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quinta-feira, 1 de junho de 2006

A escrita da história de Sebrão Sobrinho: uma análise de Laudas da História do Aracaju

Brasão do município de Aracaju-SE (1955)
Fiz os meus primeiros contatos com Sebrão Sobrinho [1] quando cursava a disciplina História de Sergipe, ministrada pela professora Lenalda Santos. Nesse período, junho de 1995, os debates em sala de aula foram tornando bem “animados” a partir da introdução dos textos de sua obra mais conhecida: Laudas da História do Aracaju [2]. Poucos eram os colegas que concordavam com a visão do autor acerca da história “do” Aracaju. Além disso, o seu jeito particular de narrar os acontecimentos tornavam-no alvo de severas críticas. Unanimidade em relação a Sebrão Sobrinho, somente acerca de sua personalidade: deveria ter sido um sujeito extremamente mal humorado e com grande complexo de inferioridade.
Os poucos que me conhecem não devem demorar a entender o porquê dessa atração inicial pelo autor: um homem com muito a dizer, mas com meios peculiares para transmitir o que pensava. Para mim só uma questão se impunha: mal humor e complexo de inferioridade não seriam o suficiente para que alguém construísse um arquivo e se debruçasse sobre ele, produzindo mais de quinhentas laudas sobre a história da capital de Sergipe. Deveria haver algo mais ... E havia: um extremado apego à pesquisa histórica. Sentimento e prática que, vez por outra, pensamos estar em extinção.
Foi a partir dessa descoberta que tomei a iniciativa de divulgar um pouco mais a obra de Sebrão Sobrinho tanto para os novos alunos (principalmente), quanto para os pesquisadores já estabelecidos que ainda não tiveram acesso, ou que, por dificuldade de compreensão, mantiveram-na afastada das referências bibliográficas dos seus trabalhos. Tentar entendê-la, seja pelo estudo das estratégias utilizadas para narrar os fatos, seja pela busca da sua lógica histórica, é o que me proponho a fazer neste trabalho.


