domingo, 29 de abril de 2012

A pesquisa sobre o aprendizado histórico


Casarão onde morou Anísio Teixeira, Atual sede da Biblioteca Municipal que leva o seu nome. Caetité-BA, 2012.

Colegas, é um prazer estar com vocês nesta noite de sexta-feira, aqui na Universidade do Estado da Bahia, campus de Caetité-BA, falando sobre ensino de história. Quero agradecer aos organizadores do VI Encontro de História, sobretudo, à professora Luciana Oliveira, a quem conheci pela rede, trocando informações sobre a história do ensino no Brasil e na Espanha, e aos professores Jairo Nascimento e Antonieta Miguel pela acolhida na cidade e nas dependências desta Universidade. É também um prazer conhecer novos pesquisadores, como o professor Eduardo Leite que partilha conosco um pouco da sua experiência nessa mesa redonda.
O tema indicado foi “A pesquisa no ensino de história”.  Ele sugere o estudo sobre a investigação como estratégia didática em sala de aula e o trabalho diacrônico ou sincrônico sobre o estado da arte. Mas ele convida também a uma explanação sobre a tópicos privilegiados pela pesquisa na área. Aqui, tomo este último caminho. Falarei brevemente sobre a posição de pesquisadores brasileiros e estrangeiros a respeito do que deve saber e saber fazer o professor de história, enfatizando a ideia de que as práticas relacionadas ao ensino de história dependem da reflexão realizada em diferentes áreas.
Em seguida, verticalizo essa convergência analisando dois estudos que se debruçam sobre a ideia de aprendizagem histórica, respectivamente, na Alemanha e nos Estados Unidos.

A pesquisa sobre os saberes e fazeres necessários ao professor de história
Em trabalho recente, questionei sobre os conhecimentos e as habilidades que o futuro profissional de História deveria possuir para bem exercer o seu ofício. O que deve o licenciado em História “saber” e “saber fazer” para ser considerado minimamente capacitado à docência nos domínios de Clio? (Cf.Freitas, 2011). Na ocasião justifiquei a relevância dessa questão. Ela ajuda a criticar e a redefinir os currículos dos cursos de formação inicial e continuada nas áreas de História e Pedagogia e também as formas de avaliação interna e externa desses cursos.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite
Afirmei também que os indícios, conselhos e até prescrições sobre os requisitos do “bom professor” de História podem ser flagrados nos textos de epistemólogos da História na Alemanha e na França como os de Jörn Rüsen (2007) e de Pierre Villar (1985). A mesma atitude percebemos em pesquisadores do ensino de História em Portugal, na Inglaterra, Espanha, Itália e França, a exemplo de Isabel Barca (2006), Peter Lee (2002, 2006), Geoff Timmins, Keth Vernon e Christine Kinealy (2005), José Armas Castro (2001), P. James Shaver (2001), Joaquín Pratz (2006), Ivo Matozzi (1998), e Evelyn Héry (2000).
No Brasil recente, refletiram sobre a formação do professor de História, por exemplo, Ana Maria Monteiro (2007), Flávia Caimi (2008), Selva Guimarães Fonseca e Marcos Silva (2009), Ana Nemi, João Carlos Martins e Diego Luiz Escanhuela (2009).
A que conclusões, portanto, chegaram esses pesquisadores sobre os conhecimentos e habilidades fundamentais ao exercício da docência em história? Em primeiro lugar, os teóricos da História e do ensino de História, pesquisadores preocupados com a formação de professores de História divergem quanto às fontes, justificativas e conceitos empregados em suas argumentações. Uns se esmeram para firmar uma razão histórica. Outros se empenham em justificar a História-ciência como instrumento de justiça social, ou, ainda, de aproximá-la como saber prioritário no desenvolvimento humano e, como tal, submetido aos princípios construtivistas.
Esses mesmos teóricos, radicados na Inglaterra, França, Espanha, Itália e Brasil, se aproximam ao explicitarem as habilidades e os conhecimentos. Em termos de habilidade, predominam os processos cognitivos básicos – conhecer, reconhecer e aplicar – em detrimento das ações de criar e criticar. Em termos de conhecimentos, são dominantes os conteúdos reconhecidos como típicos da ciência da História (50%), seguidos da matéria produzida nos limites da Pedagogia (40%), Psicologia, Geografia e Linguística (10%).
Da História, os teóricos apontam como fundamental o domínio de conteúdos conceituais e factuais da historiografia, procedimentos da pesquisa histórica e conteúdos também conceituais e factuais da teoria da história, história da historiografia e epistemologia histórica. Da Pedagogia, são esperados o domínio de conhecimentos conceituais e factuais e procedimentais relacionados, principalmente, aos campos da Didática e do Currículo. Os demais conhecimentos requisitados são tidos como responsáveis por desenvolver no futuro professor a capacidade de se expressar e de situar-se espacialmente, de compreender os processos cognitivos e as singularidades do desenvolvimento do aluno.
Com essa síntese, temos um panorama das prescrições sobre conhecimentos e habilidades fundamentais ao exercício da docência em história. É fácil perceber, então, o assentimento de que o ensino de história é prática debitaria de várias especialidades, sendo dominantes a História e e a Pedagogia.
Quero, agora, verticalizar a minha fala, tratando de um prescrição que considero fundamental: o entendimento do conceito de aprendizagem histórica. Conhecer o sentido de aprendizado histórico é uma responsabilidade atribuída, ora à Pedagogia, ora à Teoria da História. Independentemente dos campos que reivindicam (ou excluem) a aprendizagem como categoria, considero ser esse o conceito mais importante para o ensino, depois, obviamente, da ideia de História. Por isso, apresento os resultados de algumas reflexões sobre a aprendizagem histórica, desenvolvidas na Alemanha e nos Estados Unidos, que começam a repercutir no Brasil.
Alunos do curso de licenciatura em História da UESB. Auditório do campus de Caetité-BA, 27 abr. 2012.

