domingo, 1 de setembro de 2013

Didática da história é destaque em Iporá-GO

Lagoa de Iporá - GO
Realizou-se nos dias 28, 29 e 30, na cidade de Iporá-GO, o III Simpósio Nacional deHistória da Universidade Estadual de Goiás (UEG). O evento reuniu mais de 600 participantes entre professores alunos vinculados a 12 campi da UEG, que ofertam cursos de licenciatura em história. 
Márcia Motta
O Simpósio também abrigou o I Fórum sobre Ensino de História, que discutiu, entre outros temas, as possibilidades de mudança no desenho do currículo de curso de formação de professores. O Fórum ganhou independência, em relação ao Seminário, e agora será anual.
O evento não abordou apenas as questões relativas à didática da história. Contudo, o perfil dos palestrantes incentivou as discussões em torno da função social do historiador e dos respectivos usos públicos da história.
Na conferência de abertura, a professora Márcia Motta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), denunciou o “atraso” e a indiferença da historiografia brasileira no que diz respeito às questões relativas ao campo, sobretudo à reforma agrária.
Sérgio da Mata
No debate, apontou a necessidade de a formação historiadora transitar entre as áreas das ciências humanas e sociais, como forma de buscar instrumentos para a melhor compreensão de fenômenos sociais, a exemplo do prestígio que goza a grande propriedade no Brasil. Na conferência de encerramento, o professor Sérgio da Mata, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFO), apresentou alguns resultados da pesquisa que realizou, na Alemanha, sobre a trajetória intelectual de Max Weber. Ele criticou as iniciativas dos acadêmicos que buscam fortalecer as suas respectivas áreas, criando e ritualizando determinados mitos de origem. Um desses mitos é a ideia de que Max Weber foi sociólogo “desde sempre”.
Em meio às questões suscitadas por suas teses, o professor posicionou-se contrário à atitude da academia do nosso tempo em relação aos potenciais usos públicos da história, citando, inclusive, a recusa de historiadores brasileiros em participar da “Comissão da Verdade”, como exemplo desse desprezo em relação ao potencial orientador da história.
Pátio interno da Faculdade de Letras da UEG-Iporá-GO, que abrigou os simpósios temáticos.
Entre as duas conferências, os professores Itamar Freitas, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Rafael Saddi, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Marcelo Fronza, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) discutiram ideias sobre aprendizagem histórica e didática da história nos Estados Unidos e na Alemanha.
O prof. Itamar, explorou as noções de aprendizagem histórica disseminadas nos parâmetros nacionais estadunidenses, produzidos entre 1994 e 2010, para os programas de história e os currículos de estudos sociais. Ele afirmou que a aprendizagem histórica foi explicada como a combinação entre conteúdos substantivos e metahistóricos, com forte ênfase do desenvolvimento das capacidades historiadoras disseminadas pelos historicismos alemão e francês sobre o clássico conhecimento e compreensão da história nacional e mundial.
A consolidação das ações do ofício como elementos de aprendizado histórico nos standards de historia, contudo,  não pode ser creditada, apenas, aos historiadores universitários – que pouco sabiam sobre os mecanismos mentais das crianças, jovens e adolescentes nos EUA dos anos 1990. A necessidade de incorporar habilidades historiadoras foi ao encontro do chamado ensino ativo, professado nas primeiras décadas do século XX por vários matizes da filosofia educacional e frequente nas mentes de experimentados professores de estudos sociais no período 1980-1990.
Antônio e Natália Barros, graduandos da UFG, e o prof. Rafael Saddi (UFG).
O professor Saddi apresentou a tese de que a mudança paradigmática da didática da história alemã foi uma tentativa de solucionar a crise de legitimação da ciência histórica e do ensino de história vivida na Alemanha Ocidental dos anos 60. Essa crise implicava na incapacidade de a ciência histórica suprir as novas carências de orientação da sociedade alemã, surgidas no mundo pós-guerra. 
Saddi estabeleceu uma topografia das correntes da nova didática da história alemã, apresentando dois extremos, esquerda (Annette Kuhn) e direita (Joachim Rolfes) e um grupo de autores que se localizava entre estas duas posições, alguns mais próximos da esquerda (Bergmann e Pandel), outros mais próximos da direita (Jeismann). Este grupo do centro não era homogêneo, mas estava unido em torno da noção de consciência histórica, tendo se destacado, já em meados da década de 70, como a principal referência da nova didática da história alemã.

