O tempo presente francês. Vinheta da página inicial do site do Institut d'histoire du temps présent - IHTP. |
Apesar
das reticências enfrentadas relacionadas a questões de ordem metodológica (Que
fontes utilizar? Como fazer sua critica?); de como lidar com a inserção do
historiador no tempo narrado; de cronologia (Quando começa e quando termina?) e
de definição conceitual (História do presente, história do tempo presente,
história próxima ou história imediata? Quais as diferenças?), aos poucos as
interdições impostas à abordagem do coetâneo pelo século XIX foram superadas.
A
história praticada na segunda metade do século XX, especialmente a partir dos
anos 1970, é um dos fatores que explicam essa virada. A chamada renovação
historiográfica, conduzindo à quebra dos paradigmas da história e
proporcionando o interesse dos historiadores pelas mentalidades, pelo político
e cultural, por novos sujeitos (mulheres, negros, índígenas etc) e novas
fontes, contribuiu para a legitimidade desse campo de investigação. Além dessa
motivação acadêmica, podemos acrescentar: a aceleração do tempo vivido
provocando rápidas transformações ao longo da segunda metade do século passado
e início do XXI; o papel que tem exercido e o lugar que tem ocupado os meios de
comunicação no mundo contemporâneo e as demandas, pressões sociais surgidas em
meio às efemeridades que têm marcado o atual regime de historicidade, definido
por Hartog como presentista (2010).
Todos
esses fatores permitiram a revisão de uma das premissas metodológicas para a
escrita científica da história tão cara aos especialistas do XIX e questionada
por aqueles que no século subsequente enveredaram com insistência na abordagem
do presente: a exigência de distanciamento temporal do historiador para com seu
objeto. Nessa nova configuração, o historiador agora é chamado para prestar
contas também do presente, a contribuir para a construção de explicações para
os acontecimentos atuais, para as questões étnicas, religiosas, econômicas,
tecnológicas, políticas, sociais e culturais que têm surgido ou ressurgido nas
sociedades contemporâneas e provocado aceleradas transformações.
A
sedimentação da história do presente traz consigo também uma função social.
Nascida a partir de demandas das sociedades contemporâneas (CHAUVEAU &
TÉTART, 1999), podemos afirmar que ela é fundamental para a “constituição do
sentido da experiência do tempo”, para a orientação da vida prática (RÜSEN,
2001) Entre os que se dedicam a investigar o presente, parece ser consenso que
construir uma reflexão histórica sobre o vivido contribui para combater os efeitos
do presentismo que, de acordo com Hartog (2010), caracteriza-se pelo
“expansionismo do presente”, por sua valorização exacerbada prensando as
pessoas entre um passado que parece muito distante e que corre o risco de cair
no esquecimento e um futuro dominado pela incerteza.
As
palavras de Rioux expressam bem essa preocupação:
Como não sentir [...] que uma reflexão histórica sobre o presente pode ajudar as gerações que crescem a combater a atemporalidade contemporânea, a medir o pleno efeito destas fontes originais, sonoras e em imagens, que as mídias fabricam, a relativizar o hino à novidade tão comumente entoado, a se desfazer desse imediatismo vivido que aprisiona a consciência histórica como a folha de plástico ‘protege’ no congelador um alimento que não se consome? (1999, p.46)
Utilizada
inicialmente para se diferenciar do contemporâneo, entendido como período/época
histórica, aos poucos os acadêmicos foram dando à expressão, história do tempo
presente, contornos definidos. Metodologia, fontes, definição conceitual e a
questão da presença do historiador no tempo narrado foram as questões que
nortearam as discussões com o objetivo de retirar as desconfianças que desde os
oitocentos impediam converter o presente em historiografia acadêmica. O argumento
predominante, de forma geral, é que as mesmas regras que normatizam a produção
do conhecimento histórico relativo às outras temporalidades são as mesmas para
o tempo vivido (BERNSTEIN; MILZA, 1999). Os objetos também se diversificaram
bastante, do foco do político passamos para temáticas que dizem respeito ao
social, econômico e cultural.
Mas
apesar de superadas as interdições à historicização do presente, duas grandes
dificuldades ainda permanecem na discussão sobre a natureza dessa história. A
primeira é de ordem conceitual. Na grande maioria dos textos em que a questão é
abordada, a expressão é empregada sem que haja uma preocupação com sua
conceituação (história do presente, história do tempo presente, história
próxima, história recente) – algumas vezes encontramos a utilização de mais de
uma delas numa mesma obra. De difícil precisão, ela tem sido muito mais
caracterizada por aquilo que não é, ou do que não trata[1].
