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domingo, 1 de janeiro de 2006

Histórias do ensino de História no Brasil (1890/1945)

FREITAS, Itamar. Histórias do ensino de 
história noBrasil (1890/1945).
São Cristóvão: Editora da UFS, 2006.
Capa: Hermeson Alves de Menezes.
Histórias do ensino de história  do Brasil (1890/1945) é uma coletânea de trabalhos produzidos  entre 1997 e 2003, com objetivos díspares e sob conjunturas bastante diferenciadas. 
Como texto de reescrita – resultante da junção de monografias,  artigos e comunicações –, a obra pode oferecer duas opções de leitura relacionadas à minha trajetória de formação: história dos estudos históricos no ensino superior e história  do ensino de história nos cursos secundários.
O primeiro grupo de trabalhos é iniciado com um panorama da pesquisa sobre a história no ensino superior brasileiro, no âmbito da história da  historiografia em seus estudos de síntese. 
Exploro, em seguida, duas experiências com a história ensinada, envolvendo os professores Afonso D’Escragnolle Taunay e Francisco Isoldi, mestres que enfocaram a aprendizagem dos rudimentos da ciência da história.  Suas preleções fornecem indícios bastante significativos  para a compreensão do caráter da história ensinada em cursos de nível superior anteriores à institucionalização das licenciaturas nas Universidades de São Paulo – USP e do Distrito Federal – UDF. Nesses  textos, trato da vivência dos professores em duas instituições pouco conhecidas, a Faculdade Livre de Filosofia e Letras  de São Paulo (1908/...), mantida pelos beneditinos; e a Faculdade de Letras e Filosofia de São Paulo [1831/1836], fechada com o funcionamento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
Na segunda parte das Histórias conservo preocupações com a história ensinada nos cursos secundários. Escrevo sobre as tentativas de elaboração de uma teoria do ensino de história para os adolescentes da passagem do século XIX para o século XX, empreendidas por Sílvio Romero, José Veríssimo, João Ribeiro e Araripe Júnior. 
Nos textos que se seguem, são aprofundadas as discussões sobre o porquê, o como e o que ensinar com o nome de história. Seja por meio de planos de estudo, seja pelo oferecimento de modelos de livro didáticos ou de maneiras de lecionar, são descritas e analisadas as experiências dos professores José Estácio Correia de Sá e Benevides, Fernand Braudel, Murilo Mendes e de Genolino Amado. 
Entremeando esses depoimentos, porém, busco informações sobre  a história ensinada numa instituição de caráter erudito – o  Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – examinando as atas  do grêmio no período 1884/1940.
Como apêndice, seguem alguns comentários sobre um dos documentos-chave no processo de metodização do ofício do historiador na França. Trata-se do manual Introduction aux études historiques, produzido em 1898, por Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos. São estrangeiros, obviamente, que buscaram criar um campo distinto para o historiador do final do século XIX. Mas, vocês entenderão que a leitura do manual pode aumentar bastante a cultura histórica dos pesquisadores que se aventuram nos estudos sobre o ensino superior e a formação do professor do curso secundário brasileiro na primeira metade do século XX.
Os textos aqui reunidos, certamente, são como “fundos fechados”: já cumpriram a sua  função inicial e estão fadados aos classificadores.  Salvos da dispersão – das gavetas,  dos anais eletrônicos –, eles podem, todavia, ser úteis aos que se ressentem das histórias sobre o ensino de história e podem contribuir para o estreitamento dos laços entre a historiografia universitária e os saberes históricos escolarizados; entre os historiadores por formação inicial que volta e meia se debruçam sobre a temática e os historiadores da educação que abraçaram a causa como primeira opção de ofício.

