Casarão onde morou Anísio Teixeira, Atual sede da Biblioteca Municipal que leva o seu nome. Caetité-BA, 2012. |
Colegas, é um
prazer estar com vocês nesta noite de sexta-feira, aqui na Universidade do
Estado da Bahia, campus de Caetité-BA, falando sobre ensino de história. Quero
agradecer aos organizadores do VI Encontro de História, sobretudo, à professora
Luciana Oliveira, a quem conheci pela rede, trocando informações sobre a
história do ensino no Brasil e na Espanha, e aos professores Jairo Nascimento e Antonieta Miguel pela acolhida na cidade e nas dependências desta Universidade. É também um prazer conhecer novos
pesquisadores, como o professor Eduardo Leite que partilha conosco um pouco da
sua experiência nessa mesa redonda.
O
tema indicado foi “A pesquisa no ensino de história”. Ele sugere o estudo sobre a investigação como
estratégia didática em sala de aula e o trabalho diacrônico ou sincrônico sobre
o estado da arte. Mas ele convida também a uma explanação sobre a tópicos
privilegiados pela pesquisa na área. Aqui, tomo este último caminho. Falarei
brevemente sobre a posição de pesquisadores brasileiros e estrangeiros a
respeito do que deve saber e saber fazer o professor de história, enfatizando a
ideia de que as práticas relacionadas ao ensino de história dependem da
reflexão realizada em diferentes áreas.
Em
seguida, verticalizo essa convergência analisando dois estudos que se debruçam
sobre a ideia de aprendizagem histórica, respectivamente, na Alemanha e nos
Estados Unidos.
A pesquisa sobre os saberes e fazeres
necessários ao professor de história
Em
trabalho recente, questionei sobre os conhecimentos e as habilidades que o
futuro profissional de História deveria possuir para bem exercer o seu ofício.
O que deve o licenciado em História “saber” e “saber fazer” para ser
considerado minimamente capacitado à docência nos domínios de Clio? (Cf.Freitas, 2011). Na ocasião justifiquei a relevância dessa questão. Ela ajuda a
criticar e a redefinir os currículos dos cursos de formação inicial e
continuada nas áreas de História e Pedagogia e também as formas de avaliação
interna e externa desses cursos.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite |
No
Brasil recente, refletiram sobre a formação do professor de História, por
exemplo, Ana Maria Monteiro (2007), Flávia Caimi (2008), Selva Guimarães
Fonseca e Marcos Silva (2009), Ana Nemi, João Carlos Martins e Diego Luiz
Escanhuela (2009).
A que
conclusões, portanto, chegaram esses pesquisadores sobre os conhecimentos e
habilidades fundamentais ao exercício da docência em história? Em primeiro
lugar, os teóricos da História e do ensino de História, pesquisadores
preocupados com a formação de professores de História divergem quanto às fontes,
justificativas e conceitos empregados em suas argumentações. Uns se esmeram
para firmar uma razão histórica. Outros se empenham em justificar a
História-ciência como instrumento de justiça social, ou, ainda, de aproximá-la
como saber prioritário no desenvolvimento humano e, como tal, submetido aos
princípios construtivistas.
Esses
mesmos teóricos, radicados na Inglaterra, França, Espanha, Itália e Brasil, se
aproximam ao explicitarem as habilidades e os conhecimentos. Em termos de
habilidade, predominam os processos cognitivos básicos – conhecer, reconhecer e
aplicar – em detrimento das ações de criar e criticar. Em termos de
conhecimentos, são dominantes os conteúdos reconhecidos como típicos da ciência
da História (50%), seguidos da matéria produzida nos limites da Pedagogia
(40%), Psicologia, Geografia e Linguística (10%).
Da
História, os teóricos apontam como fundamental o domínio de conteúdos
conceituais e factuais da historiografia, procedimentos da pesquisa histórica e
conteúdos também conceituais e factuais da teoria da história, história da
historiografia e epistemologia histórica. Da Pedagogia, são esperados o domínio
de conhecimentos conceituais e factuais e procedimentais relacionados,
principalmente, aos campos da Didática e do Currículo. Os demais conhecimentos
requisitados são tidos como responsáveis por desenvolver no futuro professor a
capacidade de se expressar e de situar-se espacialmente, de compreender os
processos cognitivos e as singularidades do desenvolvimento do aluno.
Com
essa síntese, temos um panorama das prescrições sobre conhecimentos e
habilidades fundamentais ao exercício da docência em história. É fácil
perceber, então, o assentimento de que o ensino de história é prática debitaria
de várias especialidades, sendo dominantes a História e e a Pedagogia.
