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Vem à público, e em boa hora, o trigésimo segundo número da Revista do IHGS. Circulando desde 1913, o mais antigo periódico do Estado rompe um jejum de oito anos (não foi o primeiro) que esperamos tenha sido o último. Felizmente, nesse período, contamos com o relançamento dos Cadernos de História (PDPH/UFS – 1995/97) e a instituição da Revista Tomo (NPPCS/UFS – 1998/99) que serviram como veículos para a produção historiográfica local.
A Revista do IHGS tem características próprias aos institutos históricos e está voltada para a divulgação das atividades cotidianas da instituição. Nos últimos anos, com a aproximação entre historiadores autodidatas e de formação universitária, a Revista tem se transformado, além de veículo “acadêmico”, numa instância reguladora do ofício do historiador profissional. Esse fato pode ser constatado pelo corpo de colaboradores (e também sócios) dos últimos números e desse, em particular. Coincidentemente ou não, os temas e preocupações desse novo grupo não destoam das prioridades eleitas pelos fundadores do instituto e
vertidas para a Revista nas décadas de 1910 e 1920: a busca de fontes para a história de Sergipe, a produção de biografias, e de monografias sobre municípios sergipanos.
A preocupação com as fontes está no texto de Beatriz Góis Dantas sobre a “História indígena do Nordeste”. A sua intenção é apresentar um panorama de como o Nordeste está representado no Guia de fontes para a História do Nordeste e do Indigenismo em arquivos brasileiros (1994). As dimensões do acervo, tipos de suporte e as instituições mantenedoras são listadas e comparadas pela autora que também denuncia o descompasso entre o acervo organizado e a sua utilização (produção de trabalhos).
O trabalho de transcrição de manuscritos é efetivado por Lourival Santana e Luiz Mott. O primeiro reproduz o “Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Vila Nova Real de El Rei do rio São Francisco”, documento pertencente ao Arquivo Ultramarino de Lisboa. Esse “Compromisso”, solicitado por sergipanos em 1800 e confirmado pelo príncipe Dom João em 1806, expressa as regras de funcionamento da entidade e constitui importante informação sobre o catolicismo popular no período colonial. O segundo documento, divulgado por Luiz Mott, é uma denúncia ao Santo Ofício dos rigorosos castigos aplicados pelo Mestre de campo Garcia Dávila Pereira Aragão (1753-?) aos seus escravos. Diante do realismo das descrições não há o que comentar. É ler sobre as atrocidades e indignar-se.
Os textos biográficos mantiveram seu espaço tanto no corpo textual quanto nas “páginas de saudade”. Pedrinho dos Santos traça um perfil da literatura produzida por José Maria Moreira Guimarães, sócio do IHGS nos primeiros anos da instituição, um dos únicos a tematizar sobre a ciência histórica na Revista. Das “Páginas de saudade” sabe-se da existência de pelo menos três obras, para mim inéditas: os trabalhos biográficos de Rosa Faria sobre Dom José Thomaz Gomes da Silva (1947) e Monsenhor Carlos Costa (1948) e a monografia que trata da história da transferência da capital e de Joaquim Inácio Barbosa, produzida pelo Padre Aurélio Vasconcelos. Bem próximo a esse tipo de produto está o “Depoimento sobre o poeta Passos Cabral” de autoria de José Amado Nascimento. É um tanto confuso quanto à disposição e aos objetivos do trabalho. A contextualização de Aracaju em 1933 pouco contribui para a compreensão do momento em que os dois se encontraram (Passos Cabral e José Amado Nascimento) e do improviso que resultou nos versos produzidos pelo poeta.
A historiografia sobre municípios também é contemplada na Revista. Há uma síntese produzida por Maria Thétis Nunes, sobre a trajetória da cidade de São Cristóvão (1590 e 1860) com ênfase na fundação, transferência, passagem dos holandeses e a sua importância como centro administrativo (civil, judiciário e eclesiástico) de Sergipe. Infelizmente, o período posterior à mudança da capital é ainda capítulo inédito na historiografia sergipana. O surgimento do povoado, freguesia e vila de Indiaroba são ligados por Luiz Fernando Ribeiro Soutelo às questões de limites meridionais de Sergipe com a Bahia. O trabalho de José Calazans trata da origem e desenvolvimento da cidade-palco do conhecidíssimo fenômeno de Canudos, mas também fornece indícios da experiência de sergipanos que para lá migraram no final do século XIX. Pistas que, apesar do badalado Centenário da Guerra (1997), foram quase ignoradas pelos que se propuseram a estudar a participação sergipana no episódio.
A experiência de sergipanos é também objeto destacado nos textos de Ricardo Teles de Araújo que traça o perfil (nascimento, naturalidade, profissão, etc.) de 488 moradores de Sergipe dos séculos XVI e XVII. Por outro lado, Arivaldo Fontes voltou-se para os “Sergipanos no magistério carioca”. Sobre o trabalho faço uma importante ressalva: não foi bem a escassez de terras que provocou a migração dos sergipanos para regiões da Bahia, Amazônia e Sudeste mas, entre vários motivos, a mentalidade conservadora das elites locais, a péssima distribuição dos recursos, e má utilização das terras existentes desde o final do século XIX. No entanto, essa observação não desmerece a relevância do trabalho como subsídio para a história social e intelectual do Estado. O autor relaciona perto de 50 sergipanos (nomes, obras e cargos) que atuaram no magistério no Rio de Janeiro entre os finais dos séculos XIX e XX.
Junto a esses últimos textos, devo citar os que podem ser considerados trabalhos de alargamento das fronteiras (se não metodológicas, pelo menos temáticas) da historiografia local. No grupo, além do já citado texto de Beatriz Góis Dantas, devem ser incluídos os textos de Maria da Glória Santana, Lindvaldo Sousa e Francisco José Alves. Maria da Glória convida os novos pesquisadores a produzirem uma nova interpretação sobre a relação igreja católica-desfavorecidos (índios e escravos). É uma nova análise sob o ponto de vista da não-elite “do poder, da fortuna e da cultura” que deve ser empreendida. Em “A manutenção da ordem e as relações de poder”, Lindvaldo Souza demonstra a ineficiência do poder Judiciário e da Polícia para controlar as ações de banditismo e a violência que atingia a população das fronteiras e do agreste de Itabaiana entre 1889 e 1930. Por fim, em “O missionário, o bandeirante e o sesmeiro”, o professor Francisco Alves informa sobre os roteiros e interesses dos primeiros exploradores do baixo São Francisco. O artigo amplia uma fronteira temática que promete muitos resultados para os próximos anos, posto que vai ao encontro dos projetos do Grupo de Estudos de História do Nordeste, do Centro de Documentação e Pesquisa sobre o baixo São Francisco e dos estudos sobre a pré-história, centralizados no Museu Arqueológico de Xingó.
Vê-se então, pela variedade de temas, problemas e perspectivas apresentadas nesse número, que a Revista do IHGS ocupa relevante papel para a divulgação e refinamento das práticas historiadoras em Sergipe. E essa interação entre “acadêmicos” e “universitários” deveria ser aprofundada ainda mais em projetos de pesquisa promovidos pelo próprio Instituto. Fica ainda a importante constatação de que, apesar de todas as modificações impostas pela indústria da informação e da ineficiência das elites dirigentes desse Estado, o IHGS mantém firme o compromisso de valorizar “os traços característicos de nossa formação histórico-cultural... e reafirmar a diversidade regional diante dos desafios do processo de globalização”. A “identidade” é ainda o grande “problema” do historiador.
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Mais um número da Revista do IHGS. Jornal da Cidade, Aracaju, 08 jun. 2000.