Sumário
Nota sobre a organização deste livro
Parte I
  • Itinerários do ensino superior de história no Brasil (primeiras leituras)
  • A "velha história" francesa no ensino superior: o exemplo de Afonso D'Escragnolle Taunay na FAculdade Livre de Filosofia e letras de São Paulo
  • Uma via italiana para o ensino superior de história: as preleções de Francisco Isoldi na Faculdade de Letras e Filosofia de São Paulo (1931/1932)
Parte II
  • A(s) pedagogia(s) da história no alvorecer da República
  • A história universal de José Estácio Correia de Sá e Benevides (1890/1903)
  • A história ensinada na história erudita (IHGSP): São Paulo, 1894/1940
  • Ensino de história à brasileira nos conselhos de Fernand Braudel (1936)
  • Um freio na francofilia: a proposta de Murilo Mendes para o ensino de história no curso secundário (1935)
  • O estilo pedagógico de Genolino Amado
Apêndice
  • 100 anos de um manual: comentários sobre a Introduction aux études historiques de Langlois e Seignobos
Para adquirir essa obra em suporte papel, escreva:
Itamar Freitas: itamarfo@gmail.com

domingo, 2 de novembro de 2003

O Amado Genolino

Genolino Amado (1902-1989)
Leveza e densidade, o fortuito e o reflexivo, a crônica e o ensaio caracterizam a prosa do itaporanguense Genolino Amado (1902/1989), segundo o seu maior especialista, o poeta Jeová Santana (2000). Contraditórios tais atributos – como a vida do autor, repartida entre a crítica social e a freqüência aos gabinetes do governo Vargas –, eles transformaram-se em “janelas abertas para a cidade e para o mundo”, de onde se pode observar um dos “projetos de brasilidade” em curso no período 1930/1950 (Cf. Santana, 2000, p. 142-142) e a idéia de uma identidade sergipana para a primeira metade do século XX.
Genolino Amado, cronista, ensaísta, tradutor, político, professor de História Universal, foi um exilado voluntário. Sua produção esteve fortemente marcada pelos ares metropolitanos. As referências a Sergipe, no entanto, abundam nos livros que enfeixaram suas crônicas. A prosa memorialística vai pelo mesmo caminho. O texto mais conhecido foi Um menino sergipano (1977). A este, planejou dar prosseguimento, escrevendo “a história do moço que estudou na Bahia e se formou no Rio de Janeiro”, e que se chamaria “Um rapaz sergipano”.
Um terceiro livro contaria a sua vida em São Paulo, a iniciação literária, o retorno ao Rio de Janeiro e a comemoração das bodas de ouro do casamento dos seus pais. Essas memórias eram também “a narrativa de toda uma família sergipana, a do velho Melk, a de Donana”, a dos quatorze irmãos Amado, com destaques para o excepcional Gilberto e, quem sabe até, para “um outro grande Amado que a Bahia nos levou, [s]eu primo Jorge, sergipano de origem.” (Cf. Amado, 1977, p. 41-43; 1977b, p. 199).
O surto memorialístico de Genolino não se iniciou com a visita que fez a Sergipe, nos anos 1970, início da escrita de Um menino sergipano. Ele havia publicado O reino perdido (1971), livro de reminiscências sobre a vida de professor de história no Rio de Janeiro. Quanto aos flagrantes de memória sobre os modos sergipanos de pensar, agir e sentir já estão dispersos em crônicas publicadas desde a década de 1940. É por essa janela que se pode, em parte, observar “todo um Sergipe que vive na lembrança dos sergipanos exilados, que constitui a obsessão poética do seu degredo”. (idem, 1946, p. 137). Exemplo dessa catarse: “cheiros de mangaba madura, músicas de reisado, versos do ‘colibri’ ao som da Dalila, cadeiras na calçada, serenatas de violão soluçante, a fala cantada do povo, as mocinhas de fita no cabelo passeando ao largo da matriz.” (idem, p. 1977b, p. 136-137).
