quarta-feira, 1 de março de 2000

A "Casa de Sergipe" (1): historiografia e identidade na Revista do IHGS (1913/1929)

A experiência da história da historiografia (Capítulo 1)
A história da historiografia como domínio específico é uma prática recente. Mesmo em lugares onde a ciência histórica[1] estabeleceu-se desde o século XIX, como a Alemanha e a França, esse campo de estudos custou a se constituir, e somente nesse século as características de uma disciplina que se ocupa do desenvolvimento do próprio saber a que está vinculada (a ciência histórica) começaram a ser esboçadas.
É claro que, durante o século XIX, houve momentos onde a ciência histórica fez-se objeto de si própria, mas, nessas iniciativas, circunscritas/relacionadas aos “lugares de produção” e às “práticas disciplinares” em que foram gestadas, não estavam tão nítidos os limites entre os diversos domínios constitutivos desse saber. Praticou-se, então, de tudo um pouco e ao mesmo tempo. O resultado dessas análises, “esboços”, “introduções”, “iniciações”, “noções” sobre a historiografia e historiadores do século XIX e anteriores foi uma mescla de estudos sobre filosofia, metodologia, epistemologia e didática que, devido à abrangência dos objetos e estratégias, acabaram "retardando" a formação desse campo específico hoje nomeado história da historiografia.
No século XX, em grande medida pelo vigoroso empreendimento dos discípulos de Ranke e da Escola Metódica[2], o trabalho do historiador tornou-se complexo e hierarquizou-se de tal maneira que o interesse pelo método, teoria, didática e, mais recentemente, a epistemologia acabou por transformá-los em domínios específicos da ciência histórica. Quanto à história da historiografia, por motivos que vão do desinteresse dos historiadores pelas questões teóricas ao desdém pela trajetória do seu próprio saber, ela só sedimentaria o seu status de disciplina específica na década de 1970. Esse limite temporal aplicou-se à tradição francesa da qual os historiadores brasileiros se serviram de forma mais intensiva.[3]
No Brasil, a exemplo do que aconteceu na França (matriz majoritária dos nossos estudos históricos desde meados do século XIX), a história da historiografia tem se refugiado principalmente nas "histórias da literatura", nos estudos dos brasilianistas, nas revisões/levantamentos bibliográficos sobre temas, períodos, espaço geopolítico, metodológico e numa extensa e fragmentária série de produtos, tais como: resenhas de lançamentos bibliográficos, revisões de literatura de trabalhos de pós-graduação, homenagens, centenários de instituições (Associações ou Revistas), centenários da nação/região, necrológios, efemérides, etc.
Levando-se em conta somente as obras de síntese de historiadores brasileiros que refletiram sobre a possibilidade da história da historiografia como domínio específico, poder-se-ia subdividi-los em dois blocos de estudos: o tempo dos pioneiros e o tempo da Universidade. O primeiro tempo reúne os trabalhos de Alcides Bezerra, Sérgio Buarque de Holanda e José Honório Rodrigues.[4] Não é tanto a “formação” dos autores que os caracteriza como pioneiros, e sim a experiência das iniciativas/empreendimentos, o atomismo da pesquisa e o esforço em esboçar parâmetros tipicamente historiográficos como questões de teoria e método, contribuição da obra para o esclarecimento do passado brasileiro e para o fortalecimento do próprio saber, entre outros. O segundo tempo é marcado pela formação superior em história, a pesquisa dentro da Universidade, o trabalho sistemático de levantamento e crítica da historiografia produzida sobre o país (José Roberto do Amaral Lapa, Carlos Fico e Ronald Polito, principalmente).[5] A leitura dos clássicos produzidos nesses dois "tempos" pode demonstrar que a história da historiografia, como domínio específico, acompanhou a institucionalização da ciência histórica tanto no que diz respeito ao espaço propriamente institucional (da “Introdução à história” para uma disciplina curricular nos cursos de graduação) quanto à formalização das práticas desse tipo de estudos (métodos, técnicas, justificativas e programas). Os critérios da abstrata representatividade (não problematizada) e das classificações por assunto, progressivamente, cederam lugar ao exame da obra por inteiro, das relações entre o texto, condições de produção e os seus leitores privilegiados. Esse domínio específico, contudo, não chegou a gerar "escolas" e ainda sofre do mal de Sísifo. Além disso, a história da historiografia vive um conflito de identidade quando incorpora funções da epistemologia e da metodologia da ciência histórica. Seria então essa inquietação a sua maior virtude? Estou inclinado a acreditar que sim.
Em Sergipe, a história da historiografia também (e somente) viria a despertar interesse com a consolidação da Universidade a partir dos anos 1970. Apesar disso, e sem prejuízo das suas práticas, as raras iniciativas nesse sentido são alicerçadas nos trabalhos de José Honório Rodrigues e na crítica demolidora que a historiografia francesa dos anos 50 efetuou acerca da Escola Metódica dos finais do século XIX. Ainda assim, poucos são os estudos dedicados à história da historiografia. Como acontece em outros espaços de produção historiográfica, é na "revisão de literatura" que também se refugia esse domínio. Esse é o caso da “Introdução” de Santas almas de Itabaiana Grande de Vladimir Carvalho de Souza.[6] Aliás, seria injusto até classificar esse texto como uma simples revisão em busca de narrativas sobre os municípios, pois o título que abre o tópico – “A História em/de Sergipe” – já sinaliza também uma preocupação em historiar a prática da ciência histórica no Estado. O interesse de Vladimir é duplo: demonstrar que a “história [conhecimento sobre] de Sergipe encontra-se incompleta” e, ainda, que as histórias dos municípios estão em “Estado precário.” Por isso, relaciona autores cujas obras foram produzidas a partir de referências vivenciadas em Sergipe, assim como as iniciativas de historiar a trajetória dos municípios sergipanos. Vladimir Carvalho não classifica e nem periodiza o material; os comentários críticos são curtos e esparsos e de outra forma não poderia sê-lo já que o próprio título anuncia sua função: uma “Introdução” ao estudo da história de um município em particular (Itabaiana). Apesar de panorâmica, a lembrança de Carvalho é meritória. Além de levantar o problema da insuficiência na pesquisa histórica no Estado (excetuando-se os momentos em que foram produzidas a História de Sergipe de Felisbelo Freire e os escritos sobre a questão de limites entre Bahia e Sergipe) inclui, como estudos históricos, alguns artigos seriados, publicados em periódicos sergipanos, trabalhos, creio eu, não suficientemente conhecidos por aqueles que ainda se aventuravam na pesquisa no início dos anos 1970.[7] Deve ser também louvada a revisão que faz Vladimir sobre a historiografia acerca dos municípios: o primeiro levantamento do gênero, somente suplantado pelo “Banco de dados Histórias dos Municípios Sergipanos”, produzido pelo Departamento de História da UFS em meados dos anos 1990.
Um outro refúgio da história da historiografia, ainda como revisão, está nas justificativas de José Silvério Leite Fontes para esboçar “Um projeto de História de Sergipe”.[8] No intento de fazer apenas um "retrospecto crítico" do que se publicou sobre “História Geral de Sergipe”, esboça também um protótipo de análise historiográfica. Com alguns fragmentos do pensamento dos Annales e outros da Escola Metódica do século XIX, o autor vai abordando questões que ainda permanecem na ordem do dia, tais como: a caracterização do trabalho de historiografia (diante do escrito geográfico, por exemplo); a distinção entre um escritor “e um verdadeiro historiador”; e a afirmação do caráter “científico” da história. Assim, nas entrelinhas do seu “retrospecto” e nas “diretrizes” do projeto, Silvério Fontes vai delineando um modelo ideal para a escrita da história, sedimentando esse “fazer” nas quatro clássicas etapas da produção desse conhecimento: reunir, criticar, interpretar e expor. Daí a cobrança enfática em relação ao esforço e originalidade da pesquisa, a crítica interna e externa dos testemunhos, organização das fontes, emprego de teorias na interpretação, lógica da periodização e bom desempenho do “fluxo narrativo”. O texto de Silvério Fontes é uma mostra do novo padrão imposto pelo curso superior de história aos estudos do gênero no Estado. É o período do diálogo [pelo menos entre Silvério Fontes e José Calazans] e da quebra do isolacionismo de Sergipe em relação às discussões teórico-metodológicas incrementadas a partir dos anos 1960 e 1970 com a mobilização dos professores dos cursos superiores de história no Brasil.
Maiores evidências dessa reintegração dos autores sergipanos às discussões sobre o ofício do historiador e sobre o relevo que a história da historiografia viria tomar estão nas participações do próprio Silvério Fontes e de José Calazans nos encontros nacionais de professores universitários de história. O primeiro estabelece uma trajetória para a historiografia sergipana centrada nos autores que esboçaram uma “consciência de individualidade da província”. O texto de Silvério Fontes[9], apresentado no II Encontro de professores de Introdução aos Estudos Históricos (Campinas, 1972) não é propriamente uma análise historiográfica. Ele apenas relaciona autores e algumas obras representativas devido a sua constituição e abrangência. “Historiografia Sergipana” opera como uma espécie de introdução a um tema bem mais específico que se transformou no divisor de águas da pesquisa histórica em nível local: o projeto de “Levantamento das fontes primárias da História de Sergipe”. Apesar da brevidade do texto, Silvério Fontes procura dar inteligibilidade à trajetória da historiografia em/sobre Sergipe – ainda que em termos de avanços e recuos. Nesse sentido, o autor aponta as principais temáticas e motivações para a pesquisa (movimento republicano, implantação da República, questões de limites com a Bahia, história artística e literária, homenagens aos “sergipanos ilustres”); caracteriza algumas práticas do ofício em suas respectivas épocas (ênfase nos estudos analíticos, factualismo, trabalho individual e não especializado); pontua marcos institucionais (como a fundação do IHGS e a criação da disciplina “Introdução aos estudos históricos”); e, também, talvez o mais importante, esboça uma periodização para essa historiografia (surgimento – 1860; surto historiográfico, a partir da apropriação das idéias estrangeiras – 1875/1925; arrefecimento da pesquisa sobre o local – 1925/1960; e a retomada desses estudos – 1960/1970).
O segundo trabalho que se ocupa da trajetória da historiografia sergipana, constituído também no bojo da participação de sergipanos em eventos nacionais, é a “Introdução à historiografia sergipana” de José Calazans.[10] Esse texto, apresentado ao “V Simpósio de História do Nordeste (Aracaju -1973) é considerado pelos historiadores locais como o principal estudo sobre o “desenvolvimento da nossa historiografia” a tentativa de sistematização, o comentário crítico equilibrado e a detecção de pontos problemáticos na prática do ofício dão o tom louvável da comunicação.
Para introduzir-se no estudo da historiografia sergipana, José Calazans foi buscar no discurso de Silvio Romero (1873), 100 anos antes dessa comunicação, os indícios da tentativa de produzir-se no Estado uma escrita da história em bases “científicas”.[11] A descrição desse esforço (empreendido na mesma década de 1870) é constituída através do arrolamento de autores e obras agrupadas nos vários ramos cultivados no período de um século: historiografia dos municípios, historiografia política, didática, obras gerais e biografias. Há segmentos do texto que privilegiam três autores representativos devido à profundeza da pesquisa (Felisbelo Freire, Carvalho Lima Júnior e Felte Bezerra) e dois relativos a um tema e uma referência capital para a historiografia local: a questão dos limites com a Bahia e a influência da Escola do Recife. A análise desses segmentos fundamenta o estabelecimento de cinco fases na história da historiografia sergipana que dialogam com a periodização esboçada um ano antes por Silvério Fontes. Na primeira fase, à obra de Silva Travassos, José Calazans acrescenta o trabalho de Marco Antônio Souza e os escritos de cronistas que não necessariamente vivenciaram a história local, como Frei Vicente Salvador, Barlaeus e Rocha Pita. Na segunda, intitulada por Silvério Fontes como “surto historiográfico”, Calazans estabelece a publicação de História de Sergipe de Felisbelo Freire como marco inicial. Daí em diante, as duas periodizações se distanciam. Calazans vai estabelecer o IHGS como o fundador de uma nova fase que se extingue em 1929 quando a Revista do grêmio deixa de circular. A última fase, que compreende as décadas de 1940/50 e 1960, é marcada pela retomada dos estudos sobre Sergipe no IHGS, no Departamento de História da Faculdade de Filosofia o lançamento da Revista de Aracaju e da “Coleção de Estudos Sergipanos”.
O texto de Calazans não é somente um “guia” temático para os que se aventuram a produzir historiografia. Ele também exemplifica uma possível forma de narrar a história desse saber, verificando o lugar sócio-econômico e cultural de produção e julgando, indicando e corrigindo algumas práticas do ofício. Assim, a história do Estado – política, intelectual – é relacionada à historiografia através da exposição dos grandes temas motivadores, ao mesmo tempo em que essa historiografia é valorizada pela relevância das informações transmitidas, o uso de fontes primárias, a intimidade com a pesquisa arquivística, o emprego da crítica histórica e do equilibrado julgamento sobre os agentes e os acontecimentos estudados.
A “Introdução” é também um importante documento para a contínua reavaliação que a comunidade local de historiadores deve fazer da sua prática. Uma rápida leitura das lacunas apontadas por Calazans é suficiente para constatar como avançamos em relação à historiografia política, econômica e quanto estamos a dever acerca da historiografia social, do trabalho de divulgação didática e, principalmente, de uma história da historiografia.
A comunicação de Calazans, como texto de síntese, continua atualíssima e tem servido de ponto inicial aos poucos trabalhos que refletem sobre a historiografia do/no Estado. Estes, por sua vez, tem se pautado pela incorporação das regras do ofício em vigor: o trabalho orientado, financiamento da pesquisa, maior especificidade dos recortes temporais, espaciais e temáticos, liberdade interpretativa, problematização do objeto, e interdisciplinaridade – principalmente no que diz respeito a teorias e métodos. Esta nova orientação resulta das mudanças do perfil do profissional que tem sido operadas ao longo dos últimos 20 anos no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. Hoje, em sua maioria, os professores são egressos dos cursos de pós-graduação em Universidades Federais de Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília o que tem garantido o intercâmbio com os mais importantes centros dos estudos históricos do país. Os frutos dessa historiografia universitária para uma história da historiografia de/em Sergipe já podem ser visualizados nos trabalhos do professor Francisco José Alves (principalmente a tese de doutorado sobre o historiador Felisbelo Freire), das monografias de graduação e pesquisas de iniciação científica de Noberto Oliveira, Itamar Freitas, Péricles Júnior, Elissandra Silva que enfocaram tanto o trabalho de um autor (Maria Thétis Nunes, Sebrão Sobrinho), quanto a historiografia produzida sobre uma região – “histórias dos municípios sergipanos”. Graças à maturidade da reflexão da historiografia sobre o seu próprio saber nos últimos dez anos no ambiente universitário, esta pesquisa, centrada no IHGS, pôde tomar corpo e transformar-se em trabalho de pós-graduação.[12]
Institutos históricos como objeto da história da historiografia
Não há dúvidas sobre a importância dos Institutos Históricos como organizadores de memória e produtores de historiografia sobre o local onde estão instalados. Pode-se até não concordar com as suas práticas, a sua constituição, quadros de referências, objetos, critérios e resultados da sua atividade memorialística. Pode-se até mesmo abominar os seus modelos de escrita, mas não há como bani-los da história do país já que foram, ao mesmo tempo, produtores e veículos dessa representação[13] chamada Brasil. Seguem assim, os Institutos Históricos como marcos temporais, institucionais, monumentais, de muita iniciativa séria que se propõe estudar a trajetória das ciências sociais e humanas, a historiografia política que contempla as formas do Estado, o território, a atividade literária stricto sensu, etc..
Apesar dessa relevância, não são muitos os trabalhos que se dedicaram especificamente a esse tipo de instituição. A matriz inicial, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro é, com certeza, a que mais tem sido objeto de estudo por parte de historiadores e cientistas sociais. Ainda assim, talvez devido à longevidade da instituição e da sua Revista – com 400 números publicados – e à diversidade de questões que o grêmio suscita em relação ao debate político-intelectual do Brasil, o IHGB tem sido um desafio para trabalhos de síntese. Tem-se procurado abordá-lo por suas relações com o aparato estatal, o seu lugar na institucionalização das ciências no Brasil, as características e funções da sua historiografia, o seu papel no processo civilizatório brasileiro, a sua primazia na pesquisa histórica pública no país, etc.[14]. Quanto aos Institutos estaduais, principalmente aqueles que não possuem a prerrogativa de terem introduzido a pesquisa histórica em seus espaços de influência, os que foram fundados no período republicano, e esse é o caso do grêmio sergipano, a quantidade de trabalhos que deles se ocupam, mesmo que tangencialmente, é ainda mais reduzida.
Em parte, a ausência de trabalhos sobre o IHGS advém de um certo preconceito (teórico-metodológico) reinante até os tempos atuais entre os historiadores, autoditadas ou não, em relação à historiografia contemporânea (ou pelo menos à historiografia do século XX). Preconceito e precaução quanto aos eventuais comprometimentos políticos em um Estado onde a maioria dos intelectuais está enredada por compromissos familiares. Outro motivo diz respeito ao próprio objeto privilegiado pelos historiadores até os anos 1970. Se nesse período, como apontou Calazans[15], não havíamos avançado em relação à historiografia política, econômica e social, não se poderia esperar muito acerca de uma historia da historiografia ou de uma historiografia intelectual, já que essas últimas só viriam ganhar espaço, mesmo fora do Brasil, em meados desse século. Em relação à historia da historiografia já anunciei o lugar ocupado pelo IHGS – delimitador de uma fase bastante produtiva da historiografia sergipana, o institucionalizador da pesquisa histórica coletiva, o desaguadouro dos entusiastas da Escola do Recife etc.. Resta agora indicar como os raros esboços da história do movimento intelectual em Sergipe nas décadas de 1920 e 1930 trataram a Instituição e a sua Revista.
Penso ser bastante oportuno iniciar essa revisão com um texto do próprio fundador do IHGS, o sociólogo Florentino Menezes que, em 1932, fora do período em análise, portanto, enfatizava um aspecto "original" da sociedade sergipana: os "vôos iluminados" da sua inteligência, a tendência de produzir "iluminados gênios." À tese da pequenez territorial de Sergipe, em vigor nesse período, Florentino acrescentava a impossibilidade de se manter uma força bélica como o Estado de São Paulo, uma grande população como Minas Gerais e conclui: "somente pela inteligência ele [Sergipe] poderá vencer e se tornar digno dos seus irmãos da Federação."[16] De fato, os "Aspectos Sociaes" de Florentino Menezes tratam justamente desta vocação de Sergipe e do "surto de progresso intelectual" (iniciado possivelmente com Tobias Barreto e Silvio Romero, passando por Fausto Cardoso no início do Século XX e se estendendo até os dias atuais - 1932). A continuidade dessa virtude é comemorada pelo autor que percebia, àquela altura, uma certa efervescência intelectual nos colégios secundários de Aracaju..." as livrarias derramam, como nunca, os seus livros pela população ávida de leitura (...) os jornais publicados, pelos alunos do curso secundário, mostram que a mocidade estudiosa orienta-se atualmente para uma vida superior, mais intelectual e mais artística."[17]
Idealismo exacerbado ou não, Florentino era professor de Sociologia do colégio secundário (Atheneu) e deveria entender sobre o que estava escrevendo. Para o autor, alfabetizar e instruir somente não bastavam. O futuro do Estado dependeria mais do cultivo da grande cultura (literária e científica - "favorecendo assim o aparecimento da inteligência sobre-humana e dos gênios luminosos”) e menos da exportação de produtos extrativos (sal, algodão). É para essa tarefa que Florentino Menezes convoca a Academia Sergipana de Letras e, curiosamente, apesar de escrever para a Revista da ASL, omite a responsabilidade de uma outra Academia que ele mesmo liderara a fundação 30 anos antes: o IHGS.
