisadores sobre os conhecimentos e habilidades fundamentais ao exercício da docência em história? Em primeiro lugar, os teóricos da História e do ensino de História, pesquisadores preocupados com a formação de professores de História divergem quanto às fontes, justificativas e conceitos empregados em suas argumentações. Uns se esmeram para firmar uma razão histórica. Outros se empenham em justificar a História-ciência como instrumento de justiça social, ou, ainda, de aproximá-la como saber prioritário no desenvolvimento humano e, como tal, submetido aos princípios construtivistas.
Esses mesmos teóricos, radicados na Inglaterra, França, Espanha, Itália e Brasil, se aproximam ao explicitarem as habilidades e os conhecimentos. Em termos de habilidade, predominam os processos cognitivos básicos – conhecer, reconhecer e aplicar – em detrimento das ações de criar e criticar. Em termos de conhecimentos, são dominantes os conteúdos reconhecidos como típicos da ciência da História (50%), seguidos da matéria produzida nos limites da Pedagogia (40%), Psicologia, Geografia e Linguística (10%).
Da História, os teóricos apontam como fundamental o domínio de conteúdos conceituais e factuais da historiografia, procedimentos da pesquisa histórica e conteúdos também conceituais e factuais da teoria da história, história da historiografia e epistemologia histórica. Da Pedagogia, são esperados o domínio de conhecimentos conceituais e factuais e procedimentais relacionados, principalmente, aos campos da Didática e do Currículo. Os demais conhecimentos requisitados são tidos como responsáveis por desenvolver no futuro professor a capacidade de se expressar e de situar-se espacialmente, de compreender os processos cognitivos e as singularidades do desenvolvimento do aluno.
Com essa síntese, temos um panorama das prescrições sobre conhecimentos e habilidades fundamentais ao exercício da docência em história. É fácil perceber, então, o assentimento de que o ensino de história é prática debitaria de várias especialidades, sendo dominantes a História e e a Pedagogia.
Quero, agora, verticalizar a minha fala, tratando de um prescrição que considero fundamental: o entendimento do conceito de aprendizagem histórica. Conhecer o sentido de aprendizado histórico é uma responsabilidade atribuída, ora à Pedagogia, ora à Teoria da História. Independentemente dos campos que reivindicam (ou excluem) a aprendizagem como categoria, considero ser esse o conceito mais importante para o ensino, depois, obviamente, da ideia de História. Por isso, apresento os resultados de algumas reflexões sobre a aprendizagem histórica, desenvolvidas na Alemanha e nos Estados Unidos, que começam a repercutir no Brasil.
Alunos do curso de licenciatura em História da UESB. Auditório do campus de Caetité-BA, 27 abr. 2012.

