Gustavo Capanema em 1932 (FGV-CPDOC) |
No texto, além de informar sobre aspectos identificados como
permanentes na maioria das reformas curriculares, procuro responder às
seguintes questões: quais os sentidos empregados para a palavra história no espaço
de fundamentação das propostas curriculares? Qual o potencial alcance das
iniciativas de reformar o ensino no Brasil?
Qual a estrutura curricular empregada, ou seja, como foram organizados
os conteúdos históricos? Qual o grau de interferência dos profissionais que
atuaram nos cursos de formação do professor de história? Neste sentido, espero
contribuir com o debate sobre os rumos dos currículos contemporâneos destinados
à escolarização básica dos brasileiros. [...]
Diferentes lugares sociais demarcaram a produção das reformas
curriculares sofridas pela história destinada à escolarização básica. As
reformas Campos, Capanema e Passarinho foram desenvolvidas em ambiente
discricionário, enquanto a reforma Souza enfrentou os “percalços” da elaboração
de currículos em regime democrático. Esse itinerário do formato da sociedade
política e das suas relações com a sociedade civil também permitem concluir que
as reformas migraram de um modelo centralizado para uma descentralização, estrategicamente
não anunciada pela última gestão do ministério da educação.
Essas mudanças marcaram também, de certa forma, os níveis de
apropriação – ou as possibilidades de cumprimento – das referidas iniciativas.
Se observarmos o grau de assentimento dos documentos prescritores de conteúdos
históricos na literatura didática, poderemos concluir que experimentamos a
adoção integral dos planos das reformas Campos e Capanema, a adoção parcial dos
estudos sociais do regime militar, e a progressiva e deliberada recusa dos
parâmetros produzidos na administração Paulo Renato, resultando na recuperação
– nos planos estaduais – dos tipos integrado e justaposto em uso no período
1931/1971.
Considerando os atores envolvidos no trabalho de prescrever
conteúdos históricos, é também fácil constatar que as disputas entre
historicistas e, digamos, cientificistas dominaram as duas primeiras reformas.
Na terceira, desconhecemos os debates internos, já que o ambiente
discricionário tentava afastar o contraditório da formação de políticas
públicas. Na quarta, as perspectivas estruturalistas e culturalistas em disputa
no mundo acadêmico foram carreadas para os PCNs. Todavia, observando o debate
em torno das propostas e o que dele resulta em forma de planos, coprendemos
melhor que o grau de assentimento – representatividade demográfica etc. – de
uma proposta curricular é inversamente proporcional à coerência interna dessas
mesmas propostas.
Esse movimento também lança luze sobre os graus de interesse e de
intervenção das instituições que reúnem profissionais de história. Nas duas
primeiras reformas, os historiadores do IHGB e, depois, Associação dos
Geógrafos Brasileiros – AGB, atuaram diretamente, embora de maneira individual.
Nas duas últimas, já organizados na ANPUH, historiadores desperdiçaram as
oportunidades de discutir “o direito ao passado” dos brasileiros,
especificamente no que diz respeito aos conteúdos substantivos. Reforça esta
tese o fato de as contribuições marxistas, annalistas e da micro-história
italiana terem migrado para a última reforma, sobretudo, com a função de
legitimá-la entre os historiadores e não por interesse da corporação em pautar
a experiência a ser debatida na escolarização básica com o nome de ensino de
história. As atuais propostas estaduais, elaboradas sob o estímulo da
administração Haddad, dominantemente, conservam os referenciais teóricos
inclusos nos PCNs. No entanto, o apelo explícito às “novas tendências
historiográficas”, seja na introdução dos documentos, seja nas justificativas
de eleição das expectativas da aprendizagem, perdeu vigor.
