Vista parcial da Aldeia Xocó. Porto da Folha-SE, março de 2010. Foto de Itamar Freitas. |
Uma
das principais estratégias para o desenvolvimento da educação pela tolerância é
a disseminação de informação atualizada sobre a pluralidade cultural. Este
trabalho foi produzido dentro desse espírito. Com ele, queremos subsidiar a
reflexão do professor sobre a sua prática, propondo e respondendo duas questões
relacionadas ao uso da história dos – indivíduos, grupos, sociedades – indígenas
na formação de pessoas, ou seja, na escolarização básica: (1) o que os
historiadores têm afirmado, nos últimos cinco anos, sobre os indígenas que
habitam o Brasil? (2) Que proposições podem ser transpostas ao cotidiano da
sala de aula para viabilizar a aplicação do artigo n. 26-A da lei n. 11. 645 de
fevereiro de 2008 – que trata da história e da cultura indígena em “todo o
currículo escolar” dos ensinos fundamental e médio, público e privado?
Essas
questões são aqui respondidas mediante o enredamento das teses mais
recorrentes, veiculadas por trabalhos acadêmicos apresentados no maior fórum
brasileiro de discussão historiográfica – o Simpósio Nacional de História,
promovido pela Associação Nacional dos Historiadores nos anos 2005, 2007 e 2009.
Por meio de uma centena de exemplos,
aproximadamente, pudemos perceber que os acadêmicos se esforçam para apresentar
os indígenas como sujeitos históricos no passado e no presente. E exemplificaram
tal condição, afirmando que indígenas fizeram alianças com motivos e atores os
mais diversos, empregaram os instrumentos de subordinação como ferramentas de
reivindicação dos seus direitos e reagiram à dominação europeia.
Historiadores
também afirmam que as culturas são marcadas por intensa atividade para a
produção da existência, ou seja, indígenas trabalham e nunca foram originalmente
frágeis de saúde. Indígenas também reproduzem os seus modos de vida e mantém
diferentes relações com a escola disciplinarizada, ou seja, contestam sua
função controladora, ao mesmo tempo em que a consideram um instrumento de
emancipação.
A
respeito dos critérios de identificação, historiadores defendem a ideia de que são
indígenas os que se afirmam e são reconhecidos como tal. Suas identidades tem
caráter dinâmico e mutável – como as identidades dos não indígenas.
Não
obstante o reconhecimento de que os indígenas são protagonistas, trabalhadores
e produtores de suas identidades, os historiadores reconhecem o grande poder que
os acadêmicos e o Estado exercem sobre esses processos de legitimação. Da mesma
forma, continuam denunciando o etnocídio e o genocídio e a manutenção de
conceitos evolucionistas que cercearam e ainda impedem o reconhecimento do
direito ao passado e ao futuro dos indígenas.
A
respeito das possibilidades de transposição didática dessas teses, é necessário
refletirmos sobre algumas questões. A primeira delas: é necessário preencher
todo o currículo com a experiência indígena, em termos espaciais e temporais?
Penso que não. A experiência indígena deve ser chamada à cena didática quando
os objetivos do projeto pedagógico, as demandas do alunado e a produção
historiográfica local assim o exigirem.
Outra
dúvida é quando à presença dos indígenas na escola. Será mesmo necessário por
os alunos em contato com sujeitos que se assumem como tal? Correndo o risco da
condenação acadêmica, eu ouso afirmar que não. A aprendizagem de conteúdos
conceituais e atitudinais, como também a apreensão de valores – solidariedade,
alteridade, tolerância, entre outros –, independem do contato físico com os
objetos de conhecimento. Se assim o fosse, não compreenderíamos as ideias
iluministas que forjaram os sentidos de igualdade de oportunidades e de
direitos sob os quais se eleva o nosso sistema educacional. A presença física
de indígenas na escola, em muitos casos, pode reforçar em vez de combater
preconceitos.