Sentidos germânico e norte-americano para a aprendizagem histórica
Nos trabalhos do teórico da história alemão Jörn Rüsen, a discussão sobre aprendizagem histórica é atribuída ao campo da didática da História. A didática tem como objeto a consciência histórica que é estruturada por processos (operações mentais) de pensamento que ficam por trás (ou na base?) dos conteúdos, determinando o comportamento das pessoas. A aprendizagem histórica ocorre nesses mecanismos de pensamento (Cf. Rüsen, 2010, p. 42). Ela é “um processo de desenvolvimento da consciência histórica no qual se deve adquirir competências da memória histórica” (Rüsen, 2010, p. 113)
Essas ideias de didática e de aprendizagem são mais inteligíveis quando (orientados por Rüsen) concebemos os humanos como seres constituídos por intelecto, vontade e sentimento. Todos os humanos pensam, ou seja, fazem uso do intelecto. Todos estão compelidos a viver no mundo e viver significa enfrentar as circunstâncias e tomar decisões. Enfrentar as circunstâncias e tomar decisões, por fim, os obriga a pensar a sua identidade e o seu lugar no mundo, isto é, pensar articulando presente, passado e futuro (pensar historicamente ou pensar sua condição social e individual no tempo).
De maneira ainda mais objetiva, portanto, pensar historicamente (para tomar decisões e se auto-afirmar) é o mesmo que mobilizar as operações de experimentar (o passado), interpretar (o passado como presente) e orientar-se (no presente visando o futuro). Esses três atos, segundo Rüsen (experiência, interpretação e orientação), podem ser reduzidos (de forma integrada) a uma só operação: a narrativa histórica.
É nesses três atos (operações) mentais que ocorre a aprendizagem e é, necessariamente, sobre esses (a partir desses ou com base nesses) atos mentais que o profissional da didática da história deve elaborar as “estratégias de ensino” (Cf. Rüsen, 2010, p. 43).
Bodo Von Borries
O profissional da Didática? Sim. Já afirmei também em outro trabalho que Rüsen confessa os débitos do ensino de história com outras especialidades, a exemplo do campo do currículo (Cf. Freitas, 2012). O próprio parceiro de trabalho do teórico alemão, Bodo Von Borries, comenta sobre as dificuldades de uso da sua teoria para o ensino de história (Cf. Borries, 2000, p. 253). Mesmo quando ensaia opinar sobre práticas cientificamente corretas (que viabilizem a construção de uma consciência histórica do tipo genético), Rüsen fornece indícios de incorporação da vulgata pedagógica que circula o ocidente desde a primeira metade do século passado (objetivos educacionais claros, respeito às peculiaridades cognitivas do aluno, seleção de conteúdos significativos para o aluno, inclusão de conteúdos relativos à satisfação de necessidades sociais, a ideia de reforço natural da disciplina e dialogismo).
Nos EUA, entre as décadas de 1980 e 1990, também houve preocupações com a renovação da ideia de aprendizagem histórica. Ao contrário da Alemanha (no exemplo aqui recortado), foram os especialistas em ciências da cognição e psicologia educacional que teorizaram sobre a matéria. Em 1999, grande revisão de literatura sobre a aprendizagem humana foi compilada e criticada, dando origem à publicação How students learn: history, mathematics, and science in the classroon (2005).
Resumindo as teses do primeiro relatório – How people learn: brain, mind, experience, and scholl (1999) [Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola], poderíamos concluir que a aprendizagem dos humanos fundamenta-se em três princípios: 1. a nova compreensão é fundada na compreensão e na experiência preexistente; 2. a aprendizagem compreensiva é aquisição de conhecimentos factuais e conceituais; e 3. a aprendizagem compreensiva se efetua com o automonitoramento do aluno sobre os objetivos, progressos e realizações na aquisição de conhecimentos e habilidades (Cf. Donovan, Bransford, 2005).
John Bransford
Tais princípios podem ser traduzidos por três conceitos circulantes nos cursos de licenciatura no Brasil: 1. significação (a importância das conexões entre novos conhecimentos e conhecimentos estabelecidos na mente do aluno); 2. conteúdos factuais (informações em detalhe – acontecimento, pessoa, data, lugar) e conceituais (informações agrupadas – nação, revolução); e 3. metacognição (conhecimento do aluno por si mesmo, especificamente, aprendizagem das próprias formas de aprendizagem). Isso nos leva a compreender a aprendizagem como um processo de aquisição de conhecimentos factuais e conceituais mediante o relacionamento entre o que o aluno já sabe e o que o professor lhe apresentará e o controle do aluno sobre suas metas, estratégias e resultados.
Conhecidos os princípios que fornecem uma compreensão ampliada da aprendizagem, resta a pergunta: como se desdobrá-los em estratégias para a realização da aprendizagem histórica? Dizendo de outro modo, se aprender é adquirir fatos e conceitos, conectá-los aos conhecimentos prévios num processo de autocontrole sobre as próprias metas, progressos na aquisição e realizações, o que seria então a aprendizagem histórica?
Essa resposta não é fornecida pelos especialistas da educação. Os pesquisadores das universidades de Washington, Harvard, Simon Frases, Michigan e Stanford (que formam o Committee on How people learn: a targeted report for teachers) delegam a pesquisadores ingleses que trabalham com o ensino de história a tarefa de desdobrar tais princípios em estratégias que viabilizem (e, consequentemente, nomeiem) a aprendizagem histórica.
Assim, para Rosalyn Ashby, Peter J. Lee e Denis Shemilt, os princípios da aprendizagem expressos no referido relatório transformam-se em princípios da aprendizagem histórica, que ganha a seguinte configuração: 1. os alunos relacionam novo conhecimento sobre o passado ao conhecimento preexistente (extraído da vida cotidiana do aluno); 2. os alunos adquirem conhecimentos factuais, que são melhor compreendidos quando acompanhados de conhecimentos metahistórico; e 3. os conhecimentos metahistóricos capacitam os alunos a monitorarem a sua aprendizagem histórica (reconhecer, selecionar, usar fontes, inferir etc.) e combatem dois problemas advindos do conhecimento e da experiência cotidiana do aluno: o anacronismo e a memorização automática. (Cf. Lee, 2005, p. 31-33, Ashby, Lee, Shemilt, 2005, p. 79-80).

