Festa do Livro Cariri, nas dependências da URCA, em 17 de setembro de 2013. |
Realizou-se esta semana (17-21/09/2013) o I Seminário Nacional de História e
Contemporaneidades, na Universidade Regional do Cariri (URCA), em Crato-CE,
que explorou “as dimensões políticas da história e o futuro do passado”.
No primeiro dia (17/09/2013), à tarde, funcionaram oito minicursos. À noite, foi aberta a “I Festa
do Livro Cariri”, que expõe e vende dezenas de títulos, alguns dos quais
voltados, especificamente, para os vários domínios da história. Em seguida,
procedeu-se a abertura oficial do evento, com mesa composta pelos professores Otonite Cortez, Reitora da URCA, Francisco Damasceno, presidente da seção regional do
Ceará da Associação Nacional de História (ANPUH) e docente da Universidade
Estadual do Ceará (UECE), Fátima Pinho, Chefe do Departamento de História, e
Sônia Menezes, da coordenadora do Seminário.
Jucieldo Alexandre (URCA) e Dilton Maynard (UFS) |
Abrindo as falas dessa primeira mesa, Dilton Maynard (UFS) discutiu a
necessidade de o historiador repensar o seu lugar no estabelecimento e na
crítica dos acontecimentos no tempo presente, onde se vive uma espécie de
“cultura de convergência”, ou seja, a ideia de que um conjunto de mídias pautam
o acontecimento e não apenas um veículo ou linguagem. No “cablegate”, por
exemplo, várias mídias, novas e tradicionais, como jornais e sites da internet, foram os responsáveis
pela legitimidade concedida às notícias que denunciaram a espionagem dos
Estados Unidos sobre governos de vários países. A morte de Osama Bin Laden,
outro exemplo, foi primeiramente noticiada no Twitter, por um dos vizinhos do
terrorista assassinado, sendo misteriosamente excluída três dias depois. Esses
exemplos nos levam a pensar em novos procedimentos do historiador para acessar,
ler, citar, referenciar esse novo tipo de documento e a problematizar os os
meios de controle aos quais somos submetidos quando nos utilizamos das novas mídias.
Clarindo Souza (UFCG) e Sônia Meneses (URCA) |
A primeira apresentadora, profa. Margarida Oliveira, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), informou sobre um projeto desenvolvido em
sua Instituição, que põe em prática o seguinte princípio: a história tem uma
função social e esta função pública deve ser cumprida pelos profissionais,
desde o seu período de formação. O grupo de pesquisa, formado por alunos de
graduação e de pós-graduação, além de professores do Departamento de História da
UFRN, oferta serviços à própria universidade, atuando na produção de conteúdos
históricos para TV, rádio, jornal e internet. Trata-se de um trabalho
interdisciplinar que articula conhecimento histórico e formas específicas de
comunicação, elaborando instrumentos de divulgação para públicos de interesse
diverso.
Jane Semeão (URCA), Francisco Damaceno (UESC), Margarida Oliveira (UFRN) e Aryana Costa (UERN). |
O prof. Francisco Damaceno, da Universidade Estadual do Ceará (UECE),
traçou um quadro da oferta de cursos de licenciatura em história no estado –
sete cursos em atividade, entre instituições públicas e privadas. Apontou a
carência de recursos financeiros – bolsas para pesquisa discente, deslocamentos
–, as dificuldades de contratação de professores, a ausência de diálogo entre
os cursos, concorrência entre as instituições, desarticulação entre as disciplinas
da grade curricular e a ausência de especialistas – história da América, por
exemplo. Por fim, afirmou que as possibilidades de atuação do profissional de
história incluem o trabalho nos museus, arquivos e redações de jornais, ainda
que o principal campo seja o ensino, marcado por baixos salários e ausência de
estímulo à qualificação. Esses são os desafios locais a serem enfrentados, com
o auxílio, inclusive, da legislação que prescreve a profissionalização do
historiador.
O terceiro palestrante da mesa, profa. Aryana Costa, da Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), discutiu a regulamentação do
profissional de história, concentrando-se relação formação e regulação. Ela problematizou
os perfis do profissional de história do período 1990 e 2010 e a natureza dos
projetos de lei que prescrevem a profissão, defendendo uma história dessas
trajetórias que considere as diferentes circunstâncias nas quais foram
formatados os documentos. Em seguida, descreveu as grades curriculares de
cursos de licenciatura em história, produzidos entre 1935 e 2004, e comentou
sobre as características e as limitações dos projetos legislativos que trataram
da profissão de historiador nos últimos 15 anos.