A recepção da obra
Poucas referências são feitas aos textos de Sebrão Sobrinho. Das quatro críticas registradas em livro, duas se ocupam de toda a sua obra e as demais referem-se à natureza das conclusões contidas nas Laudas da História do Aracaju.
Para José Calazans [3], Sebrão Sobrinho foi “o pesquisador sergipano que maior contato manteve com os arquivos da Capital e do Interior”. A sua obra, embora não se apresente “rigorosamente dentro da metodologia histórica, [...] está repleta de informações e documentos, o que lhe assegura, realmente, um lugar destacado como documentário valioso para a história de Aracaju e de Sergipe" [4].
Esse “lugar destacado” parece nunca ter sido conquistado, mesmo após a sua morte, tanto que o historiador Vladimir Souza Carvalho [5] denuncia o ostracismo a que foi relegado o autor em vida e a colocação dos seus trabalhos em segundo plano. No artigo intitulado “Sebrão Sobrinho, o Desconhecido”, comenta as razões do “indiferentismo da província”. Carvalho conta a importância da professora Maria Meneses de Almeida (esposa, conselheira, secretária e patrocinadora) e o pensador Tobias Barreto na construção da obra de Sebrão e reivindica um lugar de importância dentro da Historiografia Sergipana para aquele que foi exemplo de dedicação à pesquisa histórica “numa época em que pesquisar não era moda, antes vocação" [7].
A publicação de Laudas da História do Aracaju levantou polêmicas relacionadas às causas da mudança da capital e aos seus reais promotores. O motivo principal foi a postura de Sebrão Sobrinho em considerar o Barão de Maruim como o único responsável pelo evento. Apesar desse fato, a fcobertura jornalística do lançamento das Laudas foi reduzidíssima. Apenas Zózimo Lima se demorou em maiores comentários sobre o teor do livro. Considerando Sebrão Sobrinho como historiador competente, esse crítico reafirma a tese de que o Barão de Maruim foi o maior responsável pela transferência, classificando o livro como informativo e divertido [8].
Outros autores, como Eunaldo Costa [9], elogiam o estilo elegante e acessível do historiador e os “princípios históricos em que a obra é vazada”, como é o caso de J. Alvares da Rocha [10]. Esse mesmo comentador denuncia que Sebrão tem sido alvo de perseguições desde o lançamento de outra obra sua: Tobias Barreto o Desconhecido [11].
Dentre os jornais de maior circulação [12], não constatei balanços negativos acerca das Laudas. A exceção pode ficar por conta da dubiedade de um artigo redigido por Epifânio Dória. “Dois Livros" [13] reivindica a publicação dos mais recentes trabalhos do Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida (uma História de Aracaju e uma biografia de Inácio Joaquim Barbosa) ao tempo em que critica “os tecedores de histórias chamejantes com falso brilho de lantejoulas verbais” e informa sobre o patrocínio da Prefeitura de Aracaju ao trabalho de Sebrão Sobrinho (Laudas da História de Aracaju).
Embora os registros sejam mínimos, o debate em torno da obra parece ter sido acirrado. O próprio Sebrão Sobrinho tratou de se defender através de nove artigos [14] que se estenderam pelos meses de março a agosto de 1956. Todos esses textos tratam de um só assunto: a incompetência dos críticos sergipanos. Em setembro desse mesmo ano, Elieser Leopoldino de Santana [15] denunciou o silêncio da imprensa em relação às Laudas: “Fala-se, à boca pequena, que o desinteresse dos referidos críticos está ligado à crença de que o professor Sebrão Sobrinho, inteligente como ele é, muito imaginoso, seja capaz de criar flagrantes que, historicamente, nunca existiram”. O próprio Santana diz ser um absurdo esse tipo de comentário: “Por que essa gente sempre, tão pronta a duvidar dos outros não sai da toca e não vai para as colunas dos jornais dizer o que sente e o que quer?” [16] Esse mesmo artigo informa da boa receptividade das Laudas, no Rio de Janeiro dos livros sobre Tobias Barreto, Genealogias sergipanas e História de Sergipe, produzidos por Sebrão (ainda inéditos) e lamenta o ostracismo a que o autor foi relegado.
Dos poucos contestadores do historiador, destaco a figura de Enoch Santiago [17] que, munindo-se dos depoimentos de Inácio Marcondes Homem de Melo, Manuel dos Passos de Oliveira Teles e Abreu Cruz, valoriza a competência intelectual e administrativa de Inácio Barbosa e critica o tratamento deselegante concedido pelo autor das Laudas ao fundador da capital.
Enoch Santiago refere-se ao texto de Laudas da História de Aracaju, como “apreciável trabalho” e ao seu autor como “ilustre professor" [18], embora não compreenda o “afã desordenado [de Sebrão] em despojar Inácio Joaquim Barbosa de glória do ato da fundação" [19]. Para o partidário de Inácio Barbosa, “faltou ao escritor um aprumo histórico e ético, uma medida de segura apreciação dos acontecimentos; uma visão tranquila dos fatos, para o ajustamento dêles entre Inácio Barbosa, presidênte da Província e João Gomes de Melo, chefe político da região, na época da mudança."[20] Em síntese, a crítica de Enoch Santiago ao texto de Sebrão Sobrinho tem objetivo certo: realçar as qualidades pessoais do Presidente Barbosa, “homem de ação, enérgico, e até certo ponto voluntarioso" [21].
A mais lúcida e substanciosa crítica ao texto de Laudas da História de Aracaju foi feita por Bonifácio Fortes [22], numa conferência que marcou o centenário de falecimento de Inácio Joaquim Barbosa (24/10/1955). O Govêrno Inácio Barbosa apresenta-se como inovação metodológica nos estudos que tratam da transferência da capital. O que seu autor pretende é buscar “a verdade do confronto, do estudo entre a infra-estrutura e a super-estrutura sociais”, já que os historiadores [entre eles Sebrão] “restringiram-se apenas aos fatos sem cuidarem da realidade social, econômica e geográfica do meio." [23]
Nesse estudo, 17 parágrafos referem-se diretamente a Sebrão Sobrinho. Expressam críticas ao personalismo do autor (em favor do Barão de Maruim) e à demasiada ênfase em fatos irrelevantes (segundo Bonifácio Fortes) para a História. A crítica se fundamenta em outros clássicos sobre a transferência da capital (por exemplo, Aracaju: contribuição à História da Capital de Sergipe [24]) e no próprio texto de Laudas da História do Aracaju para mostrar quanto são contraditórias as afirmações de Sebrão (subserviência, parcialidade, incompetência etc.) acerca do desempenho administrativo de Inácio Barbosa.
As intenções de Bonifácio Fortes e Enoch Santiago são semelhantes: resgatar a imagem de Inácio Joaquim Barbosa, bastante deteriorada depois da publicação de Laudas. Esse propósito é assumido, enfaticamente, no final dos dois estudos e, nesse texto, em particular, o desabafo de
Bonifácio Fortes é contundente: “Lamentavelmente êsse infatigável pesquisador Sebrão Sobrinho empana os méritos de sua obra com a interpretação personalista dos acontecimentos da mudança, negando a todo custo a contribuição decisiva de Inácio Barbosa." [25]
 [...] Façam o que fizerem seus detratores, Inácio Joaquim Barbosa permanecerá no carinho e no respeito (sic)." [26] 
O perfil das críticas feitas aos trabalhos de Sebrão e, sobretudo, ao texto de Laudas da História de Aracaju indica que as mesmas estão bem próximas do ideal cientificista da História. Por essa perspectiva, avalia-se um texto histórico pela sua capacidade de fornecer o aparato metodológico que lhe permita ser criticado, como também da sua capacidade de descrever o real (objetividade e clareza).
Nesse sentido, algumas “imperfeições” estilísticas e metodológicas são apontadas. As últimas aparecem sob duas formas: a omissão de referências bibliográficas e documentais das provas utilizadas pelo autor e ao método propriamente dito (personalista, psicológico, factual etc.).
A maneira particular da escrita histórica de Sebrão (“as características clássicas”), justificada por Vladimir Carvalho [27] como traço de todo autodidata que trabalha isoladamente, sem a presença de um crítico severo, é realmente uma marca inflexível do estilo do autor, embora esse estilo não seja motivo suficiente para relegá-lo a um plano inferior.
Sobre a omissão de fontes, informa Carvalho da existência do arquivo particular de Sebrão que servia como base para as suas afirmações. Muitas informações eram sonegadas pelo autor em razão do clima de perseguição política e pelo temor das cópias (fraudulentas) que outros historiadores poderiam fazer.
Apesar dessas considerações, não encontrei um só questionamento de “dados objetivos” narrados em Laudas da História de Aracaju (datas, locais, estatísticas, nomes etc.). Ao contrário, seus interlocutores utilizaram-se das suas informações para contestá-lo e, contraditoriamente, acabaram por abonar o seu lastro empírico28 (elemento de valorização da escrita historiográfica a que me referi no parágrafo anterior).
Em relação ao método propriamente dito, existe a contestação explícita de Bonifácio Fortes (uma curiosa combinação dos conceitos utilizados pelo materialismo histórico – classe dominante, elite, infraestrutura, capitais nacionais, centro produtivo etc. com conceitos de Oliveira Viana – clãs organizados e de Gilberto Amado – elites imperiais) ao “personalismo extremado” de Sebrão. Apesar de implementar uma nova abordagem, de apresentar novas conclusões acerca da transferência da capital, o afã de restituir ao pódium a figura de Inácio Barbosa leva o crítico a cometer os mesmos “equívocos metodológicos” de Sebrão Sobrinho (o personalismo e o apelo apaixonado).
Enfim, as críticas endereçadas a Sebrão Sobrinho quanto ao estilo, às estratégias de argumentação e ao método propriamente dito são superficiais, contraditórias e, portanto, inconsistentes; embora tenham declarado intenção, não se encaminharam pelo “progresso da ciência histórica”. A passionalidade e o partidarismo político têm sido o motor da crítica historiográfica. Não é pura coincidência o fato da participação destacada de Enoch Santiago (quase quarenta anos antes - 1917) nas cerimônias de transferência dos restos mortais de Inácio Barbosa para a Praça José do Faro (17 de março de 1917): uma tarefa encampada com júbilo pelo guardião da “arca sagrada das nossas tradições”, o IHGS.
As lacunas deixadas por essa crítica (acerca do estilo, da mensagem do texto e do aparato metodológico utilizado) receberão tratamento especial neste trabalho que se inicia com uma noção de História diferente e, por conseguinte, abordagem, metodologia e conclusões também diferenciadas.


