quarta-feira, 5 de fevereiro de 2003

Síntese e historiografia: nota de pesquisa

Em Lógica, síntese é o método de demonstração que parte do simples para o composto, das causas para os efeitos, da parte para o todo. No ofício do historiador castiço, a síntese compõe a última etapa do método e é sinônimo de composição, ou seja, a reunião das partes analisadas, dos fatos estabelecidos, uma exposição que pode ou não resultar em generalização. Na escrita da História, entretanto, a síntese significa muito mais do que uma etapa da estratégia de conhecer o passado, ela é o próprio modus sciendi.
Essa forma particular de conhecer, a síntese, materializa-se convencionalmente nos livos didáticos de História e nos artigos de vulgarização publicados em magazines. O consumidor desses produtos sabe muito bem o que procura. Ele quer conhecer “toda” a história de Sergipe, “toda” a história do Brasil colonial a um só fôlego. Para atender a essa demanda, o escrevinhador produz, adapta, redesenha, mas a estrutura da narrativa acaba por reproduzir o que já existe no mercado, o mercado (professores e alunos dos ensinos fundamental e médio) assim a exige: história narrativa, linear, diacrônica, simples, concisa e, sobretudo, convincente.
Por tais atributos, pode-se concluir que fazer síntese histórica não é trabalho fácil. Os problemas parecem mais desafiadores. Como periodizar? Deve-se usar um mesmo determinante para recortar o tempo? Como agrupar os assuntos, temática ou sincronicamente? Deve adotar um sentido para a história para tornar-se inteligível? Os impasses são muitos (diferentemente dos trabalhos monográficos), e, é claro, os iniciados afirmarão que as soluções dependem primordialmente das finalidades do projeto e das concepções de História professadas pelo redator.
Sobre a história de Sergipe (totalidade jurídico-política estabelecida a partir do século XVII) a historiográfica de síntese é diminuta, sintoma dessa dificuldade de reunir fragmentos diversos da cultura dos nativos numa pluralidade de tempos, lugares e situações incomensuráveis. O historiador discute, agrega novos conhecimentos e recursos, mas o número de sínteses não se amplia: possuímos apenas três exemplares que escapam ao formato didático que são as Histórias de Sergipe de Felisbelo Freire (1891), Acrisio Tôrres de Araujo (1966) e João Pires Wynne (1971).
Não fora essa espécie de princípio genético, esse instinto que busca no século XVI as raízes identitárias de uma personagem chamada Sergipe, esse número poderia ser menor. E posso até antever: partindo do atual debate teórico-metodológico, é pouco provável que o historiador local aventure-se a narrar a trajetória de “Sergipe” emprestando-lhe uma experiência quadrisecular. Temos, a esse respeito, o exemplo de Maria Thétis Nunes que vem consumindo a personagem em doses espaçadas, mesmo fazendo uso de uma filosofia da História que facilita a unidade das partes na composição da síntese.
Mas, mas a minha preocupação não é com a totalidade “quadrisecular” da experiência sergipana. O interesse pela síntese é, por hora, circunstancial. Ele surgiu no momento em que eu iniciava incursões sobre a ordem jurídico-administrativa monárquica, no âmbito da província sergipana. Queria saber como funcionava a burocracia, não tanto as suas práticas rotineiras (ficaria satisfeito apenas com um conjunto de informações que permitissem a elaboração de alguns organogramas). Não esperava encontrar uma História administrativa, é claro. Mas, as sínteses que tratam sobre a experiência do século XIX poderiam auxiliar no intento, o que, de fato, não ocorreu. Era preciso, então, partir de fontes primárias e reconstruir os tais organogramas.
Nesse meio tempo, qual não foi a minha surpresa, constatei que as fontes geradas pela burocracia monárquica (os relatórios de presidente de província) ofereciam muito mais que as informações sobre a experiência local, elas próprias forneciam a estrutura narrativa desse modus sciendi que é a síntese historiográfica.

Para o estudo sobre o século XIX:
Ler a questão da administração e funcionários em José Murilo de Carvalho e Sérgio Buarque de Holanda (O Brasil monárquico).
Contar o tempo que os vice-presidentes sergipanos estiveram à frente do governo. As políticas de educação podem ter partido deles e não dos presidentes forasteiros.
Caso insista nas políticas presidenciais, verificar os nexos entre o indicado e a política em vigor no poder central (política partidária e políticas públicas para a Educação).
Os partidos não eram tão iguais (idéias) quanto a historiografia tem afirmado. É preciso estudar as pessoas, seus projetos e atitudes para conhecer as cores dos partidos Liberal e Conservador. Daí ser possível estabelecer-se conexões entre partidos e políticas de educação.

Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Síntese e historiografia: nota de pesquisa. São Paulo, 5 fev. 2003.

Fonte da imagem:
http://umpoucosobrecor.wordpress.com/category/cor-e-suas-caracteristicas/


Referências
LOBO, Maria Eulalia Lahmeyer. Apresentação. In.: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das e MACHADO, Humberto Fernandes. Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 13-15.
Síntese. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete.  3 ed. Rio de Janeiro: Delta, 1974. p. 3383, v. 5.
WYNNE, J. Pires. História de Sergipe (1575/1930. Rio de Janeiro: Pongetti, 1870.
ARAUJO, Acrísio Tôrres. Pequena História de Sergipe. Aracaju: [sn], 1966.
FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. 2 ed. Petrópolis: Vozes/Governo do Estado de Sergipe, 1977.
GARCIA, Othon M. Pondo ordem no caos. In.: Comunicação em prosa moderna. 10 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1982. P. 315-326.