Outra constatação importante diz respeito ao objeto das reformas
nacionais. Inicialmente, a União preocupou-se com o ensino secundário,
conhecido formador das elites dirigentes do Estado e da economia nacional. Dos
anos 1970 em diante e, mais ainda, com o início da universalização do ensino
fundamental, a preocupação voltou-se para as séries ou anos iniciais da
escolarização básica. No entanto, a instituição de currículos mínimos e, em
seguida, a disseminação de parâmetros demonstram que o Estado, em termos de
planos de estudos – entre o regime militar e as propostas do nosso tempo –
delega aos entes federados e às instituições educacionais o trabalho de
detalhar os conteúdos substantivos da história, com duas singularidades: no
regime militar o controle se explicitava nas finalidades; nos tempos do
PSDB/PFL, o controle se manifestava na introdução das competências básicas e
dos conteúdos transversais.
Essa variedade de níveis de intervenção, todavia, não impede a
constatação de que a organização dos conteúdos substantivos em história
experimentou os tipos integrado, justaposto, integrado novamente e, por fim,
currículo por eixos temáticos. Hoje, na ausência de uma definição explícita sobre
papel dos PCNs como instrumentos de orientação das propostas dos entes
federados, cada estado produz o seu documento, recuperando, dominantemente, a
proposta integrada inaugurada pela reforma Francisco Campos.
Também como desdobramento dessa variedade de níveis de
intervenção, vivenciamos um problema de grande gravidade. À medida que o Estado
estende seu controle sobre os anos iniciais e finais da escolarização básica,
crescem os obstáculos à constituição de um plano sistêmico de organização dos
conteúdos históricos – e, acrescente-se, às possibilidades de progressão
didática entre os 7 e os 18 anos, aproximadamente.
Da mesma forma, à medida que os recentes governos tentam quitar
algumas dívidas centenárias com grandes parcelas da sociedade – sem a devida
contrapartida de grande parte dos operadores do estado (políticos comprometidos
com o setor privado, professores das universidades federais, entre outros) – e,
concomitantemente, tentam responder às pressões de organismos internacionais,
ampliam-se as possibilidades de exames nacionais de escala.
Com essas considerações quero afirmar que a ausência de currículos
de história sistêmicos – para toda a educação básica – abre espaço para um
currículo sistêmico, esse sim, “imposto” em ambiente “democrático” – por mais
paradoxal que possa parecer a locução. É provável que os planos de estudos de
história no Brasil, em poucos anos, sejam estruturados a partir da matriz de
referência do ENEM. Isso não seria um grande problema político e teórico se as
matrizes dos exames de escala representassem – como explícito nas próprias
orientações do INEP –, as tendências estaduais. Como os estados demoram a
constituir as suas propostas e quando o fazem são postos em questão pela pesquisa
de ponta na área – que subsidiam o Estado – as matrizes dos exames nacionais
vão ficando defasadas ou demasiadamente sofisticadas, dependendo do ângulo sobre
o qual queiramos observar.
Como vemos, pensar os currículos de história hoje – sobretudo no
interior dos departamentos de história – é uma questão teórica e política muito
importante e que não deve ficar relegada a um tópico de discussão de uma
disciplina “didática,” ministrada nos últimos períodos da licenciatura. Pensar
currículos de história, sem nenhum exagero, é cultivar a manutenção da própria
profissão que se quer ver reconhecida legalmente.
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Reformas educacionais e os currículos nacionais para o ensino de história no Brasil republicano (1931/2009). Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 12, n. 1, 2013. Disponível em: <http://itamarfo.blogspot.com.br/2013/08/reformas-educacionais-e-os-curriculos.html>. Postado em 26 ago. 2013.
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Reformas educacionais e os currículos nacionais para o ensino de história no Brasil republicano (1931/2009). Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 12, n. 1, 2013. Disponível em: <http://itamarfo.blogspot.com.br/2013/08/reformas-educacionais-e-os-curriculos.html>. Postado em 26 ago. 2013.
Para ler e baixar o artigo completo (aqui estão disponíveis somente as conclusões), acesse: http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/22903
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