Proposta analítica
A “análise [29] de historiografia" [30] é uma atividade essencial para a produção do conhecimento histórico e para a reflexão epistemológica da disciplina. A crítica é inerente a ela e não há como efetuar análise se esquivando da crítica do discurso histórico. Entretanto, fazer análise de historiografia, neste caso específico, não será responder a um questionário sobre fontes, método, objeto, categorias analíticas etc.; nem diluir o texto num esquema estatístico que observe os aspectos sônico, gramático e figurativo; e nem liberar à intuição e construir um novo Laudas da História do Aracaju. Não é ainda estabelecer o topos dominante de sua época ou negar qualquer participação do “homem” Sebrão Sobrinho na escrita produzida pelo mesmo. A minha proposta é um tanto anárquica [31], nesse sentido. Ela pretende responder a maioria dos objetivos propostos pelos métodos vistos aqui, mas sem a preocupação de eleger determinantes. [32] 
É oportuno citar os comentários de Feyrabend que parecem ter sido criados exclusivamente para esse trabalho: 
[uma metodologia pluralista permite] comparar idéias antes com outras idéias do que com a ‘experiência’ e [...] antes aperfeiçoar que afastar as concepções que forem vencidas no confronto. [...] O conhecimento, concebido segundo essas linhas, não é uma série de teorias coerentes a convergir para uma doutrina ideal; não é um gradual aproximar-se da verdade. É, antes, um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis (e, talvez até mesmo incomensuráveis). [33] 
 Encaro a História como um gênero da Literatura o que não pressupõe anular as suas especificidades. O próprio Guiraud [34], ao apresentar os nove gêneros literários (cinco para a poesia e quatro para a prosa), distingue claramente o gênero histórico dos gêneros didático, oratório e romanesco. O vínculo História-Literatura não é reconhecido somente por lingüistas (Guiraud), sociólogos (Barthes) ou historiadores vanguardistas (Withe). O depoimento de Ed. Fueter [35], na mais importante análise da Historiografia moderna que tenho conhecimento, é bastante esclarecedor quanto a esse caráter.
A filosofia da História é também um aspecto a ser considerado. Separo o trabalho do historiador e o conhecimento específico do filósofo da História. Esse elemento, que tem relação direta com o método, aproxima as propostas analíticas de Rodrigues e Barthes e, neste trabalho, recebe o nome de significação.
O estilo é uma categoria privilegiada nesta análise; tem o sentido genérico de maneira de escrever, sinônimo de retórica e tem a dupla função de embelezar e persuadir. É encarado em suas instâncias individual e coletiva, como um desvio em relação ao padrão da Historiografia da época (leia-se IHGS década de 50) e estudado dentro da “oposição” binária conteúdo/forma, ao modo das assertivas de Barthes.
Concluindo, concebo o texto historiográfico como um tecido e com infinitas linhas a se entrecruzarem. O historiador é um transformador de fórmulas, prefigurador, encenador, atribuidor de sentidos etc.; um ser com poderes bastaste limitados, de certa forma semelhantes às concepções de Barthes e Withe. A tarefa desta análise consiste, portanto, em “desfiar o texto” dentro dos limites que a minha cultura histórica permite.


Sumário
Introdução
Recepção da obra
Proposta analítica
Enunciado
            Resumo de Laudas da História do Aracaju         
Enunciação
            Aspectos estilísticos da composição
            O capítulo
            A frase
            A palavra
                        Neologismos
                        Indianismos
                        Vulgarismos
A significação
            Filosofia especulativa da história
            Filosofia crítica da história
                        Problemas críticos
                        Problemas metodológicos
Conclusão
Referências