Quero,
agora, verticalizar a minha fala, tratando de um prescrição que considero
fundamental: o entendimento do conceito de aprendizagem histórica. Conhecer o
sentido de aprendizado histórico é uma responsabilidade atribuída, ora à
Pedagogia, ora à Teoria da História. Independentemente dos campos que
reivindicam (ou excluem) a aprendizagem como categoria, considero ser esse o
conceito mais importante para o ensino, depois, obviamente, da ideia de
História. Por isso, apresento os resultados de algumas reflexões sobre a
aprendizagem histórica, desenvolvidas na Alemanha e nos Estados Unidos, que
começam a repercutir no Brasil.
Alunos do curso de licenciatura em História da UESB. Auditório do campus de Caetité-BA, 27 abr. 2012. |
Sentidos germânico e norte-americano
para a aprendizagem histórica
Nos
trabalhos do teórico da história alemão Jörn Rüsen, a discussão sobre aprendizagem
histórica é atribuída ao campo da didática da História. A didática tem como
objeto a consciência histórica que é estruturada por processos (operações
mentais) de pensamento que ficam por trás (ou na base?) dos conteúdos,
determinando o comportamento das pessoas. A aprendizagem histórica ocorre
nesses mecanismos de pensamento (Cf. Rüsen, 2010, p. 42). Ela é “um processo de
desenvolvimento da consciência histórica no qual se deve adquirir competências
da memória histórica” (Rüsen, 2010, p. 113)
Essas
ideias de didática e de aprendizagem são mais inteligíveis quando (orientados
por Rüsen) concebemos os humanos como seres constituídos por intelecto, vontade
e sentimento. Todos os humanos pensam, ou seja, fazem uso do intelecto. Todos
estão compelidos a viver no mundo e viver significa enfrentar as circunstâncias
e tomar decisões. Enfrentar as circunstâncias e tomar decisões, por fim, os obriga
a pensar a sua identidade e o seu lugar no mundo, isto é, pensar articulando
presente, passado e futuro (pensar historicamente ou pensar sua condição social
e individual no tempo).
De
maneira ainda mais objetiva, portanto, pensar historicamente (para tomar
decisões e se auto-afirmar) é o mesmo que mobilizar as operações de
experimentar (o passado), interpretar (o passado como presente) e orientar-se
(no presente visando o futuro). Esses três atos, segundo Rüsen (experiência,
interpretação e orientação), podem ser reduzidos (de forma integrada) a uma só
operação: a narrativa histórica.
É
nesses três atos (operações) mentais que ocorre a aprendizagem e é,
necessariamente, sobre esses (a partir desses ou com base nesses) atos mentais
que o profissional da didática da história deve elaborar as “estratégias de
ensino” (Cf. Rüsen, 2010, p. 43).
Bodo Von Borries |
Nos
EUA, entre as décadas de 1980 e 1990, também houve preocupações com a renovação
da ideia de aprendizagem histórica. Ao contrário da Alemanha (no exemplo aqui
recortado), foram os especialistas em ciências da cognição e psicologia educacional
que teorizaram sobre a matéria. Em 1999, grande revisão de literatura sobre a
aprendizagem humana foi compilada e criticada, dando origem à publicação How students learn: history,
mathematics, and science in the classroon (2005).
Resumindo
as teses do primeiro relatório – How
people learn: brain, mind, experience, and scholl (1999) [Como as pessoas
aprendem: cérebro, mente, experiência e escola], poderíamos concluir que a
aprendizagem dos humanos fundamenta-se em três princípios: 1. a nova
compreensão é fundada na compreensão e na experiência preexistente; 2. a
aprendizagem compreensiva é aquisição de conhecimentos factuais e conceituais;
e 3. a aprendizagem compreensiva se efetua com o automonitoramento do aluno
sobre os objetivos, progressos e realizações na aquisição de conhecimentos e
habilidades (Cf. Donovan, Bransford, 2005).
John Bransford |
Conhecidos
os princípios que fornecem uma compreensão ampliada da aprendizagem, resta a
pergunta: como se desdobrá-los em estratégias para a realização da aprendizagem
histórica? Dizendo de outro modo, se aprender é adquirir fatos e conceitos,
conectá-los aos conhecimentos prévios num processo de autocontrole sobre as
próprias metas, progressos na aquisição e realizações, o que seria então a
aprendizagem histórica?
Essa
resposta não é fornecida pelos especialistas da educação. Os pesquisadores das
universidades de Washington, Harvard, Simon Frases, Michigan e Stanford (que
formam o Committee on How people learn:
a targeted report for teachers) delegam a pesquisadores ingleses que trabalham
com o ensino de história a tarefa de desdobrar tais princípios em estratégias
que viabilizem (e, consequentemente, nomeiem) a aprendizagem histórica.