Mas, por que observar “em parte”? Porque o Genolino rememorador é o mesmo que apõe a crítica à lembrança e reconhece a impotência da cultura provinciana do final do século XIX frente à “revolução” operada pelo rádio no início dos anos 1940: em Laranjeiras, Orlando Silva substitui Fausto Cardoso; em Propriá, o reisado perde espaço para os sambas de Odete Amaral; as histórias contadas sob os alpendres do Riachão dão lugar às novelas radiofônicas; os “rr” do locutor César Ladeira estragam a prosódia das meninas de Itabaianinha e de Itaporanga; as imagens do amor e da namoradinha encarnam-se na figura de Linda Batista e não mais em Julieta; enfim, sucesso do rádio significa “a morte da província”. (cf. Amado, 1946, 136-139).
O menos famoso dos Amado era também um homem da mídia, um cultor da modernidade. Esse fato, entretanto, não o obriga a concordar com o expresso aniquilamento de um modo de vida coletivo. Essa preocupação de Genolino reverbera sempre nesses instantes de mudanças bruscas, desde Maiackowsk aos críticos da globalização: “Se perdermos a província, que será de nós, de nós que tanto já perdemos? Onde encontrar o sentido da nossa existência, se lhe turvamos a fonte de onde ele sempre veio?” (idem, p. 138).
Trinta anos mais tarde, a fonte da singularidade (a província) continuava pródiga. O rádio não era novidade, a televisão se impunha, mas ao que parece, a “alma de Sergipe” não fora destruída pela modernidade. Ela foi ganhando nitidez na cabeça do viajante Genolino à medida em que ele amadurecia, exercitando todos os sentidos, analisando, generalizando, sintetizando, comparando e diferenciando maneiras de viver, timbre de humanidade, inclinações morais e sentimentais, dotes criadores, simpatias e idiossincrasias do sergipano. (cf. Amado, 1977b, p. 193).
Genolino chegou a definir a alma de Sergipe: “um conjunto de qualidades próprias, facetas caracterizadoras, aspectos específicos e inconfundíveis dos meus conterrâneos, enfim, sergipanidade.” (idem, p. 193). Mas, na hora de demonstrá-la academicamente, recuou. Seria muito cansativo e trabalhoso!
“Sergipanizou”, portanto, ao léu, com o que lhe veio à cabeça no momento da escrita (idem, p. 196). Agiu impressionisticamente, tentando demonstrar que o sergipano era mais caboclo que negro, majoritariamente pardo, sofredor. O nativo era, como o cearense, um eterno migrante e, talvez – pela ausência de um porto –, um forte ascendente judeu. No legado cultural, não se sobrelevaram os sonetistas, oradores e romancistas (Cf. Amado, 1977, p. 192-200). A ausência dos Amandos Fontes anteriores à década de 1930, por exemplo, esteve relacionada ao caráter do “espírito sergipano”: denuncista, influenciador, inovador. “No espírito sergipano, concluía Genolino, “o senso crítico prepondera sobre o imaginativo, sobretudo de caráter meramente estético.” (Amado, 1997b, p. 41).
Genolino Amado não era cientista social, nem saudosista melancólico. Mas, é curioso como releva e, ao mesmo tempo, critica a idéia de alma cultivada pelos patrícios do final do século XIX. Para o cronista, alguma “coisa”, em última instância, deveria ser preservada. Que “coisa” seria essa, e do passado de quem seria recuperada é a pergunta que não quer calar. Com a introdução desse componente político, Genolino dinamiza o debate sobre o passado, memória e identidade sobre o qual nos debruçamos no momento.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. O Amado Genolino. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 02 nov. 2003.

Referências
AMADO, Genolino. O reino perdido: histórias de um contador de história. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1971.
__________. A morte da província. In.: Os inocentes do Leblon: crônicas do Rio. Rio de Janeiro: Globo, 1946. p. 136-139.
__________. Um menino sergipano: memórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
Momento entrevista Genolino Amado. Momento: Revista Cultural da Gazeta de Sergipe, Aracaju, n. 9, p. 41-43, fev. 1977.
SANTANA, Jeová. A crítica cultural no ensaio e na crônica de Genolino Amado. Campinas, 2000. 245 p. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas.