sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Didática da história entre filósofos e historiadores (1690-1907): primeiras palavras


Colegas, boa tarde! Um curso intitulado “Didática da história entre filósofos e historiadores (1690-1907)” merece uma justificativa inicial. Em primeiro lugar, didática da história conserva, aqui, o sentido instrumental (simples e amplo) de conjunto de conhecimentos, habilidades e valores empregados na formação histórica de pessoas em idade escolar. A escolha pelos filósofos e historiadores tem uma razão lógica. Quem primeiro pensou os usos da história na formação de pessoas foram os filósofos que se debruçavam sobre todo tipo de problema físico e metafísico, isso antes que os saberes científicos, sobretudo na universidade, no século XIX, se constituíssem como corpos autônomos, inclusive a história.
Foi somente em meados do século XIX começaram a aparecer os primeiros manuais que codificavam tanto o chamado método histórico – método crítico ou, ainda, método da crítica histórica ou crítica documental. À mesma época, difundiram-se as formas de transmitir ou fazer adquirir o resultado da pesquisa histórica em formado de currículos e livros escolares, em sala de aula ou em regime preceptorial, sob os mais diversos interesses, entre os quais destaco a formação do súdito ou do cidadão (sob os regimes monárquico ou republicano), em estados democráticos ou ditatoriais.

Por que ler autores de tempos e espaços tão díspares?
A escolha por autores com vivência na Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos e Inglaterra está fundada em questões lógicas, mas guarda justificativas relacionadas aos nossos modos de ensinar história hoje, na escolarização básica, nos ensinos fundamental e médio no Brasil, nas middle e high school estadunidenses ou nos colégios e liceus franceses, por exemplo.
As nossas pesquisas, aqui na Universidade de Brasília, inclusive, indicam que as didáticas da história – os modos científicos de empregar o conhecimento histórico na formação de pessoas imaturas – foram criadas na passagem do século XIX para o século XX, em vários países do Ocidente e quase que concomitantemente. Da mesma forma, junto aos pesquisadores com os quais atuamos, a professora Margarida Oliveira, por exemplo, desconfiamos da excessiva centralidade concedida aos anos 1980, no Brasil, acerca da inovação no que diz respeito ao ensino de história.
Retroagindo ao início do século passado e, bem mais para trás, percebemos que tais inovações - às vezes, significadas como didáticas da história -  são frutos de mudanças de ideias orientadoras, da filosofia da história, psicologia educacional para a história (desprovida, esta, em grande parte, das especulações metafísicas criadas, majoritariamente, no período circunscrito entre os séculos XVI e XIX.
Dizendo de outro modo, as didáticas da história, inicialmente, baseiam suas estratégias e propósitos em princípios epistemológicos de fundo dominantemente empirista (nos casos de J. Locke e F. Herbart) e empirista/evolucionista (J. Dewey). No início do século XX, tais suportes são, em parte, substituídos por uma epistemologia histórica, ainda empirista, embora não positivista (R. Altamira e C. Seignobos), que privilegia o método histórico ou as operações processuais da pesquisa e (com menor ênfase)  da escrita da história, procedimentos (sobretudo os primeiros) que teriam fundamentado e legitimado a história como ciência até o início do século XXI.  
Outra razão também nos estimula a reler os autores desse tempo onde a história não havia alçado à categoria de ciência universitária: as permanências de algumas ideias e procedimentos formulados ou sugeridos por Locke, Herbart e Dewey, sobretudo.
Somente para estimulá-los a rememorar as suas próprias experiências discente e/ou docente, como também a ler e apreciar os textos e vídeos arrolados na bibliografia deste curso, saibam que ao privelegiarmos o exercício de determinada habilidade – a memória, por exemplo –, mediante a repetição, a cópia e a transferência de informação para um outro colega, no ensino de história, estamos empregando princípios cunhados há, no mínimo, 300 anos, que fazem parte das lições de Locke, preparadas para a educação no cavalheiro inglês.
Da mesma forma, quando afirmamos que as crianças encantam-se com histórias fantásticas, narrativas mitológicas e a experiência de seres com superpoderes porque a cosmogonia da primeira fase da história da humanidade (da pré-história à antiguidade) foi construída sobre tais parâmetros, estamos utilizando os pressupostos de Herbart.
Quando afirmamos, peremptoriamente, que aprender é resolver problemas numa dada situação cotidiana enfrentada pelo aluno com as habilidades de pensamento desenvolvidas na escola, e a partir do método experimental – problematizar a realidade, elaborar e testar hipóteses, produzir uma resposta a partir do relativo consenso do grupo –, estamos trabalhando com as assertivas de Dewey.
Por fim, quando defendemos ardorosamente que ensinar história é induzir o aluno a pensar historicamente ou – como fazem alguns renomados pesquisadores alemães, canadenses, estadunidenses, ingleses, australianos, espanhóis, argentinos, uruguaios e brasileiros, por exemplo – “ler" ou "pensar" como historiador” –, estamos lançando mão dos princípios difundidos por Altamira e Seignobos.
Enfim, é por esses motivos que selecionamos tais autores. Foi para evitar que “reinventemos a roda” – que repitamos equívocos já cometidos pelos filósofos e historiadores de então ou que não tomemos nossas “descobertas” como inovações originais, a exemplo da corrente noção de "alfabetização histórica" – que propusemos a leitura de alguns dos seus textos.
Foi também para ampliar o conhecimento que nos legaram, combiná-lo ao conhecimento disponibilizado, nos livros, na fala dos professores na universidade e, sobretudo na Internet que iniciamos este curso com uma série de vídeos de domínio público que informam sobre recentes teses acerca da natureza do pensamento e, de modo estrito, do pensar historicamente, temas abordados pelos autores referidos.
Por fim, uma lembrança: a pergunta "o que é pensar historicamente?", dirigida aos autores aqui referidos, é anacrônica, evidentemente. Mas, já escreveu Bloch, sem anacronismos não se avança na pesquisa histórica, ou seja, não se inventa, não se cria não se reinterpreta o passado. E o passado que queremos explorar é o dos usos da história na formação de pessoas em uma duração conjuntural, é o das prescrições metodológicas, enfim, da transferência do bastão da filosofia para a história sobre os modos de modos de alfabetizar historicamente ou, numa sentença bem conhecida contemporaneamente, dos modos de potencializar as operações que possibilitam a orientação das pessoas na vida prática. 

Sejam bem vindos!

A mente é um produto do cérebro?


Tempo, sentimento e memória em Samba de um minuto, com Roberta Sá.
Até a próxima aula.


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Aula n. 4
Aula n. 3
Aula n. 2

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