Assim,
para Rosalyn Ashby, Peter J. Lee e Denis Shemilt, os princípios da aprendizagem
expressos no referido relatório transformam-se em princípios da aprendizagem
histórica, que ganha a seguinte configuração: 1. os alunos relacionam novo
conhecimento sobre o passado ao conhecimento preexistente (extraído da vida
cotidiana do aluno); 2. os alunos adquirem conhecimentos factuais, que são
melhor compreendidos quando acompanhados de conhecimentos metahistórico; e 3.
os conhecimentos metahistóricos capacitam os alunos a monitorarem a sua
aprendizagem histórica (reconhecer, selecionar, usar fontes, inferir etc.) e
combatem dois problemas advindos do conhecimento e da experiência cotidiana do
aluno: o anacronismo e a memorização automática. (Cf. Lee, 2005, p. 31-33, Ashby,
Lee, Shemilt, 2005, p. 79-80).
Conclusão
Vimos,
portanto, que a pesquisa nacional e estrangeira indica as áreas da História,
Pedagogia, Psicologia, Geografia e Linguística como locus de teorias e práticas fornecedoras de competência docente.
Recortando
ainda mais os domínios necessários à docência em história, tentei demonstrar
que o segundo conceito mais importante do campo – aprendizagem histórica –,
quando discutido sem sectarismos, é justificado a partir da teoria da história
e dos domínios que no Brasil atendem pela rubrica de Educação. Nos exemplos
aqui recortados – uma experiência germânica e uma experiência anglo-americana –
os sentidos de aprendizagem histórica partem da Teoria da História para o
refino nas áreas da Educação, mas também percorrem o sentido contrário, migrando
dos domínios da pesquisa educacional para os domínios da história.
Em
que medida essas duas experiências podem nos auxiliar a pensar a formação
inicial e continuada dos professores de História? O que as discussões sobre a
aprendizagem histórica, elaboradas em dois ambientes formadores de opinião no
mundo, podem sugerir numa eventual discussão sobre as ementas dos cursos de
licenciatura em História e em Pedagogia?
Para citar
este texto
FREITAS, Itamar. A pesquisa sobre o aprendizado
histórico. 29 abr. 2012. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/pesquisa-sobre-o-aprendizado-historico.html>.
Fontes das imagens
Biblioteca Municipal Anísio Teixeira.
Caetité-BA. Foto de Itamar Freitas. 28 abr. 2012.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite. Foto de Itamar Freitas. 27 abr. 2012.
Alunos do curso de licenciatura em História no auditório da UESB-Campus de Caetité. Foto de Jairo Carvalho do Nascimento. 27 abr. 2012.
Bodo Von Borries. Disponível em: <www1.yadvashem.org 30 abr 2012>. Capturado em: 30 abr. 2012.
John Bransford. Disponível em: <www.washington.edu>. Capturado em: 30 abr. 2012.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite. Foto de Itamar Freitas. 27 abr. 2012.
Alunos do curso de licenciatura em História no auditório da UESB-Campus de Caetité. Foto de Jairo Carvalho do Nascimento. 27 abr. 2012.
Bodo Von Borries. Disponível em: <www1.yadvashem.org 30 abr 2012>. Capturado em: 30 abr. 2012.
John Bransford. Disponível em: <www.washington.edu>. Capturado em: 30 abr. 2012.
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Referências
ASHBY, Rosalyn, LEE, Peter J., SHEMILT,
Denis. Putting principles into practice: teaching and planning. In: DONOVAN, M.
Suzanne, BRANSFORD, John D. How students
learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of
The national Academies, 2005. pp. 79-178.
BORRIES, Bodo Von. Methods and aims of
teaching history in Europe: A report on Youth and History. In: STEARNS, Peter,
SEIXAS, Peter, WINEBURG, San. Knowing,
teaching, and learning history: national and internacional perspectives.
New York: New York Universty, 2000. pp. 246-261.
DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the
classroom. Washington: National Research Council of The national Academies,
2005.
FREITAS,
Itamar. O livro didático ideal de Jörn Rüsen e a representação de uma didática
para a história. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/03/o-livro-didatico-ideal-de-jorn-rusen-e.html>.
Capturado em 25 mar. 2012.
FREITAS,
Itamar. O que deve “saber” e “saber-fazer” o profissional de história?
Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2011/04/o-que-deve-saber-e-saber-fazer-o.html>.
Capturado em 2 mai. 2011.
LEE, Peter J. Putting principles into
practice: understanding history. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the
classroom. Washington: National Research Council of The national Academies,
2005. pp. 31-77.
RÜSEN,
Jörn. Jörn Rüsen e o ensino de história.
Curitiba: Editora da UFPR, 2010. (Organização de Maria Auxiliadora Smith,
Isabel Barca e Estevão de Rezende Martins).
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