Outro
elemento de discordância gira em torno de qual seria a matriz do tempo presente.
Enquanto alguns trabalham com a baliza do pós Segunda Guerra Mundial, outros
delimitam 1989 – que representa o fim do socialismo real com a queda do muro de
Berlim- como o marco do tempo presente. Na base dessa dificuldade está,
certamente, uma das características próprias dessa história, o de seus limites
temporais serem permanentemente móveis (AROSTEGUI, 2004; ROUSSO, 2007),
descartando, dessa forma, a possibilidade de ser entendida/confundida como um
período ou sub-período da história. Nesse sentido, teríamos para cada
experiência nacional ou continental uma demarcação particular referenciada em
algum acontecimento traumático.
Mas na
historiografia didática, como o tempo presente é abordado? Sabemos que a
incorporação de eventos próximos à experiência dos alunos ocorre desde o século
XIX, com a constituição da chamada história contemporânea. Como então o livro
didático, que tem procurado acompanhar as novas demandas epistemológicas da
ciência de referência, educacionais e sociais que vem se apresentando em nossa
sociedade desde finais do século passado, leva essa discussão para seu
interior? Há uma reflexão sobre esse campo? Que marco cronológico é utilizado? O
que do tempo presente é abordado? Quais seus usos no ensino?
O tempo presente no livro História: série novo ensino médio e em História em foco de Divalte Garcia
Figueira
História: série novo ensino médio, volume
único, foi lançado em 2002 e reeditado em 2003, 2010 e 2011. Apresenta proposta
curricular “integrada”, organizando os conhecimentos factuais, conceituais e
procedimentais em ordem cronológica no conhecido quádruplo história antiga,
média, moderna e contemporânea. A mesma organização orienta História em foco (2011), também
destinada ao ensino médio, mas disposta em três volumes.
As
obras foram escolhidas por sua regularidade de circulação ao longo da última
década, como também pela legitimidade reivindicada pelo autor no campo da
pesquisa histórica e do ensino de história para a escolarização básica. É a
própria editora Ática (detentora dos direitos autorais) quem divulga na página
de créditos: Divalte Figueira é mestre em História pela USP, professor de
história do ensino médio e autor de Cidades
históricas e o barroco mineiro (2000) e Soldados
e negociantes na Guerra do Paraguai (2001).
Para
examinar a presença de referências ao tempo presente na obra (definições,
marcos temporais, usos no ensino, níveis de experiência humana abordados)
optamos por selecionar alguns indicadores que poderiam incorporar algumas das
discussões acima. Nossa hipótese é que as possibilidades podem situar-se: 1. nos
elementos pré-textuais (apresentação e sumário) 2. nos textos principais
referentes à introdução à história; 3. nos textos principais e respectivos
exercícios que apresentam a experiência contemporânea (com ênfase na
experiência brasileira); 4. em sessões específicas que exploram o
desenvolvimento de habilidades de relacionar passado/presente, distribuídas por
toda obra; 5. nas instruções metodológicas disponibilizadas no manual do
professor. Vejamos, agora, os resultados.
Posse de Fernando Collor de Melo como presidente da República: início do presente da história do Brasil. |
Indícios do tempo presente nos
elementos pré-textuais
De
início, questionemos: a que se destina o livro, quais são os seus objetivos?
Aqui, nos elementos pré-textuais, é possível identificar preocupações com a
experiência do presente mediante o emprego de alguns vocábulos indiciários. Em
2002, os editores atribuem à obra a tarefa de auxiliar o aluno a “enfrentar as
exigências de um mundo cada vez mais globalizado”, atendendo às
prescrições legais para o ensino médio. No ano seguinte, surge o “vestibular”
como preocupação, além da intenção de contribuir para a “formação cidadã” do
aluno. Em 2010, a formação cidadã permanece, acompanhada da vantagem de
fornecer “os acontecimentos e processos mais importantes da história”. Na
primeira edição da História em foco (e
última versão da história escolar para o ensino médio produzida por Divalte
Figueiras), por fim, é a realização das “provas do Enem e dos vestibulares mais
exigentes” que norteia as intenções da autoria. Aqui também os “processos
importantes” ou o “tudo sobre a história geral e do Brasil”, presentes nas
edições de 2003 e 2010, é substituído pela compreensão dos “acontecimentos” e
“processos históricos mais importantes” (Cf. FIGUEIRA, 2002, p. 3, 2003, p. 3,
2010, p. 3, 2011, p. 3).
