quarta-feira, 18 de setembro de 2013

I Seminário Nacional História e Contemporaneidades

Festa do Livro Cariri, nas dependências da URCA, em 17 de setembro de 2013.
Realizou-se esta semana (17-21/09/2013) o I Seminário Nacional de História e Contemporaneidades, na Universidade Regional do Cariri (URCA), em Crato-CE, que explorou “as dimensões políticas da história e o futuro do passado”.
No primeiro dia (17/09/2013), à tarde, funcionaram oito minicursos. À noite, foi aberta a “I Festa do Livro Cariri”, que expõe e vende dezenas de títulos, alguns dos quais voltados, especificamente, para os vários domínios da história. Em seguida, procedeu-se a abertura oficial do evento, com mesa composta pelos professores Otonite Cortez, Reitora da URCA, Francisco Damasceno, presidente da seção regional do Ceará da Associação Nacional de História (ANPUH) e docente da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fátima Pinho, Chefe do Departamento de História, e Sônia Menezes, da coordenadora do Seminário.
Jucieldo Alexandre (URCA) e
Dilton Maynard (UFS)
Finda a cerimônia de abertura, o professor Jucieldo Alexandre (URCA) coordenou a mesa redonda intitulada “Cultura histórica, mídias e os usos do passado no tempo presente”, reunindo os professores Dilton Maynard, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Antônio Clarindo de Souza, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Sônia Meneses (URCA).
Abrindo as falas dessa primeira mesa, Dilton Maynard (UFS) discutiu a necessidade de o historiador repensar o seu lugar no estabelecimento e na crítica dos acontecimentos no tempo presente, onde se vive uma espécie de “cultura de convergência”, ou seja, a ideia de que um conjunto de mídias pautam o acontecimento e não apenas um veículo ou linguagem. No “cablegate”, por exemplo, várias mídias, novas e tradicionais, como jornais e sites da internet, foram os responsáveis pela legitimidade concedida às notícias que denunciaram a espionagem dos Estados Unidos sobre governos de vários países. A morte de Osama Bin Laden, outro exemplo, foi primeiramente noticiada no Twitter, por um dos vizinhos do terrorista assassinado, sendo misteriosamente excluída três dias depois. Esses exemplos nos levam a pensar em novos procedimentos do historiador para acessar, ler, citar, referenciar esse novo tipo de documento e a problematizar os os meios de controle aos quais somos submetidos quando nos utilizamos das novas mídias.
Na segunda fala, Clarindo Souza (UFCG) abordou as questões do bullyng em sites e nas redes sociais, flagrados nos últimos cinco anos.  Deu exemplos de situações nas quais são manifestados preconceitos de natureza étnicos e estéticos contra indivíduos e coletivos sociológicos – nordestinos, gordos, gays –, mediante o uso descontextualizado de imagens e sons. Os exemplos contemplaram várias situações em que times de futebol e cultos afro-brasileiros, juntamente com seus praticantes, são sistematicamente ridicularizados. As redes sociais, contraditoriamente, incentivam os usuários preconceituosos e também os seus críticos a se manifestarem. Fornecem, por um lado, a liberdade de expressão da opinião de pessoas que desejam feedback  e, por outro, o poder para que essas mesmas pessoas anunciem não se importar com as críticas. As redes, por fim, onde predomina a expressão estética em detrimento da expressão da racionalidade, criam um acervo de fontes que não para de crescer e que pode servir de apoio a uma relevante história social, sobretudo aquela que trata da ausência de traços diacríticos dos seus usuários, dada velocidade com a qual os perfis são atualizados.
Clarindo Souza (UFCG) e
Sônia Meneses (URCA)
A mesa redonda foi encerrada por Sônia Meneses que abordou a cobertura das manifestações populares de 1992 e de 2013, efetuada pela revista Veja. Considerada suporte sensacionalista, de ideologia conservadora, a revista assume o lugar de representação e, concomitantemente, de controle das vozes do povo nos dois episódios. O exame da cobertura revela aquilo que alguns pesquisadores nomeiam de “processo de consciência”, ou seja, a transformação do disperso em claramente explicável. Analisando as capas e as reportagens que abordaram o “Fora Collor” e o “Vem pra rua”, é possível identificar elementos recorrentes no trabalho dos meios de comunicação de formulador narrativas a respeito do cotidiano da população. Ambas eram manifestações populares e foram dadas a ler como uma espécie de “despertar do povo”. As diferenças, contudo, são marcantes. Em 1992, as manifestações são possibilidades em torno de um acontecimento maior – o impeachment. Em 2013, as mutifocadas manifestações causam perplexidade e a revista opera uma seleção que serve, obviamente, aos reais controladores do periódico. O discurso de uma “velha mídia”, como a Veja, vai, então, modificando-se ao sabor dos seus interesses e das atividades dos manifestantes, colocando dificuldades aos historiadores do tempo presente que se empenham na compreensão desses eventos.