Sentidos germânico e norte-americano para a aprendizagem histórica
Nos trabalhos do teórico da história alemão Jörn Rüsen, a discussão sobre aprendizagem histórica é atribuída ao campo da didática da História. A didática tem como objeto a consciência histórica que é estruturada por processos (operações mentais) de pensamento que ficam por trás (ou na base?) dos conteúdos, determinando o comportamento das pessoas. A aprendizagem histórica ocorre nesses mecanismos de pensamento (Cf. Rüsen, 2010, p. 42). Ela é “um processo de desenvolvimento da consciência histórica no qual se deve adquirir competências da memória histórica” (Rüsen, 2010, p. 113)
Essas ideias de didática e de aprendizagem são mais inteligíveis quando (orientados por Rüsen) concebemos os humanos como seres constituídos por intelecto, vontade e sentimento. Todos os humanos pensam, ou seja, fazem uso do intelecto. Todos estão compelidos a viver no mundo e viver significa enfrentar as circunstâncias e tomar decisões. Enfrentar as circunstâncias e tomar decisões, por fim, os obriga a pensar a sua identidade e o seu lugar no mundo, isto é, pensar articulando presente, passado e futuro (pensar historicamente ou pensar sua condição social e individual no tempo).
De maneira ainda mais objetiva, portanto, pensar historicamente (para tomar decisões e se auto-afirmar) é o mesmo que mobilizar as operações de experimentar (o passado), interpretar (o passado como presente) e orientar-se (no presente visando o futuro). Esses três atos, segundo Rüsen (experiência, interpretação e orientação), podem ser reduzidos (de forma integrada) a uma só operação: a narrativa histórica.
É nesses três atos (operações) mentais que ocorre a aprendizagem e é, necessariamente, sobre esses (a partir desses ou com base nesses) atos mentais que o profissional da didática da história deve elaborar as “estratégias de ensino” (Cf. Rüsen, 2010, p. 43).
Bodo Von Borries
O profissional da Didática? Sim. Já afirmei também em outro trabalho que Rüsen confessa os débitos do ensino de história com outras especialidades, a exemplo do campo do currículo (Cf. Freitas, 2012). O próprio parceiro de trabalho do teórico alemão, Bodo Von Borries, comenta sobre as dificuldades de uso da sua teoria para o ensino de história (Cf. Borries, 2000, p. 253). Mesmo quando ensaia opinar sobre práticas cientificamente corretas (que viabilizem a construção de uma consciência histórica do tipo genético), Rüsen fornece indícios de incorporação da vulgata pedagógica que circula o ocidente desde a primeira metade do século passado (objetivos educacionais claros, respeito às peculiaridades cognitivas do aluno, seleção de conteúdos significativos para o aluno, inclusão de conteúdos relativos à satisfação de necessidades sociais, a ideia de reforço natural da disciplina e dialogismo).
Nos EUA, entre as décadas de 1980 e 1990, também houve preocupações com a renovação da ideia de aprendizagem histórica. Ao contrário da Alemanha (no exemplo aqui recortado), foram os especialistas em ciências da cognição e psicologia educacional que teorizaram sobre a matéria. Em 1999, grande revisão de literatura sobre a aprendizagem humana foi compilada e criticada, dando origem à publicação How students learn: history, mathematics, and science in the classroon (2005).
Resumindo as teses do primeiro relatório – How people learn: brain, mind, experience, and scholl (1999) [Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola], poderíamos concluir que a aprendizagem dos humanos fundamenta-se em três princípios: 1. a nova compreensão é fundada na compreensão e na experiência preexistente; 2. a aprendizagem compreensiva é aquisição de conhecimentos factuais e conceituais; e 3. a aprendizagem compreensiva se efetua com o automonitoramento do aluno sobre os objetivos, progressos e realizações na aquisição de conhecimentos e habilidades (Cf. Donovan, Bransford, 2005).
John Bransford
Tais princípios podem ser traduzidos por três conceitos circulantes nos cursos de licenciatura no Brasil: 1. significação (a importância das conexões entre novos conhecimentos e conhecimentos estabelecidos na mente do aluno); 2. conteúdos factuais (informações em detalhe – acontecimento, pessoa, data, lugar) e conceituais (informações agrupadas – nação, revolução); e 3. metacognição (conhecimento do aluno por si mesmo, especificamente, aprendizagem das próprias formas de aprendizagem). Isso nos leva a compreender a aprendizagem como um processo de aquisição de conhecimentos factuais e conceituais mediante o relacionamento entre o que o aluno já sabe e o que o professor lhe apresentará e o controle do aluno sobre suas metas, estratégias e resultados.
Conhecidos os princípios que fornecem uma compreensão ampliada da aprendizagem, resta a pergunta: como se desdobrá-los em estratégias para a realização da aprendizagem histórica? Dizendo de outro modo, se aprender é adquirir fatos e conceitos, conectá-los aos conhecimentos prévios num processo de autocontrole sobre as próprias metas, progressos na aquisição e realizações, o que seria então a aprendizagem histórica?
Essa resposta não é fornecida pelos especialistas da educação. Os pesquisadores das universidades de Washington, Harvard, Simon Frases, Michigan e Stanford (que formam o Committee on How people learn: a targeted report for teachers) delegam a pesquisadores ingleses que trabalham com o ensino de história a tarefa de desdobrar tais princípios em estratégias que viabilizem (e, consequentemente, nomeiem) a aprendizagem histórica.
Assim, para Rosalyn Ashby, Peter J. Lee e Denis Shemilt, os princípios da aprendizagem expressos no referido relatório transformam-se em princípios da aprendizagem histórica, que ganha a seguinte configuração: 1. os alunos relacionam novo conhecimento sobre o passado ao conhecimento preexistente (extraído da vida cotidiana do aluno); 2. os alunos adquirem conhecimentos factuais, que são melhor compreendidos quando acompanhados de conhecimentos metahistórico; e 3. os conhecimentos metahistóricos capacitam os alunos a monitorarem a sua aprendizagem histórica (reconhecer, selecionar, usar fontes, inferir etc.) e combatem dois problemas advindos do conhecimento e da experiência cotidiana do aluno: o anacronismo e a memorização automática. (Cf. Lee, 2005, p. 31-33, Ashby, Lee, Shemilt, 2005, p. 79-80).