Logo
na apresentação os livros destacam o “governo Lula” e a “globalização”, o mundo
“globalizado”. Também informam sobre a sessão “Leitura e debate”, cujo objetivo
é desenvolver a habilidade de relacionar “o estudo da história” e a “vida
concreta” do aluno (FIGUEIRA, 2003, p. 3). Mas é no sumário que os indícios são
mais robustos. Em ordem cronológica das edições, constatamos o destaque para a
experiência brasileira como último tópico em todos títulos analisados: “O
Brasil de hoje” e “Brasil: a construção do futuro” (nas três edições
seguintes). Examinemos, então, o lugar do “hoje” e da “construção do futuro” no
conjunto da obra, focando unidades/capítulos que exploram a experiência
brasileira, já que os títulos de Figueira destinados ao ensino médio não
reservam tópicos para temática da introdução à história.
Conhecimentos e habilidades sobre o
“hoje” e o “futuro”
De
início, vejamos o lugar do contemporâneo nas obras de Figueira. Como podem
acompanhar pela tabela n. 1, o período que se inicia com a Revolução Francesa
mantém o espaço nas três edições de História:
série novo ensino médio. São 54% do espaço em páginas, restando 46% para todas
as outras “idades”. Concluímos então que o contemporâneo é majoritário. No
título História em foco, entretanto,
esse domínio cai para 35%. A explicação para essa mudança nos parece bastante
simples. A distribuição em três volumes (o História:
série novo ensino médio é volume único), obriga a uma adequação entre a
distribuição de páginas e a distribuição dos conhecimentos/períodos pelos três
anos do ensino médio.
Quanto
ao espaço ocupado pela experiência brasileira – a que se refere ao “hoje” e ao
“futuro” –, observamos idêntica constância nos volumes de História: série novo ensino médio e a ampliação em História em foco (apesar de o espaço
contemporâneo ter diminuído em relação à edição volume único). Isso nos leva à
conclusão de que maior espaço em volumes e páginas significa maior espaço em
páginas para a experiência brasileira, tanto nas páginas do contemporâneo quanto
nas páginas do Brasil “hoje”, como demonstrado na tabela 2.
Constatamos,
então, a hegemonia do contemporâneo na obra de Figueira e a ampliação do espaço
concedido à experiência brasileira e contemporânea quando os conteúdos são
distribuídos em três volumes. Mas, qual a natureza desse contemporâneo e da
experiência do “hoje” brasileiro?
Ambos
os títulos conservam idênticos conteúdos factuais, conceituais e
procedimentais. O contemporâneo encerra, por exemplo, os acontecimentos da
revolução francesa, independências na América (inclusa a do Brasil), Brasil
império, Brasil república, guerras mundiais, guerra fria e globalização. As
variações ficam por conta dos títulos das unidades: “um mundo bipolar”
transforma-se em “A terra dividida” (relativo à guerra fria), “Sob o domínio do
capital” transforma-se em “O domínio da burguesia” e assim por diante.
Em
relação à experiência brasileira, a escrita se repete, ou seja, são modificados
os títulos de algumas unidades. “Rumo ao terceiro milênio”, por exemplo, (em
virtude do esgotamento do novo milênio como novidade), passa a chamar-se, nas três
edições seguintes, “Ricos e pobres no mundo globalizado”. O mesmo ocorre com o
tópico referente ao Brasil: “Brasil de hoje”, no exemplar de 2002, é
substituído por “Brasil: a construção do futuro”.
Por
fim, o sentido de “hoje”. Trata-se de um conjunto de acontecimentos de caráter
político e econômico que incluem a experiência dos governos Sarney, Collor,
Itamar, FHC e Lula. Como vemos, “hoje” é um conjunto de acontecimentos
decorrentes da ação do Estado (políticas públicas, política exterior), das
mudanças promovidas pela sociedade civil (escolhas eleitorais, demandas por
políticas públicas) e, em menor grau, de desdobramentos de crises econômicas e
políticas ocorridas em outras partes do mundo. Dizendo de outro modo, não é
tanto a derrocada do socialismo real que marca a experiência inicial do
presente (o “hoje”) do Brasil, quanto as vicissitudes da política interna local
(corrupção, impeachement etc.).