O segundo dia (18/09/2013) do Seminário iniciou-se com a mesa redonda “História, profissionalização e os desafios da pesquisa no século XXI”, coordenada pela profa. Jane Semeão (URCA).
A primeira apresentadora, profa. Margarida Oliveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), informou sobre um projeto desenvolvido em sua Instituição, que põe em prática o seguinte princípio: a história tem uma função social e esta função pública deve ser cumprida pelos profissionais, desde o seu período de formação. O grupo de pesquisa, formado por alunos de graduação e de pós-graduação, além de professores do Departamento de História da UFRN, oferta serviços à própria universidade, atuando na produção de conteúdos históricos para TV, rádio, jornal e internet. Trata-se de um trabalho interdisciplinar que articula conhecimento histórico e formas específicas de comunicação, elaborando instrumentos de divulgação para públicos de interesse diverso.
Jane Semeão (URCA), Francisco Damaceno (UESC), Margarida Oliveira (UFRN) e Aryana Costa (UERN).
O prof. Francisco Damaceno, da Universidade Estadual do Ceará (UECE), traçou um quadro da oferta de cursos de licenciatura em história no estado – sete cursos em atividade, entre instituições públicas e privadas. Apontou a carência de recursos financeiros – bolsas para pesquisa discente, deslocamentos –, as dificuldades de contratação de professores, a ausência de diálogo entre os cursos, concorrência entre as instituições, desarticulação entre as disciplinas da grade curricular e a ausência de especialistas – história da América, por exemplo. Por fim, afirmou que as possibilidades de atuação do profissional de história incluem o trabalho nos museus, arquivos e redações de jornais, ainda que o principal campo seja o ensino, marcado por baixos salários e ausência de estímulo à qualificação. Esses são os desafios locais a serem enfrentados, com o auxílio, inclusive, da legislação que prescreve a profissionalização do historiador.
O terceiro palestrante da mesa, profa. Aryana Costa, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), discutiu a regulamentação do profissional de história, concentrando-se relação formação e regulação. Ela problematizou os perfis do profissional de história do período 1990 e 2010 e a natureza dos projetos de lei que prescrevem a profissão, defendendo uma história dessas trajetórias que considere as diferentes circunstâncias nas quais foram formatados os documentos. Em seguida, descreveu as grades curriculares de cursos de licenciatura em história, produzidos entre 1935 e 2004, e comentou sobre as características e as limitações dos projetos legislativos que trataram da profissão de historiador nos últimos 15 anos.
Clarindo Souza (UFCG) no minicurso "Tudo que você queria saber sobre história cultural e tinha medo de 
perguntar a um historiador social".
Após as falas da “mesa redonda”, os graduandos iniciaram a apresentação das suas pesquisas junto às seções coordenadas que abordaram história e patrimônio cultural, ensino, gênero, meio ambiente, movimentos sociais, religiosidades, intelectuais, cultural política, literatura e tempo presente.
À tarde, oito minicursos tiveram continuidade. Também foram iniciadas as atividades dos simpósios temáticos "História, religião e religiosidades", coordenado por Maria Paula Cordeiro (URCA) e Maria de Fátima de Morais Pinho (URCA), e "História política do Nordeste", sob a direção de Cristiano Luís Christillino (UFPE).

Apresentação do trabalho de Jheovanni de Abreu (penúltimo, da esquerda para a direita), "Metafísica do amor no pensamento
de Arthur Schopenhauer", ns seção coordenada "História da ciência, intelectuais e cultura política", em 19/09/2013.