Prof. Marcelo Fronza (UFMT) e a graduanda Maísa Barbosa (UEG)
Dando sequência à exposição sobre os novos rumos da didática da história na Alemanha, o prof. Fronza explorou a constituição da teoria da consciência histórica, predominante na didática da história alemã, depois da reunificação desse país. A ideia de consciência histórica ganhou relevância porque porque apresentava-se como categoria relativamente indeterminada em relação ao conceito de identidade nacional, que poderia restaurar vários traumas na sociedade. Com vistas ao projeto de instauração desse princípio na Alemanha e sua possibilidade de expansão para o resto da Europa, o didata da história Bodo von Borries desenvolveu uma série de investigações que buscavam diagnosticar como os jovens lidavam com as operações da consciência histórica, quando confrontados com conceitos ligados aos conteúdos históricos e com ideias relativas à epistemologia da história.
Borries descobriu que a dimensão estética e sensível do conhecimento histórico ganha relevo nos jovens, sobretudo, quando há déficits cognitivos em relação a uma experiência do passado. Borries também afirmou que os quatro tipos de consciência histórica podem ser disposições ou posicionamentos mobilizados quando um jovem narra experiências do passado.
Além da mesa sobre didática da história, o evento abrigou 16 simpósios temáticos que funcionaram por dois dias. Mas, um deles discutiu, especificamente, a relação entre didática da história e consciência histórica.
Prof. Euzébio de Carvalho (UEG)
Neste simpósio, como em muitos outros do evento, as linguagens foram objetos de estudo – o cinema, fotografia, jornais. Também se discutiu o uso dos conceitos históricos, formas e planejamento de aula, as singularidades dos discursos da revista Veja sobre as cotas raciais, a natureza das narrativas dos índios Javaé (TO) e, por fim, as motivações de escolha e os respectivos desdobramentos na profissionalidade dos professores de história.
Como apresentadores, além do professor Euzebio de Carvalho (UEG), estiveram presentes: Ronaldo Alves Ribeiro dos Santos (UFMT), Aparecida Maria Ferreira Cândido (UEG), Maísa Cristina Barbosa (UEG), Adilson Correia de Lima Júnior (UEG), Natália Rastello Franco de Castro Barros (UFG) e Luciana Leite da Silva (UFG).
O que chamou a atenção, entretanto, foi o nível alcançado pelo debate desencadeado a partir dos referidos objetos que gerou questões deste tipo: que relações podemos estabelecer entre as ideias de representação de R. Chartier e de narrativa em J. Rüsen? Quais tipologias da consciência histórica são viáveis para interpretar o pensamento dos alunos em determinados contextos, o tríptico de Rüsen ou as “ideias eficazes” de Peter Lee? A tipologia da narrativa e o projeto intercultural rüseneanos dão conta da experiência dos índios Javaé da mesma forma que explicam o pensamento dos alunos de Cabo Verde? É possível empregar análise do discurso como estratégia preliminar à classificação do texto de periódicos sob a tipologia de Rüsen? A história dos conceitos, tal qual propõe R. Koselleck pode ganhar corpo de uma estratégia de ensino de história? A ampliação do prestígio da profissão docente – via aumento de salários, redução do número de alunos em sala, por exemplo – resolve problemas como a ausência de valores e a falta de engajamento docente? A construção de jornais pode ser explorada apenas como técnica que mobiliza as capacidades estéticas e, portanto, lúdica dos alunos? Deve o plano de aula de história conjugar estratégias das teorias da avaliação estadunidenses e estratégias de experimentação, orientação e projeção da vida de fundo histórico-social alemão?
Afonso Santos Silva, graduando da UEG, e Luciana Leite da Silva, mestranda da UFG.
Esperamos que essas reflexões sejam transformadas em novas ações que visem a sofisticação de ideias, estratégias e valores em relação à aprendizagem histórica na escolarização básica. O nível do debate no simpósio e os temas problematizados durante as falas dos palestrantes são, ao menos, um bom indício de que, em Goiás, os usos escolares da histórica estão sensibilizando os historiadores por formação e ajudando a discutir uma salutar mudança no sentido, até então partilhado pela maioria, de didática da história como domínio apartado da reflexão sobre a teoria da história, ou seja, separada da vida prática.

Euzébio de Carvalho (UEG), Itamar Freitas (UFS), Marcelo Fronza (UFMT) e Rafael Saddi (UFG). Mesa redonda "Aprendizagem
histórica e didática da história na Alemanha e nos Estados Unidos". Iporá-GO, 29 ago. 2013. (Foto: ASCOM/UEG).


Para citar este texto:
FREITAS, Itamar; FRONZA, Marcelo; SADDI, Rafael. Didática da história é destaque em Iporá-GO. Disponível em:<http://itamarfo.blogspot.com.br/>. Postado em 01 set. 2013.

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