Um
dado também importante, que denuncia a natureza do “hoje”, é a distância entre
o tempo vivido pelo historiador (o tempo do encerramento da produção do livro
didático) e o tempo narrado (os acontecimentos referidos na obra). Podemos
constatar que essa diferença é mínima, ainda que desigual.
Pela
tabela 3, é fácil constatar que o “hoje”, nos conhecimentos factuais e
conceituais relativos à experiência brasileira, é um tempo que se inicia com os
acontecimentos destacados da administração Collor de Melo e encerra-se com os
fatos do mesmo gênero, relativos ao governo em vigor, coincidentes (ou
distantes em até três anos) em relação ao tempo vivido pelo autor/editor. Em
outras palavras, o hoje “brasileiro” não se apresenta como escala móvel, já que
possui um ponto de partida que não se modifica (o governo Collor), indicando a
provável consolidação de um novo período para a história do Brasil.
Por
outro lado (cruzando os dados das tabelas 2 e 3), é também fácil verificar que a
experiência narrada se expande, mas o número de páginas se conserva (ao menos
no título que reúne três edições – História:
série novo ensino médio). Como isso é possível? Ora, o ajuste é bastante
simples. Na edição de 2002, os conhecimentos referem-se, obviamente, às épocas de
Fernando Collor, Itamar Franco (que não ganha espaço em separado) e FHC. No ano
seguinte, com a eleição de Lula, o autor/editor exclui textos que narram a
experiência desses três personagens para tratar do novo governo. Na edição
seguinte (2010), os espaços de Collor/Itamar parecem consolidar-se. FHC, ao
contrário, perde ainda mais “território” e o governo Lula ganha mais três
páginas[2].
Essa prática de adequar o espaço ao tempo, rendendo maior espaço ao recente ou
recentíssimo, pode configurar a escrita da história didática como uma espécie
de historiografia aditiva, tal como a descreve Reinhart Koselleck (Cf.
2006, p. 276), demonstrando uma preocupação mercadológica e acadêmica (que é
também mercadológica): atualização historiográfica (efetuada mediante fontes
jornalistas, sobretudo).
O
“hoje” e também o “futuro” são abordados nos exercícios sobre os conhecimentos
referentes aos últimos textos citados que tratam da experiência brasileira. Os
enunciados são mantidos, com poucas alterações entre os quatro exemplares
examinados.
Análise2. Os últimos dez anos da história econômica brasileira foram marcados por intenso processo de privatização e de abertura do mercado ao capital estrangeiro. Reúna-se com um grupo de colegas e discutam as consequências dessa política para o futuro do BrasilTrabalhando o contexto4. Reúna-se com um grupo de colegas e discutam quais são os principais problemas do Brasil hoje. Depois, preparem um seminário sobre o tema e apresentem para a classe.SínteseForme um grupo com seus colegas e elaborem uma redação sobre o Brasil no ano 2050. Não se esqueçam de levar em conta o cenário mundial e os problemas discutidos durante os seminários da classe (FIGUEIRAS, 2002, p. 425).Ampliando o conhecimentoComo está hoje o movimento estudantil? Quais são suas bandeiras? O que informam as páginas da UNE, da UEE e de outras organizações estudantis na internet? (FIGUEIRAS, 2011, p. 251, v. 3).
O
“hoje”, nos exercícios, portanto, significa um presente relacionado ao ano de
uso do livro didático com abrangência subjetiva em termos de níveis de
experiência humana. O mesmo se pode dizer a respeito do “futuro”, posto em
relação aos acontecimentos dos últimos dez anos. Quanto ao futuro situado em
2050, fica a questão aberta sobre a utilidade/finalidade dessa questão para o
aprendizado histórico mediante o uso do livro didático.
O presente como desenvolvedor de
habilidades
Pelo
último exemplo do tópico anterior, é fácil perceber que os exercícios
constituem uma seção do livro didático. Da mesma forma, está claro que essa
seção tem o objetivo de auxiliar no desenvolvimento de determinadas habilidades
(no caso, analisar, contextualizar, sintetizar e ampliar o conhecimento).