Ana Maria Mauad (UFF)
À noite, a prof. Ana Maria Mauad, da Universidade Federal Fluminense (UFF), proferiu conferência intitulada “Como nascem as imagens? O fotógrafo, a moça e uma flor”. Partindo das categorias de “horizonte de expectativas”, “espaço de experiência” e “regime de historicidade”, Mauad questionou a razão de a imagem ainda representar um desafio para o trabalho do historiador. Afirmou, em seguida, que toda imagem tem uma biografia, ainda que nem sempre de trajetória linear e, também, que elas nascem das práticas sociais de representação do mundo. Assim, empregando a imagem da “moça com uma flor, frente a um grupo de soldados armados” (1967) e outras cenas semelhantes, flagradas nos protestos de junho de 2013, no Brasil, demonstrou como a referida imagem tornou-se uma foto-ícone, ou seja, uma fotografia que se “entranha na memória” –, neste caso, o protesto pacífico –frequentemente retomada para atribuir o mesmo sentido, em outros tempos e espaços. Hoje, os dispositivos fotográficos digitais e a exponencial capacidade e facilidade de reproduzir imagens não contribuem para a produção de fotos-ícones. O que comanda a produção hoje é a série de imagens, mas a foto-ícone não perde a sua função, já que é também revelada nessa nova forma de produção de sentido.
Alênio Noronha (UECE), Priscila Regis (URCA) e Gilberto Nogueira (UFC).

Alexandre Barbalho (UECE)
Os trabalhos da quinta feira (19/09/2013) foram iniciados com a mesa redonda “Patrimônio cultural, políticas públicas da memória e o problema dos novos acervos”, coordenada pela profa. Priscilla Régis (URCA). Gilberto Nogueira (UFC) relacionou as ideias de patrimônio às categorias de “horizonte de expectativas” e “espaço de experiência” e descreveu processos de transformação dos sentidos de prática conservacionista no Brasil, ao longo do século XX.  Prof. Alexandre Barbalho (UECE) ressaltou as necessidades humanas da memória e do esquecimento e enfatizou o caráter político de todas as práticas preservacionistas. Como exemplo, citou a eleição dos monumentos representadores da identidade da cidade de Fortaleza, via campanha midiática, onde a tentativa de “capturar” a memória (oficial) da cidade esteve submetida a interesses comerciais privados. O Prof. Alênio Noronha, da Universidade do Vale do Acaraú (UVA) e representante do setor de Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Fortaleza, encerrou as falas, tratando dos novos acervos, como o áudio visual. Ele exemplificou e ressaltou o valor dos mesmos como prova jurídica, instrumento de mediação da lembrança e de compreensão do passado. A mesa foi seguida por uma seção de autógrafos concedidos por Gilberto Nogueira (UFC).
Ítalo Bezerra (URCA)
Á noite, a mesa redonda coordenada pelo professor Ítalo Bezerra (URCA), discutiu o “Ensino de história, usos do passado e cidadania”. Iniciando os trabalhos, a prof. Adelaide Gonçalves (UFC) apresentou um panorama das atividades educacionais desenvolvidas no âmbito dos movimentos sociais ligados à questão da terra e informou sobre as relações entre as finalidades e práticas das escolas e às suas implicações na construção da memória e na crítica à história oficial brasileira. Na sequência, o prof. Itamar Freitas (UFS) abordou as ligações entre teoria, didática da história e cidadania, tendo como fonte básica os documentos produzidos por Charles Langlois, entre 1881 e 1937. Defendeu a necessidade de os professores formadores explorarem a natureza, a relevância e as limitações da “qualidade de ser cidadão” nas matérias de teoria, epistemologia, história da historiografia e introdução à história. Por fim, o prof. Egberto Melo comentou a recente ampliação do prestígio das questões e temas ligados ao ensino de história no Brasil e o concomitante interesse dos professores radicados nos departamentos de história. Afirmou a necessidade de acompanhar a trajetória da Associação Nacional de História (ANPUH), ao longo da segunda metade do século XX, como forma de melhor entender o crescente interesse dos historiadores pelos usos escolares do passado.
Renata Marinho (URCA), Rosilene Melo (UFCG), Josinete Lopes (URCA) e Clarisse Fukelman (PUC-RIO).

Os trabalhos do último dia do Seminário (20/09/2013) foram iniciados com a mesa redonda “História e transdisciplinaridade – o olhar de outros saberes do passado” – coordenada pela profa. Josinete Lopes (URCA). Na primeira fala, a profa. Renata Marinho (URCA) inventariou tendências teóricas e categorias que exploram as formas de agir, pensar e sentir, postas em circulação entre os séculos XIX e XX e concluiu que, hoje, a antropologia tende a examinar experiências coletivas de modo polifônico, policêntrico, enfim, policultural. Em seguida, a profa. Rosilene Melo (UFCG) apresentou e problematizou a função das imagens produzidas por Manoel Graciano, Mestre Noza, Índio e Mino, entre outros artistas, afirmando que as mesmas são expressão de um pensamento, que condensam informações, possuem agência e expressam – criam – um mundo. Daí a ideia de classificá-las como imagens cosmológicas. A mesa foi encerrada com a fala da profa. Clarisse Fukelman, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que discutiu a “representação, da representação da representação...”, ou seja, os usos pedagógicos que a produção televisiva faz do conhecimento histórico, enfatizando a necessidade de considerar conceitos e práticas da teoria da história, teoria literária, semiologia e da estética da recepção na produção de minisséries e novelas.
