segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Reformas educacionais e os currículos nacionais para o ensino de história no Brasil republicano (1931/2009)

Gustavo Capanema em 1932 (FGV-CPDOC)
Este texto trata de currículos nacionais produzidos no Brasil no regime republicano, entre 1931 e 2009. Aqui, anuncio as características-chave das prescrições destinadas ao ensino de história e disseminadas por quatro reformas educacionais: Francisco Campos (1931), Gustavo Capanema (1942/1951), Jarbas Passarinho (1971) e Paulo Renato Souza (1996/2001).
No texto, além de informar sobre aspectos identificados como permanentes na maioria das reformas curriculares, procuro responder às seguintes questões: quais os sentidos empregados para a palavra história no espaço de fundamentação das propostas curriculares? Qual o potencial alcance das iniciativas de reformar o ensino no Brasil?  Qual a estrutura curricular empregada, ou seja, como foram organizados os conteúdos históricos? Qual o grau de interferência dos profissionais que atuaram nos cursos de formação do professor de história? Neste sentido, espero contribuir com o debate sobre os rumos dos currículos contemporâneos destinados à escolarização básica dos brasileiros. [...]
Diferentes lugares sociais demarcaram a produção das reformas curriculares sofridas pela história destinada à escolarização básica. As reformas Campos, Capanema e Passarinho foram desenvolvidas em ambiente discricionário, enquanto a reforma Souza enfrentou os “percalços” da elaboração de currículos em regime democrático. Esse itinerário do formato da sociedade política e das suas relações com a sociedade civil também permitem concluir que as reformas migraram de um modelo centralizado para uma descentralização, estrategicamente não anunciada pela última gestão do ministério da educação.
Essas mudanças marcaram também, de certa forma, os níveis de apropriação – ou as possibilidades de cumprimento – das referidas iniciativas. Se observarmos o grau de assentimento dos documentos prescritores de conteúdos históricos na literatura didática, poderemos concluir que experimentamos a adoção integral dos planos das reformas Campos e Capanema, a adoção parcial dos estudos sociais do regime militar, e a progressiva e deliberada recusa dos parâmetros produzidos na administração Paulo Renato, resultando na recuperação – nos planos estaduais – dos tipos integrado e justaposto em uso no período 1931/1971.
Considerando os atores envolvidos no trabalho de prescrever conteúdos históricos, é também fácil constatar que as disputas entre historicistas e, digamos, cientificistas dominaram as duas primeiras reformas. Na terceira, desconhecemos os debates internos, já que o ambiente discricionário tentava afastar o contraditório da formação de políticas públicas. Na quarta, as perspectivas estruturalistas e culturalistas em disputa no mundo acadêmico foram carreadas para os PCNs. Todavia, observando o debate em torno das propostas e o que dele resulta em forma de planos, coprendemos melhor que o grau de assentimento – representatividade demográfica etc. – de uma proposta curricular é inversamente proporcional à coerência interna dessas mesmas propostas.
Esse movimento também lança luze sobre os graus de interesse e de intervenção das instituições que reúnem profissionais de história. Nas duas primeiras reformas, os historiadores do IHGB e, depois, Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB, atuaram diretamente, embora de maneira individual. Nas duas últimas, já organizados na ANPUH, historiadores desperdiçaram as oportunidades de discutir “o direito ao passado” dos brasileiros, especificamente no que diz respeito aos conteúdos substantivos. Reforça esta tese o fato de as contribuições marxistas, annalistas e da micro-história italiana terem migrado para a última reforma, sobretudo, com a função de legitimá-la entre os historiadores e não por interesse da corporação em pautar a experiência a ser debatida na escolarização básica com o nome de ensino de história. As atuais propostas estaduais, elaboradas sob o estímulo da administração Haddad, dominantemente, conservam os referenciais teóricos inclusos nos PCNs. No entanto, o apelo explícito às “novas tendências historiográficas”, seja na introdução dos documentos, seja nas justificativas de eleição das expectativas da aprendizagem, perdeu vigor.
Outra constatação importante diz respeito ao objeto das reformas nacionais. Inicialmente, a União preocupou-se com o ensino secundário, conhecido formador das elites dirigentes do Estado e da economia nacional. Dos anos 1970 em diante e, mais ainda, com o início da universalização do ensino fundamental, a preocupação voltou-se para as séries ou anos iniciais da escolarização básica. No entanto, a instituição de currículos mínimos e, em seguida, a disseminação de parâmetros demonstram que o Estado, em termos de planos de estudos – entre o regime militar e as propostas do nosso tempo – delega aos entes federados e às instituições educacionais o trabalho de detalhar os conteúdos substantivos da história, com duas singularidades: no regime militar o controle se explicitava nas finalidades; nos tempos do PSDB/PFL, o controle se manifestava na introdução das competências básicas e dos conteúdos transversais.
Essa variedade de níveis de intervenção, todavia, não impede a constatação de que a organização dos conteúdos substantivos em história experimentou os tipos integrado, justaposto, integrado novamente e, por fim, currículo por eixos temáticos. Hoje, na ausência de uma definição explícita sobre papel dos PCNs como instrumentos de orientação das propostas dos entes federados, cada estado produz o seu documento, recuperando, dominantemente, a proposta integrada inaugurada pela reforma Francisco Campos.
Também como desdobramento dessa variedade de níveis de intervenção, vivenciamos um problema de grande gravidade. À medida que o Estado estende seu controle sobre os anos iniciais e finais da escolarização básica, crescem os obstáculos à constituição de um plano sistêmico de organização dos conteúdos históricos – e, acrescente-se, às possibilidades de progressão didática entre os 7 e os 18 anos, aproximadamente.
Da mesma forma, à medida que os recentes governos tentam quitar algumas dívidas centenárias com grandes parcelas da sociedade – sem a devida contrapartida de grande parte dos operadores do estado (políticos comprometidos com o setor privado, professores das universidades federais, entre outros) – e, concomitantemente, tentam responder às pressões de organismos internacionais, ampliam-se as possibilidades de exames nacionais de escala.
Com essas considerações quero afirmar que a ausência de currículos de história sistêmicos – para toda a educação básica – abre espaço para um currículo sistêmico, esse sim, “imposto” em ambiente “democrático” – por mais paradoxal que possa parecer a locução. É provável que os planos de estudos de história no Brasil, em poucos anos, sejam estruturados a partir da matriz de referência do ENEM. Isso não seria um grande problema político e teórico se as matrizes dos exames de escala representassem – como explícito nas próprias orientações do INEP –, as tendências estaduais. Como os estados demoram a constituir as suas propostas e quando o fazem são postos em questão pela pesquisa de ponta na área – que subsidiam o Estado – as matrizes dos exames nacionais vão ficando defasadas ou demasiadamente sofisticadas, dependendo do ângulo sobre o qual queiramos observar.
Como vemos, pensar os currículos de história hoje – sobretudo no interior dos departamentos de história – é uma questão teórica e política muito importante e que não deve ficar relegada a um tópico de discussão de uma disciplina “didática,” ministrada nos últimos períodos da licenciatura. Pensar currículos de história, sem nenhum exagero, é cultivar a manutenção da própria profissão que se quer ver reconhecida legalmente.

Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Reformas educacionais e os currículos nacionais para o ensino de história no Brasil republicano (1931/2009). Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 12, n. 1, 2013. Disponível em: <http://itamarfo.blogspot.com.br/2013/08/reformas-educacionais-e-os-curriculos.html>. Postado em 26 ago. 2013.

Para ler e baixar o artigo completo (aqui estão disponíveis somente as conclusões), acesse: http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/22903