Para baixar gratuitamente toda a monografia, acesse:
1 José Sebrão de Carvalho Sobrinho (1898-1973) nasceu em Itabaiana/Se, exerceu as funções de professor, inspetor de educação, promotor público poeta e jornalista. Foi sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Associação Sergipana de Imprensa. Redator de O Nordeste, O Cálamo (1928), Mocidade (1946) entre outros. Além de produzir diversos artigos sobre a História de municípios sergipanos em revistas e jornais, publicou: Sociedade __[?], 1933; Tobias Barreto o Desconhecido: Gênio e Desgraça. Aracaju: Imprensa Oficial, 1945; Monsenhor Silveira: O Fundador da Imprensa de Sergipe. Aracaju: ASI, 1947; Laudas da História de Aracaju. Aracaju: Regina, 1955; Filarmônica Nossa Senhora da Conceição: A mais antiga Instituição Musical do Brasil, Fundada no Século XVIII. Itabaiana, __[?], 1956; Fragmentos da História de Sergipe. Aracaju: Regina, 1972. Possui alguns títulos inéditos, como: Tobias Barreto o Desconhecido,v. 2, 3 e 4; [Genealogia das Principais Famílias Sergipanas]; História de Sergipe; e Apontamentos Históricos da Comarca de Itabaiana.
2 idem.
3 Calasans, José. Introdução ao Estudo da historiografia Sergipana. In: Aracaju e outros temas sergipanos: esparsos de José Calasans Brandão da Silva. Aracaju:Governo de Sergipe/FUNDESC, 1992. p. 07-37.
4 idem., p. 20/21.
5 Carvalho, Vladimir Souza. Sebrão Sobrinho, o desconhecido. Momento, Revista Cultural da Gazeta de Sergipe, Aracaju, n. 8, p. 29-30, dez. , 1976.
7 ibid., p. 30.
8 Zozimo Lima. Variações em Fá Sustenido. Correio de Aracaju, Aracaju, 21, maio, 1955. p.01; Correio de Aracaju, Aracaju, 12, out., 1955. p. 01.
9 Costa, Eunaldo. Laudas da História do Aracaju. Sergipe Jornal, Aracaju, 31, mai., 1955. p. 01
10 Rocha, J. Alvares da. Sebrão Sobrinho e o centenário de Aracaju. Correio de Aracaju, Aracaju, 23, jul., 1955. p. 06.
11 Sebrão Sobrinho. Tobias Barreto o Desconhecido: Gênio e Desgraça. Aracaju: Imprensa Oficial, 1941.
12 Correio de Aracaju (1955-1957); Sergipe Jornal (1955-56); Diário de Sergipe (1955-57); A Cruzada (1955-56).
13 Doria, Epifânio. Dois Livros. Sergipe Jornal; Aracaju, 30, mar., 1956. p. 01.
14 Sebrão Sobrinho. Crítica Científica. Correio de Aracaju, Aracaju, 28, mar., 1956. p. 02 (e ainda: 10 e 20 de abril; 27 e 30 de maio; 18 de junho; 3 e 31 de julho; e 18 de agosto de 1956).
15 Santana, Elieser Leopoldino de. Laudas da História de Aracaju. Correio de Aracaju, Aracaju, 01, set., 1956. p. 04.
16 idem.
17 Santiago, Enoch. Mudança da Capital. Revista de Aracaju, Aracaju, n. 6, p. 23-36, 1957.
18 ibid., p. 27.
19 ibid., p. 29.
20 ibidem., p. 29-30.
21 ibdem., p. 36.
22 FORTES, Bonifácio. O Governo Inácio Barbosa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju, n. 22, p. 81-104, 1955-58.
23 ibid., p. 81
24 Calasans, José. Aracaju e outros temas sergipanos: esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: Fundesc/SEEC, 1992. 141p.
25 ibidem,. p. 99.
26 ibidem., p. 104.
27 op. cit.
28 Vejam-se (além do uso das fontes de SEBRÃO para contestá-lo) os qualitativos imputados pelos seus críticos mais contundentes: “alentada”; “opulenta”; “apreciável’ (em relação a Laudas da História do Aracaju); “ilustre”, “notabilíssimo pesquisador”; “inteligente”, “infatigavel”; “minuncioso” (em relação a Sebrão).
29 "...decomposição de um todo em suas partes constituintes/exame de cada parte de um todo tendo em vista conhecer sua natureza, suas proporções, suas funções, suas relações etc.”- Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguêsa.2 ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1986. p. 113.
30 O discurso histórico.
31 A utilização dos argumentos de Feyrabend nesse trabalho não deve ser entendida como uma opção literal pela vertente anarquista (ou dadaísta, o autor assim o prefere) em relação à epistemologia histórica; o tudo vale na ação metodológica tem um sentido definido e é uma proposta construtiva; é antes de tudo “recorrer a hipóteses que contradizem teorias confirmadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos”. (Feyrabend, p. 10.)
32 Omiti da monografia original uma digressão em torno das propostas analíticas de José Honório Rodrigues, Peter Gay, Hayden White e Roland Barthes.
33 Feyrabend, P. Contra o... p. 40.
34 Guiraud, Pierre. A estilística. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 19-20. 