Seções, portanto, podem ser definidas como “os constituintes do menor segmento orgânico
do livro didático, isto é, a menor parte da obra que pode ser lida e
compreendida autonomamente” (FREITAS, 2010) e que tem a finalidade de explorar
a capacidade de retensão e de compreensão dos conteúdos substantivos, como
também, de desenvolver procedimentos caros à pesquisa histórica. Em que medida,
então, as referências ao presente poderiam subsidiar o cumprimento dos
objetivos nas seções dos livros aqui examinados?
As
seções mais significativas para o nosso estudo são as “Atividades de final de
capítulo”, que estão subdivididas em “Para sistematizar o estudo” e “Leitura e
debate”. A primeira explora cinco habilidades: relacionar conteúdos, leitura e
interpretação, contextualização, integrar diferentes disciplinas e ampliar o
conhecimento. A segunda, como o próprio título anuncia, explora as habilidades
de leitura e discussão. A maioria delas, evidentemente, não foi planejada para
explorar a relação passado/presente, trabalho específico das subseções
“Trabalhando o contexto” e uma das tarefas de “Leitura e debate”.
“Trabalhando
o contexto” está presente em todos os títulos e exemplares analisados, mas não
é seção fixa. Os enunciados também mantém a estrutura, mas nem todos promovem o
relacionamento passado/presente, como nos exemplos que se seguem:
No século XIX, o socialismo resumia as esperanças das classes trabalhadoras de conquistar um mundo com menores desigualdades sociais. Ao longo do século XX, em várias regiões do mundo, os socialistas conquistaram o poder. Faça uma pesquisa para saber qual a situação do socialismo no mundo (FIGUEIRAS, 2003, p. 56. Grifos nossos).
Faça uma pesquisa sobre o papel da Igreja Católica no mundo ocidental atualmente. Destaque ações que podem ser consideradas positivas e aquelas que têm sido objeto de crítica (FIGUEIRAS, 2011, p. 133, v. 1).
Tibério e Caio Graco pereceram na luta pela reforma agrária. Explique por que, tanto na Roma antiga como nos nossos dias, no Brasil, a luta pela terra tem sido acompanhada de violência (FIGUEIRAS, 2010, p. 62).
No Egito antigo, o faraó concentrava todo o poder, comandando a religião, os exércitos, a economia etc. Em grande parte, esse poder estava fundamentado na crença de que ele era um deus. Escreva um texto comparando o poder do faraó no Egito Antigo e o poder dos governantes brasileiros nos dias de hoje (FIGUEIRAS, 2002, p. 23).
“Leitura
e debate” é subseção fixa, também presente em todos os títulos, exemplares e
volumes analisados. Acompanhemos os exemplos:
Apesar das leis de proteção às crianças existentes em nossos dias, ainda é possível encontrar casos de exploração do trabalho infantil. Com seus colegas de grupo, faça uma pesquisa para descobrir qual a situação do trabalho infantil atualmente no Brasil. Depois, escrevam um pequeno relatório sobre o assunto (FIGUEIRAS, 2010, P. 36).
Hoje, no Brasil, o poder é exercido por um presidente eleito pela população para governar por quatro anos. Compare o sistema defendido por Bossuet e o que vigora hoje no Brasil (FIGUEIRAS, 2002, p. 32).
Discuta com seus colegas e escreva um texto comentando a importância que têm para nossa vida as revoluções [de 1830 e 1848] e as ideias estudadas neste capítulo (FIGUEIRAS, 2003, p. 56).
A crença difundida pelos hebreus influenciou muitas sociedades. Identifique no texto alguns preceitos que fazem parte de nossa sociedade atual (FIGUEIRAS, 2011, p. 53, v. 1).
Se
não identificássemos os exemplos – como pertencente a uma ou outra subseção –
dificilmente poderíamos estabelecer diferenças. A “situação”, o “papel”, o
modo, o “poder”, o “sistema”, a “importância”, a presença, etc. são termos
comuns que identificam conhecimentos demandados aos alunos e indicam, apenas,
que o presente, nesses casos, não é objeto de cognição. O “atualmente”, “nos
nossos dias”, “nos dias de hoje”, “que vigora hoje”, “para a nossa vida”, “que
fazem parte de nossa sociedade” são demarcadores temporais, certamente. Mas tal
presente aparece como resultado de um longo processo, ou seja, a existência do
presente justifica-se pela existência de vários passados. Essa função é melhor
compreendida a partir dos resultados colhidos junto ao manual do professor.