Conclusão
Vimos, portanto, que a pesquisa nacional e estrangeira indica as áreas da História, Pedagogia, Psicologia, Geografia e Linguística como locus de teorias e práticas fornecedoras de competência docente.
Recortando ainda mais os domínios necessários à docência em história, tentei demonstrar que o segundo conceito mais importante do campo – aprendizagem histórica –, quando discutido sem sectarismos, é justificado a partir da teoria da história e dos domínios que no Brasil atendem pela rubrica de Educação. Nos exemplos aqui recortados – uma experiência germânica e uma experiência anglo-americana – os sentidos de aprendizagem histórica partem da Teoria da História para o refino nas áreas da Educação, mas também percorrem o sentido contrário, migrando dos domínios da pesquisa educacional para os domínios da história.
Em que medida essas duas experiências podem nos auxiliar a pensar a formação inicial e continuada dos professores de História? O que as discussões sobre a aprendizagem histórica, elaboradas em dois ambientes formadores de opinião no mundo, podem sugerir numa eventual discussão sobre as ementas dos cursos de licenciatura em História e em Pedagogia?

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A pesquisa sobre o aprendizado histórico. 29 abr. 2012. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/pesquisa-sobre-o-aprendizado-historico.html>.

Fontes das imagens
Biblioteca Municipal Anísio Teixeira. Caetité-BA. Foto de Itamar Freitas. 28 abr. 2012.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite. Foto de Itamar Freitas. 27 abr. 2012.
Alunos do curso de licenciatura em História no auditório da UESB-Campus de Caetité. Foto de Jairo Carvalho do Nascimento. 27 abr. 2012.
Bodo Von Borries. Disponível em: <www1.yadvashem.org 30 abr 2012>. Capturado em: 30 abr. 2012.
John Bransford. Disponível em: <www.washington.edu>. Capturado em: 30 abr. 2012.

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Referências
ASHBY, Rosalyn, LEE, Peter J., SHEMILT, Denis. Putting principles into practice: teaching and planning. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005. pp. 79-178.
BORRIES, Bodo Von. Methods and aims of teaching history in Europe: A report on Youth and History. In: STEARNS, Peter, SEIXAS, Peter, WINEBURG, San. Knowing, teaching, and learning history: national and internacional perspectives. New York: New York Universty, 2000. pp. 246-261.
DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005.
FREITAS, Itamar. O livro didático ideal de Jörn Rüsen e a representação de uma didática para a história. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/03/o-livro-didatico-ideal-de-jorn-rusen-e.html>. Capturado em 25 mar. 2012.
FREITAS, Itamar. O que deve “saber” e “saber-fazer” o profissional de história? Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2011/04/o-que-deve-saber-e-saber-fazer-o.html>. Capturado em 2 mai. 2011.
LEE, Peter J. Putting principles into practice: understanding history. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005. pp. 31-77.
RÜSEN, Jörn. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Editora da UFPR, 2010. (Organização de Maria Auxiliadora Smith, Isabel Barca e Estevão de Rezende Martins).