Clarindo Souza (UFCG) no minicurso "Tudo que você queria saber sobre história cultural e tinha medo de
perguntar a um historiador social". |
Após as falas da “mesa redonda”, os graduandos iniciaram a apresentação
das suas pesquisas junto às seções coordenadas que abordaram história e patrimônio
cultural, ensino, gênero, meio ambiente, movimentos sociais, religiosidades,
intelectuais, cultural política, literatura e tempo presente.
À tarde, oito minicursos tiveram continuidade. Também foram iniciadas as atividades dos simpósios temáticos "História, religião e religiosidades", coordenado por Maria Paula Cordeiro (URCA) e Maria de Fátima de Morais Pinho (URCA), e "História política do Nordeste", sob a direção de Cristiano Luís Christillino (UFPE).
Á noite, a mesa redonda coordenada pelo
professor Ítalo Bezerra (URCA), discutiu o “Ensino de história, usos do passado
e cidadania”. Iniciando os trabalhos, a prof. Adelaide Gonçalves (UFC)
apresentou um panorama das atividades educacionais desenvolvidas no âmbito dos
movimentos sociais ligados à questão da terra e informou sobre as relações
entre as finalidades e práticas das escolas e às suas implicações na construção
da memória e na crítica à história oficial brasileira. Na sequência, o prof.
Itamar Freitas (UFS) abordou as ligações entre teoria, didática da história e
cidadania, tendo como fonte básica os documentos produzidos por Charles
Langlois, entre 1881 e 1937. Defendeu a necessidade de os professores
formadores explorarem a natureza, a relevância e as limitações da “qualidade de
ser cidadão” nas matérias de teoria, epistemologia, história da historiografia
e introdução à história. Por fim, o prof. Egberto Melo comentou a recente
ampliação do prestígio das questões e temas ligados ao ensino de história no
Brasil e o concomitante interesse dos professores radicados nos departamentos
de história. Afirmou a necessidade de acompanhar a trajetória da Associação
Nacional de História (ANPUH), ao longo da segunda metade do século XX, como
forma de melhor entender o crescente interesse dos historiadores pelos usos
escolares do passado.
Ana Maria Mauad (UFF) |
À noite, a prof. Ana Maria Mauad, da Universidade Federal Fluminense
(UFF), proferiu conferência intitulada “Como nascem as imagens? O fotógrafo, a
moça e uma flor”. Partindo das categorias de “horizonte de expectativas”,
“espaço de experiência” e “regime de historicidade”, Mauad questionou a razão
de a imagem ainda representar um desafio para o trabalho do historiador. Afirmou,
em seguida, que toda imagem tem uma biografia, ainda que nem sempre de trajetória
linear e, também, que elas nascem das práticas sociais de representação do
mundo. Assim, empregando a imagem da “moça com uma flor, frente a um grupo de
soldados armados” (1967) e outras cenas semelhantes, flagradas nos protestos de
junho de 2013, no Brasil, demonstrou como a referida imagem tornou-se uma
foto-ícone, ou seja, uma fotografia que se “entranha na memória” –, neste caso,
o protesto pacífico –frequentemente retomada para atribuir o mesmo sentido, em
outros tempos e espaços. Hoje, os dispositivos fotográficos digitais e a
exponencial capacidade e facilidade de reproduzir imagens não contribuem para a
produção de fotos-ícones. O que comanda a produção hoje é a série de imagens,
mas a foto-ícone não perde a sua função, já que é também revelada nessa nova
forma de produção de sentido.
Alênio Noronha (UECE), Priscila Regis (URCA) e Gilberto Nogueira (UFC). |
Alexandre Barbalho (UECE) |
Os trabalhos da quinta feira (19/09/2013) foram iniciados com a mesa
redonda “Patrimônio cultural, políticas públicas da memória e o problema dos
novos acervos”, coordenada pela profa. Priscilla Régis (URCA). Gilberto
Nogueira (UFC) relacionou as ideias de patrimônio às categorias de “horizonte
de expectativas” e “espaço de experiência” e descreveu processos de
transformação dos sentidos de prática conservacionista no Brasil, ao longo do
século XX. Prof. Alexandre Barbalho
(UECE) ressaltou as necessidades humanas da memória e do esquecimento e
enfatizou o caráter político de todas as práticas preservacionistas. Como
exemplo, citou a eleição dos monumentos representadores da identidade da cidade
de Fortaleza, via campanha midiática, onde a tentativa de “capturar” a memória (oficial)
da cidade esteve submetida a interesses comerciais privados. O Prof. Alênio
Noronha, da Universidade do Vale do Acaraú (UVA) e representante do setor de
Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Fortaleza, encerrou as falas,
tratando dos novos acervos, como o áudio visual. Ele exemplificou e ressaltou o
valor dos mesmos como prova jurídica, instrumento de mediação da lembrança e de
compreensão do passado. A mesa foi seguida por uma seção de autógrafos
concedidos por Gilberto Nogueira (UFC).