O presente no manual do professor
O
texto que apresenta a obra e fornece instruções de uso – o manual do professor
– está encartado, apenas, nos títulos de 2002 e 2011. Marcos inicial e final,
entretanto, fornecem ricas informações sobre mudanças e permanências no projeto
pedagógico e historiográfico.
Aqui
também o presente é referido com todo o seu campo semântico: “atualidade”,
“realidade do aluno”, contemporâneo etc. Mas os sentidos e as funções
concentram-se em dois polos, como indicam as citações seguintes:
A
proposta que está orientando a reforma do ensino médio insiste na necessidade
de se enfatizar a realidade do aluno. Espera-se, por exemplo, que o professor
dê menos importância à memorização e que valorize o raciocínio e o espírito
crítico. Em vez de apresentar um conhecimento pronto, como se fosse definitivo,
o educador precisa estimular a capacidade do aluno de aprender, de descobrir e
de resolver problemas, levando sempre em consideração o seu conhecimento prévio
[...].
O
professor deve reconhecer a importância da contextualização dos conteúdos
vistos. Para nós, isso significa ensinar que a história está relacionada com o
presente e com a vida do aluno. Em outras palavras, significa que o mundo
contemporâneo pode ser interpretado a partir de uma perspectiva histórica
(FIGUEIRAS, 2002, Manual do professor, p. 3).
Como
podemos constatar, o primeiro sentido (expresso na primeira citação) é de
caráter estritamente pedagógico e lembra (embora não explicite) as assertivas
da aprendizagem cognitiva verbal significativa, desenvolvida nos Estados Unidos,
inicialmente por David Ausubel. O segundo é de caráter estritamente
historiográfico e lembra (embora também não explicite) a urgência, no ensino,
do conceito de historicidade – caráter de ser histórico, inclusive a realidade
vivenciada pelo aluno –, que pode afastar a ideia (nociva), sedimentada no
senso comum do aluno, de que a ciência da história estuda o passado em si mesmo.
Trata-se
de um casamento bastante conveniente entre teoria da aprendizagem e teoria da
história, que legitima a obra perante as prescrições estatais para a educação.
Do ponto de vista teórico, entretanto, o casamento apresenta fragilidades. Se
entendermos “contextualizar” como fornecer referências em termos de sujeitos,
ideias, espaço e tempo para que os alunos compreendam (para que lhe sejam
significativos) os conhecimentos apresentados, podemos concluir que o presente
está fora do livro didático, uma vez que é referido como “realidade do aluno”
e, como tal, é extremamente subjetiva. As atividades citadas no tópico anterior
alimentam a conclusão de que o livro didático apresenta-se como um estudo do
passado para que o aluno conheça as causas da sua situação atual. A
historicização experimentada refere-se ao presente do aluno e não a um presente
resultante do trabalho do historiador.
No
manual do professor produzido para a edição de 2011, o projeto pedagógico não é
modificado e reforça a sua dependência em relação aos “eixos cognitivos
definidos na matriz de Referência para o Enem 2009” (FIGUEIRAS, 2001, Manual do
Professor, p. 4-5). Aqui, é ainda mais explícito e, consequentemente, segundo o
raciocínio que estamos desenvolvendo, ainda mais contraditória a oferta de
atividades e a abordagem do presente. Ele informa ser “recomendável que o
professor, ao iniciar um novo assunto, comece sempre pelo presente e, a partir
daí, faça uma ligação com o passado” (FIGUEIRAS, 2011, Manual do professor, p.
5). O que vemos no livro é o contrário. O presente do aluno é discutido em
atividades ao final do capítulo, indicando, portanto, que mesmo em termos
pedagógicos a relação é prejudicada, uma vez que o procedimento indicado fica
na alçada do professor.
Conclusões
Percebemos,
então, que a preocupação em incorporar ao livro didático a experiência do
presente é apresentada em seus elementos pré-textuais. Ajudar o aluno a enfrentar
o mundo globalizado, relacionar sua vida à história e formar para a cidadania
são indícios desse esforço. O próprio sumário, ao colocar como último tópico de
discussão o “Brasil de hoje” (2002) ou “Brasil: a construção do futuro” também exemplifica
tal tentativa.
Apesar
disso, no entanto, Divalte não utiliza a noção de história do presente.