As teses da pequenez territorial e do celeiro de talentos como representação do Estado de Sergipe também são retomadas por Gonçalo Rollemberg Leite. Em um artigo na Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, esse autor tece comentários sobre a relação meio/homem na formação da identidade cultural, descrevendo o relevo do Estado, apontando as "matrizes étnicas" dos sergipanos e alguns problemas que emperravam o desenvolvimento sócio-econômico de Sergipe. Não sem antes disparar sofríveis "flaches da história sergipana a refletir na tela da história nacional," Gonçalo Rollemberg Leite, professor de História e de Direito, aponta dois elementos que caracterizam os literatos sergipanos: o pendor pelas causas sociais ("quase fazendo da poesia atual uma literatura do protesto")[18], e o tom polêmico e agressivo dos seus discursos. O texto é estruturado sobre uma cronologia progressiva; o seu objeto oscila entre a primeira metade do século XIX e a segunda do XX e interessa ao autor captar a Expressão cultural de Sergipe percebida através dos vários domínios literários: da poesia consoladora[19] de Pedro Calasans, Bittencourt Sampaio, Elizeário Pinto e José Maria Gomes de Souza; das historiografias política de João Ribeiro e literária de Silvio Romero; nos "ensaios" de Manoel Bomfim, Jackson de Figueiredo e Gilberto Amado; nos estudos jurídicos dos ministros Oliveira Ribeiro, Coelho e Campos, Heitor de Souza, Aníbal Freire, dos professores Rogério de Faria, Alvino Lima, Alberto Deodato, e os grandes juristas Martinho Garcez, Gumercido Bessa e Tobias Barreto. O artigo do prof. Gonçalo tem o mérito de justificar a inclusão de cada um dos nomes aqui citados, comentando a atuação, relacionando obras, etc., mas peca pela omissão de nomes significativos a sua época como Felisbelo Freire e Fausto Cardoso, pela falta de referências completas em seus abonamentos e, principalmente, pelo reducionismo da interpretação/conlcusão a qual chega: como a maioria dos citados autores era bacharel em Direito o autor sente-se à vontade para concluir pela existência do primado do Direito na cultura sergipana.[20] A tese do prof. Gonçalo abre um questão importante: que lugar ocupavam então os padres, médicos e jornalistas do período e outros tantos criadores/mediadores da “cultura letrada” da época?
Em um dos raros esforços para oferecer um "Panorama intelectual de Sergipe" na primeira metade do século XX, Magalhães Carneiro afasta-se do critério operacional [autores e obras], optando por fazer "um estudo circunstanciado das instituições culturais de Sergipe e de seus órgãos de controle intelectual."[21] A noção de intelectual está ligada à produção nas ciências [história e geografia] e letras [conto, romance, poesia]. Assim, a intenção de Carneiro com a sua "Memória" das entidades é "mostrar o modo pelo qual é mantida, incrementada e difundida a cultura entre os sergipanos."[22] Curioso notar que entre as instituições selecionadas (ASL, IHGS, Biblioteca Pública, Imprensa periódica) o autor tenha incluído o Departamento de Propaganda e Divulgação do Estado (DPDE) e a este dedicado 40% de suas 30 páginas (tendo inclusive publicado na íntegra o primeiro Boletim mensal desse órgão - julho de 1940).