Ítalo Bezerra (URCA) |
Renata Marinho (URCA), Rosilene Melo (UFCG), Josinete Lopes (URCA) e Clarisse Fukelman (PUC-RIO). |
Os trabalhos do último dia do Seminário (20/09/2013) foram iniciados
com a mesa redonda “História e transdisciplinaridade – o olhar de outros
saberes do passado” – coordenada pela profa. Josinete Lopes (URCA). Na primeira fala, a profa. Renata Marinho (URCA)
inventariou tendências teóricas e categorias que exploram as formas de agir,
pensar e sentir, postas em circulação entre os séculos XIX e XX e concluiu que,
hoje, a antropologia tende a examinar experiências coletivas de modo
polifônico, policêntrico, enfim, policultural. Em seguida, a profa. Rosilene
Melo (UFCG) apresentou e problematizou a função das imagens produzidas por Manoel
Graciano, Mestre Noza, Índio e Mino, entre outros artistas, afirmando que as
mesmas são expressão de um pensamento, que condensam informações, possuem
agência e expressam – criam – um mundo. Daí a ideia de classificá-las como
imagens cosmológicas. A mesa foi encerrada com a fala da profa. Clarisse
Fukelman, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que discutiu a
“representação, da representação da representação...”, ou seja, os usos
pedagógicos que a produção televisiva faz do conhecimento histórico,
enfatizando a necessidade de considerar conceitos e práticas da teoria da
história, teoria literária, semiologia e da estética da recepção na produção de
minisséries e novelas.
Na segunda parte da manhã, a exemplo do ocorrido nos dois dias anteriores, os alunos de graduação apresentaram suas comunicações em seções coordenadas.
À noite, procedeu-se à cerimônia de encerramento, onde a prof. Sônia
Menezes (URCA) prestou uma homenagem ao prof. Ciro Flamarion Cardoso, falecido
recentemente. Em seguida, as professoras Fátima Pinho (URCA) e Otonite Cortez (URCA) agradeceram aos palestrantes convidados e aos alunos e docentes que se
encarregaram voluntariamente das tarefas do evento. Por fim, o prof. Fernando
Catroga, da Universidade de Coimbra (Portugal), proferiu conferência,
coordenada pela profa. Adelaide Gonçalves, com o título “O historiador e o juiz
na balança pela veracidade histórica”.
Catroga afirmou que a tradição da história como tribunal vigorou da teologia
da história à filosofia da história e assim manteve-se na contemporaneidade. A problematização
do documento, no final do século XIX é, talvez, o ponto em comum entre a investigação historiográfica e o processo judicial. Pensando sobre essa tese,
ele confirma que todo processo judicial é fundado em fatos que “realmente
aconteceram”. Mesmo a ideia de história, desde a experiência grega,
aristotélica, tem o sentido de testemunho – sobretudo, ocular – e de inquérito.
A palavra justiça, por outro lado, significa autoridade – “o juiz disse”.
Fernando Catroga (Universidade de Lisboa) |
Catroga também esclareceu que trabalho do juiz resulta em sentença imperativa. O trabalho do historiador, ao contrário, não gera esse tipo de sentença. Ele é, sim, livre para explicar-compreender. O objeto do juiz, o crime, por exemplo, prescreve. O objeto do historiador, em contrapartida, nunca prescreve, podendo ser constantemente revisitado. Finalizando a sequência de comparações, Catroga afirmou que o juiz age binariamente - sim/não, enquanto o historiador pode afirmar que, "na fase atual da pesquisa, sim" e, ao final, "não" ou "talvez" e, ainda, que as obras do juiz são fechadas e a dos historiadores sempre abertas à visitação. Essas características nos induzem a pensar, conclui Catroga, que o historiador deve expor quaisquer princípios críticos, mas manter um contrato permanente com a "veracidade" na história.
Professores da URCA, Fátima Pinho, Francisca Anselma, Iarê Lucas, Otonite Cortez e Sônia Menezes, junto aos professores Fernando Catroga (Universidade de Coimbra) e Adelaide Gonçalves (UFC). |
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