Na segunda parte da manhã, a exemplo do ocorrido nos dois dias anteriores, os alunos de graduação apresentaram suas comunicações em seções coordenadas.
Natália Santos (URCA), Lívia Souza (URCA), Maria do Carmo Oliveira (URCA) e Bárbara Silva (UFS), que apresentaram
trabalhos no simpósio temático "História e ensino de história", coordenado pelos profs. Egberto Mello (URCA) e Aruana Costa
(UERN), em 20/09/2013.
À noite, procedeu-se à cerimônia de encerramento, onde a prof. Sônia Menezes (URCA) prestou uma homenagem ao prof. Ciro Flamarion Cardoso, falecido recentemente. Em seguida, as professoras Fátima Pinho (URCA) e Otonite Cortez (URCA) agradeceram aos palestrantes convidados e aos alunos e docentes que se encarregaram voluntariamente das tarefas do evento. Por fim, o prof. Fernando Catroga, da Universidade de Coimbra (Portugal), proferiu conferência, coordenada pela profa. Adelaide Gonçalves, com o título “O historiador e o juiz na balança pela veracidade histórica”.
Catroga afirmou que a tradição da história como tribunal vigorou da teologia da história à filosofia da história e assim manteve-se na contemporaneidade. A problematização do documento, no final do século XIX é, talvez, o ponto em comum entre a investigação historiográfica e o processo judicial. Pensando sobre essa tese, ele confirma que todo processo judicial é fundado em fatos que “realmente aconteceram”. Mesmo a ideia de história, desde a experiência grega, aristotélica, tem o sentido de testemunho – sobretudo, ocular – e de inquérito. A palavra justiça, por outro lado, significa autoridade – “o juiz disse”. 
Fernando Catroga (Universidade de Lisboa)
No tempo presente, vivenciamos a compreensão de que o julgamento manifesta fragilização, diante dos júris forjados. Da mesma forma, muitas investigações históricas apresentam-se como fraudes por suas finalidades e atitudes consagradoras de determinados personagens ou ideologias. Além disso, o historiador não faz a “história que vê”. Ele tem que ver para além do que se olha, tem que agir metodicamente. Citando René Rémond, Catroga afirmou que os historiadores não são acusadores, advogados ou juízes. O que há na história e não há no processo judicial, citando Ginzburg, é o contexto. Os juízos independem dos contextos. Eles são personalizados e fundam-se no cumprimento ou descumprimento da norma.
Catroga também esclareceu que trabalho do juiz resulta em sentença imperativa. O trabalho do historiador, ao contrário, não gera esse tipo de sentença. Ele é, sim, livre para explicar-compreender. O objeto do juiz, o crime, por exemplo, prescreve. O objeto do historiador, em contrapartida, nunca prescreve, podendo ser constantemente revisitado. Finalizando a sequência de comparações, Catroga  afirmou que o juiz age binariamente - sim/não, enquanto o historiador pode afirmar que, "na fase atual da pesquisa, sim" e, ao final, "não" ou "talvez" e, ainda, que as obras do juiz são fechadas e a dos historiadores sempre abertas à visitação. Essas características nos induzem a pensar, conclui Catroga, que o historiador deve expor quaisquer princípios críticos, mas manter um contrato permanente com a "veracidade" na história.
Professores da URCA, Fátima Pinho, Francisca Anselma, Iarê Lucas, Otonite Cortez e Sônia Menezes, junto aos professores
Fernando Catroga (Universidade de Coimbra) e Adelaide Gonçalves (UFC).
Monitores do I SNHC confraternizam-se com o prof. Catroga: (da esquerda para a direita) Angelica Ribeiro, Romario Rodrigues, 
Andréa Araújo, David Samuel, Lívia Sousa, Rayanne Silva, Vanusa Ferreira, Fernando Catroga, Raquel Modesto, Pryscylla
Cordeiro, Alexsandra Goiana, Raysa Carolinne.
Assim encerrou-se o I Seminário Nacional História Contemporaneidades, com planos para que, em 2015, se repita com muito mais êxito.

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