Quando Balthazar de Araújo Góis (1853/1844) resolveu publicar suas Apostilas de Pedagogia (1905), já havia ministrado aulas de francês, aritmética, geografia, astronomia, português e de pedagogia. Acumulava também a experiência de gestor educacional com passagens pela direção do Atheneu, Grupo Modelo e Central, Liceu Laranjeirense e da Instrução Pública do Estado. O livro recolheria, assim, matéria de uma vida de “observação de casos”, às vezes, “caprichosos”. Casos que alimentavam as regras da pedagogia, a esse tempo, uma “arte” (e não ciência) de educar crianças – uma “educação” em dimensões reduzidas.
Mas não era somente um “formulário de receitas para doentes e doenças mais ou menos conhecidas”, como bem lembrou Oliveira Teles (1905, p 14). Cobria os conceitos elementares da pedagogia e da psicologia, discorria sobre as clássicas educações física, moral e intelectual, e apresentava os modelos de diplomas e de formulários de controle utilizados pela burocracia republicana.
Nas Apostilas há síntese de um século (o século XIX) de refinamentos dos preceitos responsáveis por afastar o homem do seu “estado de natureza” (educar). Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Spencer e Kalkins entram e saem no desfile dos princípios e dos exemplos cunhados por Balthazar. O mestre combina evolução/progresso com idéia espiritualista de alma, com o ataque aos sete pecados capitais, o cultivo do espírito cristão e uma concepção utilitarista da vida. No entanto, pondera o mesmo Oliveira Teles, “não manifesta um ecletismo dependente e servil”. Mas, o que seria um ecletismo servil? Bem, deixemos o filósofo em paz.
Quando o Conselho Superior da Instrução Pública examinou os originais das Apostilas (1902), aprovando sua impressão e adoção pelo ensino público, nosso mestre Balthazar também já era um conhecido historiador de vidas e da política. Sua obra de maior fôlego (1891) intitulou-se A República em Sergipe: apontamentos para a história – 1870/1889. Tratava-se de um libelo contra as elites “incultas” e “pobres de espírito” que retardaram ao máximo o desenvolvimento da idéia republicana em Sergipe. Essa narrativa tinha a função de estabelecer os fatos para os historiadores do futuro. A história tinha o poder de revelar a fatalidade das novas idéias, a inexorabilidade dos costumes superiores. (Cf. A Semana em foco, 30 nov./6 dez. 2003).
Assim, fechada a equação, a pedagogia civilizaria a criança – desenvolvendo, estimulando e aperfeiçoando as faculdades da alma (sensibilidade, vontade e inteligência) – e o saber histórico demonstraria a necessidade e as vantagens do processo civilizatório. Certo? Errado! Para Balthazar Góis, no que dizia respeito ao ensino primário, a história não tinha utilidade alguma, pelo menos a história que ele e o restante dos historiadores sergipanos costumavam escrever no final do século XIX e início do XX: “tomado como resenha dos fatos, que os meninos não compreendem, é um saber inútil; em relação ao tempo e ao trabalho perdido, um grande prejuízo; e em relação ao tédio e perda de amor ao estudo que o ensino assim feito produz no espírito das crianças, é ele um grande mal.” (Góis, 1905, p. 94).
E por que tanto descrédito para com o ensino de história na escola primária sergipana? Estaria no rastro de Rousseau (história só na idade da razão) ou no de Spencer (história só para a educação dos deveres políticos e sociais)? O problema estaria na idade da criança ou na forma e conteúdo da história produzida em seu tempo (história política e factual stricto sensu)? Pode ser tudo isso junto. Mas, Balthazar não desce às justificações. Ancora-se em Graça Afreixo e Henrique Freire e diz afastar-se de João Ribeiro (1890) – que propunha um primário dotado de história, geografia, ciências físicas e naturais, desenho, música, em concurso para a direção da Instrução Pública de Minas Gerais.
Na verdade, não há tanto descrédito em relação ao saber de Clio. O problema é que temos o costume de examinar a história da educação com o entendimento de ensino do século XX, ou seja, toda a educação é sinônimo de educação intelectual (escola, carteiras, disciplinas etc.). Ocorre que, no tempo de Balthazar, educação delineava nitidamente a dimensão do físico, moral e do intelectual, que correspondiam exatamente ao trato das faculdades da alma. E o lugar da história estava reservado para a dimensão moral, para o disciplinamento das vontades e das inclinações humanas. Era a educação moral que encaminhava os homens “para o Bem, na vida social.” (Góis, 1905, p. 35-39).
Assim, na formação do caráter, o ensino de história tinha muita utilidade. Ela acontecia em ambiente familiar: “em seus lazeres, especialmente no serão, a mãe de família, reunindo seus filhinhos, lhes contará histórias morais e maravilhosas, com que estimulará sua vontade e encantará a sua imaginação. Também as lendas e histórias dos membros da própria família, e da circunscrição a que pertence, e do país natal, podem oferecer feitos úteis, ações ilustres, cujo elogio fará, no intuito de despertar no ânimo infantil o desejo natural de imitar esses belos modelos.” (idem, p. 40).
Como se vê, para Balthazar não era tanto a forma ou o conteúdo em si que importavam na educação, mas a faculdade a ser atingida e os meios para realizá-lo. Daí, o porquê da manutenção da disciplina história nas escolas normais em situações em que a mesma não pertencia ao currículo primário. A escola formaria boas professoras, boas esposas e boas mães. E mães, obviamente, deveriam ser boas professoras, de história, inclusive, para a educação moral das suas crianças.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Mãe, a primeira professora de História. A Semana em Foco, Aracaju, 24 jul. 2004.<http://itamarfo.blogspot.com/2004/08/mae-primeira-professora-de-historia.html>.
Referências
FREITAS, Itamar. A República de Balthazar. A Semana em Foco, Aracaju, 30 nov. 2003.
GÓIS, Balthazar de Araújo. Apostilas de Pedagogia. Rio de Janeiro: M. Orosco, 1905. (livro do IHGS)
TELES, Manoel dos Passos de Oliveira. Apostilas de pedagogia. In: Sergipenses, [Aracaju]: [1905]. v. 2. (livro inédito).
GUARANÁ, Armindo. Dicionário biobibliográfico sergipano. Rio de Janeiro: Pongetti, 1925.
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