sábado, 9 de abril de 2005

As Laudas da história do Aracaju

Essa é a quarta vez que trato de Sebrão Sobrinho nos últimos dois anos. Neste artigo, entretanto, não comentarei sobre a teoria da história, identidade sergipana, nem do valor historiográfico das suas Laudas da história de Aracaju, obra relançada na última terça-feira (15/03/2004). Quero, apenas, transmitir uma ou outra orientação de como ler os textos do historiador itabaianense “para que as gerações de hoje e de amanhã”, como diz Vladimir Carvalho, “possam se debruçar sobre esse livro, de leitura difícil, mas agradável.”
Do agradável não se pode falar. É uma experiência particular. Eu já tive a minha; o Vladimir Carvalho, a dele e espero que todos os que comprarem a obra apreciem, pelo menos, um capítulo. Aqui, é sobre o difícil que se deve comentar.
E de onde vem a complexidade da leitura? Ela está, principalmente, nas formas de enunciação, no vocabulário empregado e na construção da sua frase, enfim, no particularíssimo estilo de Sebrão.
Para ler e compreender as Laudas, é preciso aceitá-la como desvio, como o diferente em matéria de ponto de vista do narrador. A história de Aracaju é contada, predominantemente, em primeira pessoa. E a estratégia de convencimento surte efeito. Quase se pode ver e escutar o Sebrão batendo no peito e dizendo: “eu não condeno isso...”, “eu creio naquilo...” ou ainda “melhor que eu, somente o notável Felisbelo Freire”.
A intrusão do narrador também é coisa corriqueira. Um exemplo: quando comenta sobre as “fontes processuais da história de Sergipe” (é o primeiro capítulo), ele interrompe a narrativa para rememorar a terra natal: “que saudade de minha infância, das noites plenilúnias de Itabaiana, de meus brincos infantis”... e depois lembrar a brincadeira de manja (hoje, chamada de pega-pega): Manja!/Manjaré!/Farinha de Coco?/Camané!/Valeu, valeu?/Pegue eu, que sou seu!”. (p. 54).
O leitor não estranhe aquele emprego simultâneo de palavras em inglês, francês, latim, tupi, grego, entre outros idiomas: isso é um traço de formação. Não reprovem a quebra de fronteiras entre a linguagem escrita e a oralidade, entre as fórmulas do vulto e as do português arcaico.
Também, não se espante o leitor com as dimensões da obra: mais de quinhentas páginas. O plano não representa a “história em migalhas”, tampouco um “aglomerado indigesto de fragmentos”. Há coerência na disposição das cinco partes que acomodam os trinta e nove capítulos: anúncio, antíteses, teses, provas das suas afirmações, sugestões e autocrítica.
Descontadas as licenças à língua culta, citadas anteriormente, o que vai facilitar a leitura da obra de Sebrão é a compreensão da sua frase típica. A digressão é freqüente, tornando o texto, de certa forma,  pesado e moroso. O itabaianense mistura informações elementares e secundárias, e o leitor impaciente pode abandonar o livro sem saber, por exemplo, o final da história do Santo Antônio do Aracaju. Um procedimento, entretanto, pode evitar esse problema: toda vez que se deparar com essa frase quase gongórica, basta saltar da primeira a última linha e depois refazer a leitura, consumindo as minúcias de Sebrão, como se vê na citação seguinte: “Pobre Santo Antônio do Aracaju! Enquanto o do convento de Santo Antônio da Cidade de San-Cristovam de Sergipe, desde 1826, como os demais de quase todas as capitais do Império, foi agraciado capitão do Exército por D. Pedro I, a exemplo de Lisboa, o da colina de Santo Antônio do Aracaju, possuidor de um quadro contendo um quarto de légua para cada uma de suas faces, patrimônio instituído por um dos antepassados do autor destas linhas, Antônio Mendonça Furtado, em data imemorial, anterior a 13 de outubro de 1788, quando alcançou sentença para administra-lo o padre Luís de Brito Soares, tio de d. Maria Custódia dos Anjos, espôsa de Luís Francisco das Chagas, mais conhecido pelo hipocarístico Luizinho, o maior proprietário da barra da Cotinguiba, da praça Fausto Cardoso (a do Palácio), até ao Tramandaí, com os fundo correspondentes até à Lagôa da Pomba, perdeu tudo, ficou pobre sem nada!” (p. 168).
Para finalizar, duas ironias bem ao modo de Sebrão. Logo ele, que atirava para quase todos os lados, observa, pela segunda vez, a elite intelectual e a nata dos poderes constituídos reunidas a lhe renderem merecidas homenagens, sob o teto do Instituto Luciano Barreto Júnior. De onde estiver o autor, dará muitas gargalhadas a partir de agora.
Outro dado importante – e não é com prazer que anuncio: há cinqüenta anos Sebrão sobrinho escrevia as suas Laudas sobre a história do Aracaju. Hoje, comemoramos o sesquicentenário de fundação da cidade e não há notícias de que nesse meio século algum historiador tenha se empenhado na pesquisa básica para nos oferecer uma síntese, marcando alguma distância em relação à Tese de  José Calazans e às Laudas de Sebrão Sobrinho. Por isso, e porque o poder (digo, o saber) não admite vácuo, retorna o historiador itabaianense, pelas mãos do seu sobrinho-neto, como se quisesse dizer: “vocês vão ter que me engolir por muitos anos mais”. “Que viva então a obra de Sebrão!
Gostaria de dar os parabéns aos patrocinadores da reedição – Colégio Amadeus, Fundação Oviêdo Teixeira, Prefeitura Municipal de Aracaju e Instituto Luciano Barreto Júnior – e agradecer, especialmente, ao historiador Vladimir Carvalho pelo trabalho de recuperação da memória do autor.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. As Laudas da história do Aracaju. A Semana em Foco, Aracaju, 09 abr. 2005.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse:
http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html>.