Conclusão
Vimos, portanto, que a pesquisa nacional e estrangeira indica as áreas da História, Pedagogia, Psicologia, Geografia e Linguística como locus de teorias e práticas fornecedoras de competência docente.
Recortando ainda mais os domínios necessários à docência em história, tentei demonstrar que o segundo conceito mais importante do campo – aprendizagem histórica –, quando discutido sem sectarismos, é justificado a partir da teoria da história e dos domínios que no Brasil atendem pela rubrica de Educação. Nos exemplos aqui recortados – uma experiência germânica e uma experiência anglo-americana – os sentidos de aprendizagem histórica partem da Teoria da História para o refino nas áreas da Educação, mas também percorrem o sentido contrário, migrando dos domínios da pesquisa educacional para os domínios da história.
Em que medida essas duas experiências podem nos auxiliar a pensar a formação inicial e continuada dos professores de História? O que as discussões sobre a aprendizagem histórica, elaboradas em dois ambientes formadores de opinião no mundo, podem sugerir numa eventual discussão sobre as ementas dos cursos de licenciatura em História e em Pedagogia?

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A pesquisa sobre o aprendizado histórico. 29 abr. 2012. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/pesquisa-sobre-o-aprendizado-historico.html>.

Fontes das imagens
Biblioteca Municipal Anísio Teixeira. Caetité-BA. Foto de Itamar Freitas. 28 abr. 2012.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite. Foto de Itamar Freitas. 27 abr. 2012.
Alunos do curso de licenciatura em História no auditório da UESB-Campus de Caetité. Foto de Jairo Carvalho do Nascimento. 27 abr. 2012.
Bodo Von Borries. Disponível em: <www1.yadvashem.org 30 abr 2012>. Capturado em: 30 abr. 2012.
John Bransford. Disponível em: <www.washington.edu>. Capturado em: 30 abr. 2012.

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Referências
ASHBY, Rosalyn, LEE, Peter J., SHEMILT, Denis. Putting principles into practice: teaching and planning. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005. pp. 79-178.
BORRIES, Bodo Von. Methods and aims of teaching history in Europe: A report on Youth and History. In: STEARNS, Peter, SEIXAS, Peter, WINEBURG, San. Knowing, teaching, and learning history: national and internacional perspectives. New York: New York Universty, 2000. pp. 246-261.
DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005.
FREITAS, Itamar. O livro didático ideal de Jörn Rüsen e a representação de uma didática para a história. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/03/o-livro-didatico-ideal-de-jorn-rusen-e.html>. Capturado em 25 mar. 2012.
FREITAS, Itamar. O que deve “saber” e “saber-fazer” o profissional de história? Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2011/04/o-que-deve-saber-e-saber-fazer-o.html>. Capturado em 2 mai. 2011.
LEE, Peter J. Putting principles into practice: understanding history. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005. pp. 31-77.
RÜSEN, Jörn. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Editora da UFPR, 2010. (Organização de Maria Auxiliadora Smith, Isabel Barca e Estevão de Rezende Martins).

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