Quando eu tinha uns oito anos e ouvia falar em Rodrigues Dória nunca pensava no homem que dava nome ao grupo escolar onde eu estudava. O que vinha à mente era o prédio de formas arredondadas e paredes amarelas. O mesmo acontecia quando passei ao Colégio Costa e Silva. Um edifício simples e "moderno", com linhas retas e telhas de amianto, sem o charme do velho "Rodrigues Dória". Assim, ausente a imagem, dissolvia-se o patrono na arquitetura da escola. Figuras fortes na lembrança foram mesmo as professoras. Quanto aos patronos, só vim a saber algo sobre eles dentro da Universidade. Do primeiro, conheci a produção em 1998 quando estudava a experiência dos sócios do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe; do segundo, guardei apenas a vaga lembrança de ter sido partícipe do malfadado governo militar.
Não sei se mudariam as minhas representações sobre os citados patronos e escolas caso circulasse, em 1970, um Catálogo específico como o que foi lançado, pela Prefeitura Municipal, no último sábado. Também não faço idéia da reação dos alunos de hoje ao conhecerem as razões da nomeação e o currículo das pessoas que intitulam o estabelecimento por onde passam, até, um terço do tempo; onde entretêm importantes experiências afetivas, e onde buscam, em muitos casos, a refeição mais completa do dia. Deixando de lado essas indagações de ordem pessoal, cabe reconhecer, porém, que o Catálogo das Escolas Municipais é um guia para os trabalhadores do ensino e um eficiente instrumento de gestão administrativa para Secretarias de Governo e demais instituições envolvidas com políticas públicas.
O Catálogo é, antes de tudo, uma produção bem cuidada. São 217 páginas encadernadas em papel couchet, com capa dura (formato 22 x 29,5 cm) e impresso em cores. Divide-se em duas partes. Na primeira, Teresa Cristina Cerqueira da Graça sintetiza a história da escola e recupera a tradição de dar nomes aos estabelecimentos. Sobre o caso aracajuano, a organizadora analisa quem são os patronos e como se processa o ato de nomear uma escola (motivações, tendências e relação entre os homenageados e a comunidade alvo). Seguem-se os textos de Carla Alessandra Silva Nunes e Joana D'Arc Costa Santos, abordando a trajetória administrativa da educação municipal (construção de escolas, formação do quadro docente) e o de Josefa Eliana Souza (organizadora), descrevendo a estrutura administrativa atual da Secretaria Municipal de Educação. A primeira parte do trabalho funciona, portanto, como instrumento didático, tanto para gestores, clientes e pesquisadores, como para os que planejam investimentos nessa espécie de atividade.
Mas o Catálogo é, além de instrumento de gestão, um importante elemento para memória individual e coletiva dos aracajuanos, o que se pode notar em sua segunda parte. São quarenta e cinco escolas retratadas através de quadros explicativos, fotografias e textos. Os quadros informam sobre endereço, capacidade, níveis e modalidades de ensino, data da criação e gestores responsáveis pela instalação. Mas os loiros ficam por conta das fachadas e detalhes das escolas, registrados em fotografia. No Catálogo, todos os estabelecimentos ganham o mesmo espaço, o que reforça a auto-estima dos usuários. As imagens estimulam a rememoração de quem já passou pela escola ou pelo prédio que tinha, antes, outra função (o Cinema Bonfim, no Siqueira Campos, deu lugar à C.E.C Prof. José Araújo Santos) e isso não é pouco. O modelo da "farda", a "pose" para o retrato de formatura, a fila para a "merenda", a obrigatoriedade de cantar o hino nacional, a "quadrilha" no São João etc., tudo são imagens recuperadas ao rever fotografias das escolas. As biografias também ajudam a atualizar o estoque de lembranças pessoais e já imagino agora o quanto deve significar, para muitos, cada informação contida nas histórias de patronos como João Teles de Menezes, Áurea Melo e Tênisson Ribeiro.
Além desse efeito semi catártico, é importante observar como a conjuntura política e, principalmente, as recordações individuais dos prefeitos vem contribuindo para a elaboração da memória coletiva de Aracaju. Nesse ponto, uma surpresa: as escolhas dos patronos das escolas têm sido muito mais plurais do que o imaginado. Ao biografar os escolhidos, reunindo depoimentos orais, recuperando artigos e monografias, as organizadoras acabaram por acrescentar algumas páginas aos trabalhos desenvolvidos por Carvalho Lima Júnior, Epifânio Dória e, sobretudo, Armindo Guaraná. A reunião de personagens inscritos na memória sergipana (por ação do Estado e de outros tipos de organização) tem sido um trabalho sonhado por muitos, mas reduzidas foram as tentativas nesse sentido. Narrar a vida de pessoas é uma atividade sedutora, mas nem um pouco simples. Para quem desdenha do que acabo de tratar, sugiro uma reflexão sobre o rotineiro ato de "lembrar". A memória sustenta o nosso sentido de identidade: "Saber o que fomos confirma o que somos" (Lowenthal: 1998). A lembrança dá significado à vida presente e nisso está uma das mais relevantes contribuições do Catálogo das Escolas Municipais de Aracaju. Que venha agora o Catálogo das Escolas do Estado, para que eu também possa atualizar meu estoque de lembranças.
Para citar este texto:
OLIVEIRA, Itamar Freitas de. Um catálogo de memórias. Jornal da Cidade, Aracaju, p. 4-4, 28 maio 2000.
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