domingo, 29 de fevereiro de 2004

Leituras sobre a história de Aracaju: Sebrão sobrinho

Na semana passada, tratei da leitura efetuada por Calazans sobre a história de Aracaju e demonstrei as razões que fizeram como que o jovem professor da Escola Normal fosse considerado “um historiador à moderna”.
Ocorre que essa modernidade, de tonalidade sociológica, foi contestada, ainda nos anos 1940, pelo historiador itabaianense Sebrão Sobrinho (1898/1973). Ele não aceitava um Gilberto Freire como doutrinador da escrita da história. No entanto, “amuletou-se” num literato – Rudyard Kipling – para escrever as suas Laudas da história do Aracaju (Prefeitura Municipal de Aracaju, 1955).
O livro acentua a dimensão do fato político “transferência da capital” e a responsabilidade do indivíduo de espírito elevado no destino dessa cidade. O barão de maruim aparece como o fundador de Aracaju, e a transferência significa, na verdade, um “retorno” da capital a quem de direito lhe pertencia: Aracaju.
Assim, a história nas Laudas começa em 1590 – e não em 1855 – com a ocupação do atual Sergipe, a imediata fundação da capital São Cristóvão em território aracajuano e o início das disputas e “compensações históricas” entre São Cristóvão e Aracaju.
Para Sebrão, a primeira capital foi instalada, provavelmente, na colina de Santo Antônio. A segunda, na colina Pitanga da Pedra. A terceira, no Alto do Uma, que foi incendiada em 1637 e reconstruída após a expulsão dos holandeses, transformando-se, portanto, na quarta cidade. A quinta capital voltou a ser Aracaju, na colina de Santo Antônio – a 16, e não 17 de março de 1855. A sexta foi instalada no Olaria – atual centro da cidade –, em abril desse mesmo ano.
As duas últimas transferências foram explicadas a partir do conflito de interesses entre proprietários do norte – comandados por Rosário do Catete – e do sul da província – Estância, Itaporanga e São Cristóvão. Mas, as causas foram eminentemente partidárias e não econômicas como afirmara Calazans. O líder conservador João Gomes de Melo queria desarticular a base política dos Coelho e Melo e dos Dias, famílias liberais centradas em São Cristóvão.
Nesse ponto, foi claro o recado de Sebrão ao jovem historiador José Calazans: nunca houve “conciliação” em Sergipe porque o barão não a desejou. Inácio Joaquim Barbosa, o presidente, foi apenas um obediente subordinado às ambições do homem mais poderoso de Sergipe. Barbosa a”apenas assumiu o ato”.
Os combates à determinação econômica, todavia, foram desferidos logo após a divulgação da pesquisa de Calazans. “Motivo comercial! Como isso peca por inocente!... A transferência da capital de São Cristóvão assentou-se num ato político mascarado em fins comerciais; mas o seu verdadeiro comércio foi a usura”. A mudança não trouxe prosperidade para a província. E mais: se o comércio e as condições geográficas fossem explicações razoáveis, historicamente, São Paulo, há muito já teria perdido o posto de capital do Estado para a cidade de Santos (cf. Sergipe Jornal, 14 out. 1943).
Enock Santiago (1957) discordou das assertivas de Sebrão, dizendo ter faltado “um aprumo histórico e ético, uma medida de segura apreciação dos acontecimentos.” Bonifácio Fortes (1955) também reclamou tratamento mais respeitoso para a figura de Inácio Barbosa, e Epifânio Dória (1956), metafórico, preferiu identificar a necessidade de publicação das obras do Padre Aurélio de Almeida (editadas desde 2000 pela Prefeitura Municipal de Aracaju).
Ao lado de Sebrão – e do barão – ficaram os jornalistas Zózimo Lima e Elieser Leopoldino de Santana. Este último denunciou o silêncio da imprensa sobre as Laudas e registrou o que se tinha, à época, como boato: “Fala-se à boca pequena que o desinteresse dos críticos está ligado à crença de que o professor Sebrão sobrinho, inteligente com ele é, muito imaginoso, seja capaz de criar flagrantes que, historicamente, nunca existiram.”
A tais acusações, Sebrão respondia: “chamem-me às contas!..l. Não me critiquem à sombra: a tocaia é posição de covardes! Quem alega, prova. E isto é o primordial em quem critica!”.
A segurança de Sebrão provinha do arsenal de documentos cartorários e dos atos e correspondências, de ações do governo e da Câmara de Aracaju – polícia, instrução pública, tesouro etc. –, mantidos sob o seu domínio até a morte.
Foi com esse material que ele pôde ampliar, embora, fragmentariamente, os temas e marcos temporais da história de Aracaju. Sebrão escreveu sobre os sítios anteriores às construções da nova capital, abastecimento de água, iluminação pública, atividades industriais e comerciais, presença da cólera, construção de cadeia, palácio, templos, a atividade religiosa, instrução pública, festejos populares, estradas, cemitérios e hospitais de Aracaju.
Hoje, Laudas da história do Aracaju é um livro raro e de leitura difícil. Mas, vem sendo redescoberto pelos desbravadores da história cultural, para quem Sebrão reserva uma vantagem adicional: grande parte das suas fontes está disponível no Arquivo Público do Estado de Sergipe, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e em coleções particulares.
A propósito, em Fragmentos de histórias municipais (Instituto Luciano Barreto Júnior, 2003), Vladimir Carvalho editou artigos do início da carreira de Sebrão que também ajudam a compreender a sua leitura sobre a história de Aracaju.
É uma pena que ainda não se tenha ensaiado uma análise de conjunto da obra do “historiador papa-cebola” para sabermos, por exemplo, se, em termos de história de Aracaju, tem maior significado o dedo da Providência agindo por intermédio do barão de maruim ou a idéia de eterno retorno traduzida pelas constantes transferências da capital de Sergipe entre São Cristóvão e Aracaju.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Leituras sobre a história de Aracaju: Sebrão Sobrinho. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 29 fev. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