Trabalhando com a clássica divisão quadripartite da história, os
acontecimentos/temas históricos compõem uma sequencia que parte da Pré-História
ao contemporâneo. Mesmo que insinuado, uma diferença temporal em relação a esse
último período da história não é discutido explicitamente. Tópicos como “Brasil
de hoje” ou “Rumo ao terceiro milênio”, por exemplo, que incluem a experiência
dos governos Sarney a Lula em todos os livros e edições, foram assim nomeados
sem que uma justificativa para tal recorte e discussão conceitual tenha sido
feita.
O que
constatamos, portanto, é que as discussões da historiografia sobre o tempo
presente, enquanto campo de investigação histórica, não aparecem no material
analisado. Seja nos elementos pré-textuais, nos exercícios ou no manual do
professor, o presente, lugar de onde se parte para a compreensão do passado e
historicização da realidade do aluno, e que vem atender a uma exigência
historiográfica e pedagógica, é o que prevalece. Abordar o passado a partir do
presente, no entanto, não significa a realização de uma história do presente. Tal
prática, que não apresenta definições, funções, ou balizas cronológicas
justificadas conceitualmente, está muito mais próxima da historiografia aditiva
referida por Koselleck, (do hábito de registrar os acontecimentos
contemporâneos ao historiador) em voga há, pelo menos quatrocentos anos, ainda
que a construção dos livros analisados não mais ocorra dentro da compreensão do
tempo como fenômeno estático e de uma história como mestra da vida.
Para citar este texto:
SEMEÃO,
Jane, FREITAS, Itamar. Tempo presente e historiografia didática: possibilidades
de pesquisa com livros de história destinados ao ensino médio (2002/2012). SEMINÁRIO
VISÕES DO MUNDO CONTEMPORÂNEO: “AS ESTAÇÕES DA HISTÓRIA – DO INVERNO RUSSO À
PRIMAVERA ÁRABE”, 2. São Cristóvão. Anais...
São Cristóvão: Grupo de Estudos do Tempo Presente/Universidade Federal de
Sergipe, 2012. 1 CD-ROM. Disponível em: < http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/06/tempo-presente-e-livro-didatico.html>.
Fonte das imagens:
Posse de Fernando Collor de Melo. Disponível em: <www.saraiva13.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Fernando Collor de Melo. Disponível em: <www.hevertonazevedo.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Itamar Franco. Disponível em: <www.flavioluizsartori.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: <www.maureliomello.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Posse de Dilma Rousseff. Disponível em: <www.cacoalnews.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Fernando Collor de Melo. Disponível em: <www.hevertonazevedo.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Itamar Franco. Disponível em: <www.flavioluizsartori.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: <www.maureliomello.blogspot.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Posse de Dilma Rousseff. Disponível em: <www.cacoalnews.com.br>. Capturado em 9 jun. 2012.
Referências
ARÓSTEGUI,
Julio. La historia vivida. Sobre la
historia del presente. Madrid: Alianza Editorial, 2004.
BÉDARIDA,
François. Tempo presente e presença na história. In: AMADO,
Janaina; CHAUVEAU, Agnés; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. São Paulo: EDUSC, 1999.
FERREIRA,
Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. In: Cultura Vozes. Petrópolis: Editora
Vozes, v.94, n0 3, 2000, pp.111-124. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/517.pdf>.
Acesso em: 21/07/2008.
FREITAS, Itamar. O saber em fatias: o livro didático em
seções e as seções em livros didáticos de História (1900/2010). Notas para
orientação. Nossa Senhora do Socorro, 5 dez. 2010.<http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/12/o-saber-em-fatias-o-livro-didatico-em.html>.
Capturado em 17 mai. 2012.
FIGUEIRA,
Divalte. História: série novo ensino
médio. São Paulo: Ática, 2002.
______.
História: série novo ensino médio.
2ed. São Paulo: Ática, 2003.
______.
História: série novo ensino médio.
3ed. São Paulo: Ática, 2010.
______.
História em foco. São Paulo: Ática,
2011 (2 v.).
KOSELLECK,
Reinhart. Futuro passado:
contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
PUC-RJ/Contraponto, 2006.
[1] Por esse caminho, por exemplo,
história do tempo presente não trataria do “imediato”, que deve ficar a cargo
dos jornalistas, já que ao articular o tempo curto ao tempo longo essa operação
historiográfica situa-se na duração - fugindo, dessa forma, do efêmero, do
contingente.
[2] Infelizmente, a comparação do História em foco não pode ser feita,
dado que somente examinamos uma edição, que é estruturalmente diferente da História: série novo ensino médio.
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