Outra
questão frequente nos cursos de formação continuada e que desafia a reflexão
dos pesquisadores, sobretudo do ensino de história, refere-se aos limites da
atualização historiográfica. Devemos incorporar ao ensino escolar todos os
problemas, objetos e abordagens, ou seja, todas as teses produzidas no mundo
acadêmico? É evidente que não. O mundo acadêmico tem suas próprias regras e uma
delas é a liberdade para avançar – diria um leigo – a esmo, experimentar sem a
necessidade de cumprir uma função social de caráter imediato. Esse traço
distintivo da ciência nos obriga a reconhecer que nem todo o material produzido
pela academia deverá e, mais importante, poderá figurar nos currículos, nos
livros didáticos e nos planos de aula. Aqui, novamente, as demandas do alunato
e as orientações do projeto pedagógico da escola estabelecem os limites da
transposição.
Relacionada
a essa limitação está a dúvida sobre as formas de explorar a diversidade dos
indígenas que habitam o território nacional. Como abordar os direitos indígenas
e ao mesmo tempo tratá-los em sua diversidade? As duas situações exigem,
paradoxalmente, um tratamento homogeneizante e diferenciador. Coloquem-se na
posição do elaborador de currículos ou do autor de livro didático: como
distribuir a experiência de 240 grupos sem hierarquizá-los? Qual espaço
atribuir a cada um, sabendo-se que as informações são dispersas e desiguais? Como
evitar o emprego das palavras índio e indígena? Uma boa estratégia para a
resolução desse problema é por os olhos no local. Homogeneizar e diferenciar
são mais factíveis quando nos detemos à experiência do entorno do aluno.
Agora
uma última questão para pensar: se não somos obrigados a incorporar,
apresentar, consumir, preencher todo espaço e todo o tempo do currículo etc. –
como defendo aqui – por que exigir do livro didático uma atualização olímpica
em relação à produção acadêmica? Devemos excluir da sala de aula um livro que
omite, por exemplo, a experiência indígena local? Para esse problema, proponho
o que a vivência de muitos professores do ensino básico indica: um livro ruim
será um excelente instrumento de aprendizagem se o professor estiver bem
informado e engajado na tarefa de desenvolver as capacidades de conhecer,
compreender e criticar do seu aluno. Assim, ao flagrar um erro de datação
tópica ou cronológica, ao detectar uma interpretação incompatível com o nosso
sistema de pensamento – uma identidade indígena a partir de critérios
evolucionistas, por exemplo – o professor pode estimular os alunos a questionar
e a apontar as contradições do discurso veiculado pelo material. Erros factuais
podem ser corrigidos com mais e mais pesquisa.
A
experiência dos mestres também indica que se a organização dos temas é pobre
estética e cognitivamente, o professor pode explorar as mesmas questões
mediante o uso de outras linguagens – sonora, visual – ou gêneros – artigos de
jornal, depoimentos escritos. Se, por fim, os conceitos e teses disseminados
pela pesquisa de ponta são requeridos pelo projeto pedagógico e pelas demandas
do alunado, mas não estão contemplados no material didático, o professor pode
elaborar atividades para desenvolvê-los junto aos alunos.
Em
suma, o saber dos mais experientes professores indica que o compromisso com a
aprendizagem do aluno e a informação atualizada são a chave para transpor as
teses da pesquisa de ponta e contornar as deficiências de todos materiais
didáticos que nos são apresentados ou impostos.
Para citar este texto
FREITAS,
Itamar. A experiência indígena entre os
historiadores profissionais (2005/2009): possibilidades de transposição didática.
Palestra proferida na Universidade Regional do Cariri – URCA. Crato, 30 ago. 2012.
Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/08/a-experiencia-indigena-entre.html>.
Prezado Itamar,
ResponderExcluirdeparei-me com um livro seu a partir do meu orientador (Prof. Batista Neto), aqui em Recife-PE. Sem querer, encontrei esse blog. Sou pesquisador do ensino de História, com foco para a utilização da imagem no ensino. Queria lhe agradecer pelo blog. Sinceramente, foi um dos mais maravilhosos serviços sociais prestados a pesquisadores e, particularmente, a professores de História que eu há vi na internet. Muito obrigado e grande abraço!
Prof. Felipe Viana