terça-feira, 14 de outubro de 2003

Os novos fragmentos de Sebrão sobrinho

[Nós], os literatelhos da roça, temos obrigação de rememorar as vidas ilustres.
Em minha terra, porém, o único que se dá a este modo de vida sou eu, talvez por que saiba menos ler que eles.
Essas frases de 1922, republicadas por Vladimir Souza Carvalho em Fragmentos de histórias municipais e outras histórias (2003), levaram-me a considerar que o Sebrão sobrinho em Laudas da história do Aracaju (1955) – seu livro mais conhecido – já havia formatado um projeto intelectual aos vinte e quatro anos. Para nossa felicidade, os frutos desse plano, produzidos nos anos 1930 e 1940, foram reunidos nessa nova publicação.
Mas, a obra, como anunciado acima por Sebrão, não seria apenas um “rememorar as vidas ilustres”. Os Fragmentos lançados em Aracaju e em Itabaiana, na última quinzena de agosto trazem de tudo um pouco: instantes auto-biográficos, poemas, lendas, genealogia e a narrativa histórica baseada em fontes cartoriais, relatórios administrativos, códigos legislativos, cronistas e historiadores que tratam do Brasil.
Como referência são tomados os municípios de Itaporanga, Rosário, Carmópolis, Simão Dias, Lagarto, Estância, Itabaiana, Ribeirópolis, Frei Paul, Neópolis e a muitos outros que não tiveram suas experiências estruturadas em forma de artigos, a exemplo de Porto da Folha, Pedra Mole, Aracaju e Santo Amaro. As narrativas, porém, não se distribuem de forma equilibrada. Sebrão sobrinho tinha lá seus motivos e preferências e, também, por isso ganharam destaque as localidades de Itaporanga e Itabaiana.
Itaporanga é contemporânea das “descobertas” de Sergipe e do rio São Francisco. Foi palco da ação dos jesuítas, gente que não contribuiu para o processo civilizatório de Sergipe: nada de instrução ou de educação religiosa; “o jesuíta só vinha a Sergipe, anualmente, olhar como iam seus grandes haveres”. (Sebrão sobrinho, 2003, p. 25).
Itabaiana, tem inventariados dezesseis dos seus mais importantes povoados. A terra do “para-cebola”, simplesmente, “formou quase todos os municípios sergipanos” e era, desde [1859], o celeiro de alimentos da capital Aracaju (idem, p. 255). Somente Lagarto rivaliza com a povoação serrana, mas não chega a criar nenhuma localidade. Pelos novos Fragmentos, vê-se que SEbrão já era o crítico mordaz dos cronistas, historiadores e tupinólogos de fora e de dentro de Sergipe. A birra com Felisbelo Freire já era conhecida, mas a sistemática correção ao trabalho de Armindo Guaraná e as flechas disparadas contra o jovem historiador José Calazans foram novidades para mim. Elas fazem pensar nas conseqüências desse tipo de debate para a construção de duas obras significativas sobre a história de Aracaju: Contribuição à história da capital de Sergipe – José Calazans (1944) e Laudas da história do Aracaju – Sebrão sobrinho (1955).
Naqueles anos da Segunda Guerra, o “cachorro da velha loba” – Sebrão sobrinho – fustigava os historiadores da terra, mas também deitava o malho na Sociologia – Qual Sociologia? A de Gilberto Freyre? A de Florentino Menezes? Davas lições de crítica documental, de gramática, de leitura das línguas indígenas. Com ar professoral, Sebrão interpolava brevíssimas e confusas considerações sobre os explicadores do sentido da experiência humana – a evolução biológica, a evolução espiritual, a predestinação.
Nesse mesmo período, também já expunha suas teses com grande ênfase: o rosarense é providencialmente um piedoso, crente, masoquista – uma herança dos negros do Catete; nunca existiu a tal pedra em forma de lagarto, interpretação usual para a origem do nome do referido município; Itabaiana acolheu o culto protestante logo após Laranjeiras, em 1885; a mulher itaporanguense inventou o desquite em Sergipe (1843); Men de Sá era um covarde, o governador Luiz de Brito, um bandido e os jesuítas Gaspar Lourenço e João Saloni uns assassinos, injustamente elevados à classe de mestres do ensino.
As longas introduções, a conversa com o leitor, as intrusões, e até uma história estruturada com repente – ou como canção de gesta, se preferirem – já estão presentes nos textos do Sebrão getulino e maynardista. Ele preferia escrever defluente à passada, embair à enganar, rutilância a brilho e uxoricídios em lugar de assassinatos de esposas. Também não se furtava em fazer uso de um gilbertifreirático, do cotiliquê paroquiático e da bagaceirocracia.
O que permanece como enigma na obra são as razões pelas quais a sua escrita ganhou essa forma peculiar. Por que Sebrão assumia-se historiador com tanta ênfase? Por que afirmava ser o único num período tão fértil da historiografia sergipana? O que o levou a produzir um texto combinando arcaísmo com fórmulas da linguagem popular, por exemplo?
A resolução desses problemas ficou a gora mais fácil com a preocupação de Vladimir Carvalho em recuperar os artigos, anotá-los e oferecer ao leitor um precioso índice onomástico. Às novas possibilidades de cruzamento das referências de fontes, autores e personagens, gostaria de acrescentar 3 questões que podem ajuda r a decifrar os tais enigmas: seria o jovem itabaianense um exemplar temporão de uma cultura retórica em vigor na segunda metade do século XIX? O trabalho docente e a tarefa de inspeção escolar teriam se transformado em missão de vida para Sebrão? Teria o autor sobrevivido ao uma espécie de ‘terremoto de Lisboa” em suas primeiras investidas intelectuais?
Muita tinta há de ser gasta com as letras desse historiador, afirmei há três semanas. Mas, penso que a epígrafe acima – plena de ironia, exagero e ressentimento – pode ser uma chave para a compreensão da escrita histórica de Sebrão sobrinho.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Os novos fragmentos de Sebrão Sobrinho. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 14 out. 2003.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

domingo, 24 de agosto de 2003

O sergipanismo do historiador Sebrão sobrinho (1898/1973)

A historiografia de Sebrão sobrinho – sobrinho com “s” minúsculo, como nos ensina Vladimir Carvalho – é veículo e instrumento de conformação da identidade sergipana. É uma tentativa de criar tradição, um passado unificado para a pátria de Tobias Barreto. E, como a identidade pressupõe a diferença, em Sebrão, notadamente em seus Fragmentos da História de Sergipe (Aracaju: Regina, 1972), a alteridade personifica-se no vizinho estado da Bahia. A “mulata faceira” é o nosso outro. Sob esse aspecto, o autor radicaliza, ainda nos anos 1970, o discurso fundador da primeira geração de historiadores do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Ele sugere que a experiência da formação social sergipana é, por assim dizer, o roteiro da espoliação dos baianos sobre os habitantes da antiga capitania de Francisco Pereira Coutinho – Sergipe.
Mas, como esse discurso unificador é construído? Sebrão ensina: é preciso reler a documentação cartorária, estudar a etimologia da toponímia local, elaborar genealogias e dissecar os textos de cronistas e historiadores. Todo esforço é válido para sustentar a seguinte tese: o que é da Bahia é de Sergipe, e o que é de Sergipe se integra à Bahia. A Bahia tem a chave para a compreensão de muitos acontecimentos da história local, a começar pela origem do nome “Sergipe”. Diz o autor: “Mem de Sá, que não pôde conquistá-lo, como o fizera à póstera ilha de Villegagnon, lhe dera o nome de Sergipe, em homenagem a seu engenho real [localizado na Bahia] (p. 278); “Sergipe já era denominação do rio baiano, que banha o recôncavo da Mulata Velha” (p. 31). O complemento del Rei fora acrescido para diferençar o nosso Sergipe do Sergipe do Conde (o conde de Linhares, D. Fernando de Noronha, o primeiro marido de D. Felipa de Sá, filha de Mem de Sá). Essa dívida com a Bahia, não poderemos esquecer jamais, afirma Sebrão.
Além do batismo, também os primeiros sinais da sergipanidade estão ligados à experiência baiana. A identidade sergipana manifesta-se freqüentemente como reação à cobiça do vizinho sobre as riquezas do lado de cá. Nos Fragmentos, Sebrão registra todo o seu incômodo em relação a esse outro. Em primeiro lugar, enfatiza que coube aos habitantes locais a repressão aos franceses das costas sergipanas. A esses também se devem os méritos pelo início da derrota holandesa em termos de Brasil. E o que nos devolve a Bahia? Responde Sebrão: a cobrança constante dos impostos sobre o gado; o descaso com a recuperação da economia local e com a reedificação da cidade de São Cristóvão; o esquadrinhamento policial da capitania de Sergipe sob o pretexto de prear índios e combater quilombos; a extração de dinheiro e gado para equilibrar as contas da nobreza e saciar a fome na Bahia; a extração de braços armados de Sergipe para minimizar o temor baiano de uma possível invasão holandesa.
Por esses exemplos, vê-se como Sebrão despreza a historicidade das duas formações – Sergipe e Bahia – “misturando” as proveniências do nativo sergipano do período colonial e confundindo a sede do Estado português do inexistente Brasil com a entidade Bahia, que só parece ganhar a forma atual após a perda do status de base geográfica do poder central para o Rio de Janeiro.
Mas, essa atitude tem suas razões. Ressaltar a cor local exige sacrifícios. Um deles é justapor a ciência dos fatos – a História – à essência das coisas – a identidade. Esse esforço de transformar História em memória levará Sebrão a divulgar algumas teses, no mínimo, curiosas: 1) que os nascidos em Sergipe foram os primeiros a experimentarem o ofício de bandeirante. Foi  no atual território que o Governador D. Francisco de Souza garimpou em busca das minas de prata (1591/1602) de Belchior Dias Moréia; 2) que Sergipe já foi sede do poder central no Brasil. O mesmo D. Francisco bandeirante elevou a região à capitania régia. E o fez “para nela sediar o Estado do Brasil, enquanto estivesse “cavocando” a serra de Itabaiana; 3) que o “dois de Julho” é uma efeméride tão baiana quanto sergipana, posto que a derrota impingida aos portugueses foi viabilizada com suprimentos e homens sergipanos; 4) que Sergipe possui a mais antiga instituição musical do Brasil: a Filarmônica Nossa Senhora da Conceição (de Itabaiana, é óbvio).
Da proeminência factual, diante da História do Brasil, passa Sebrão à natureza do sergipano que, por sua vez é lapidada pela ação do professor: “o sergipano tem a bondade do baiano e a sizânia do alagoano de Pernambuco. Reparte-se entre o riso, a gargalhada inteligente e o esgar sanguinário, medeiando-os com qualidades congênitas, mesológicas, habilmente cultivadas pelo mestre-escola, representado pelo padre secular, pelo tabelião público ou por outro letrado qualquer, licenciado em letras forenses como advogado e, fora da rabulice, professor” (p. 53).
Essa “bondade do baiano” é apenas uma rápida concessão do sergipanismo desse autor. A Bahia é mesmo o nosso outro, um diferente ameaçador. Para se ter idéia dos limites da inventividade (freudiana?) de Sebrão, observemos essa passagem onde ele narra o processo de redução progressiva – de Itapoã ao rio Real – do território sergipano, um dos maiores crimes cometidos pela velha mulata: “Cara madre, madre incestuosa, não tendo valor para impor medo a Sergipe, rebelde a todo açaimo, saberia estonteá-lo em suas carícias fesceninas e, em danças nos rios, comeria todas as terras. Iniciara a [geofagia] das latifundiárias terras do filho e amante nos banhos do rio limítrofe entre a Mãe e o Filho, entre a Mulata Velha e o Índio, o Itapoã. Dali, ela o levaria num pisa-pisa de cateretê ao Subauma. Levando-o pela mão, ao chegar ao Itapicuru, o garoto saltou na corrente e a Mãe pulou nas costas. Seguiram para o rio Real, onde ela lhe deu formidável rasteira que quase o galaceava, afogando-o, mas ele conseguiu desvencilhar-se-lhe, que o queria todo devorado. Mais terra degluteria de Sergipe a Bahia, se não tomasse o feliz alvitre de esconder-se dela”. (p. 275).
Essa semana, Sebrão virou notícia. Pelas mãos do historiador Vladimir de Souza Carvalho, veio à lume mais uma parte da sua obra dispersa em vários jornais sergipanos. Fragmentos de histórias municipais e outras histórias (Aracaju: Instituto Luciano Barreto Júnior, 2003) trata da experiência sergipana circunscrita aos municípios de Itaporanga, Rosário do Catete, Carmópolis, Simão Dias, Lagarto, Estância, Itabaiana, Ribeirópolis, Frei Paulo e Neópolis. São mais de quatrocentas páginas, contendo os originais de Sebrão, anotados por Vladimir, produzidos a partir da década de 1940. O livro traz fotografias do historiador itabaianense em vários momentos da vida. Apresenta, inclusive, um flagrante do seu sepultamento em 1973. Observando essa imagem, penso que Sebrão, sobrinho jamais imaginaria que os grandes intelectuais da terra estariam reunidos no Instituto Luciano Barreto Júnior, trinta e um anos depois de lançados os Fragmentos da História de Sergipe, para adquirir um exemplar dos Fragmentos da História dos municípios. Quem ainda não adquiriu o livro e perdeu o prestigiado lançamento da quinta-feira, pode ainda contar com o autógrafo do organizador no próximo dia 27, quando o livro será lançado em Itabaiana. Da minha parte, vou prosseguindo com a leitura da obra que, certamente rendará mais tintas sobre as – por enquanto – curiosas teses defendidas na primeira metade do século passado.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. O sergipanismo do historiador Sebrão Sobrinho. A Semana em Foco, Aracaju, p. 8 B-8 B, 24 ago. 2003.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.