O trabalho de Magalhães Carneiro ressente-se de uma síntese (apesar de propor um "panorama") e/ou ainda uma conclusão que avaliasse a produção dos intelectuais em Sergipe em 1940 relacionando-a às chamadas "florações" científica, poética e romanesca do século XIX e início do XX, apontadas pelo próprio autor na "introdução" do trabalho. O "estudo circunstanciado" sobre o IHGS, por exemplo, apenas fornece dados da fundação (primeiros sócios, funções estatutárias, organização administrativa) e algumas de suas realizações, como a instalação de bustos homenageando sergipanos ilustres. Há também dados sobre a construção da sede própria em 1939, o número atual [1940] de sócios e os títulos de utilidade pública do IHGS. Fica excluído, portanto, o próprio “produto intelectual” da instituição (as letras e ciências). Devo retificar também alguns pequenos equívocos cometidos pelo autor quanto à data do início dos trabalhos "científicos", "literários", "intelectuais" e "cívicos", discriminados e iniciados com o Estatuto de 1912 e não em 1919, assim como a data do lançamento das bases da biblioteca e da Revista que aconteceram a partir da fundação do Instituto em 1912 e 1913 respectivamente. Tais incorreções não retiram o mérito da obra que até o estágio atual dessa pesquisa, em relação ao estudo das Instituições, permanecem iniciativa pioneira.
Pouco pretensioso quanto aos objetivos e anunciando apenas "um depoimento pessoal" sobre "o desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século XX", o historiador José Calazans parece inaugurar uma historiografia intelectual de Sergipe, tendo como agentes principais os próprios "intelectuais" e o IHGS. O Instituto era, no momento do seu 50º aniversário, para José Calazans, o arauto, defensor e guia do "bom sergipanismo." Este, caracterizado pela "inteligência" do seu povo e pelo amor ao trabalho, era a própria representação do Estado perante os demais e, por isso, tal tradição (exportador de talentos intelectuais) deveria ser conservada e revigorada pelo IHGS "como condição mesma da nossa existência de povo."[23]
O IHGS, através de sua Revista, em seu trabalho de difusão cultural, de coletador de registros históricos e etnográficos, segundo Calazans, preenche o papel da Universidade [que só seria instalada seis anos depois dessa conferência em 1968]. O Instituto, continua o autor, é fruto da "mentalidade recifense", seus fundadores eram discípulos diretos de Tobias Barreto e Silvio Romero e daí a vocação pela defesa e propagação do "bom sergipanismo." Destes dois intelectuais produziu-se a síntese perfeita entre o universal e o local, entre o pensamento filosófico europeu e o interesse pela pesquisa sobre o folclore, a história e a geografia de Sergipe. A "mentalidade recifense” é vista como o responsável pela construção do objeto, das estratégias de investigação e objetivos institucionais do IHGS. Fundado então pelos discípulos das mais brilhantes inteligências da terra, o IHGS transformou-se no pólo aglutinador e gerador de intelectuais e entre estes o próprio José Calazans anuncia-se como exemplo.
Mas quem são estes intelectuais e o que teriam produzido em favor de Sergipe? Para Calazans, cinco são os tipos: os bacharéis em Direito formados no Recife, discípulos de Tobias Barreto que atuaram na magistratura, advocacia e na política partidária; os médicos formados na Bahia e Rio de Janeiro, os engenheiros formados em Ouro Preto e na Bahia, homens de letras que conectaram Sergipe aos grandes centros do país; os ex-alunos da Escola Militar da Praia Vermelha que atuaram como professores em Aracaju; os padres formadores e formados pelo Seminário do Sagrado Coração de Jesus a partir de 1913; e os poetas de Aracaju aglutinados no bairro Santo Antônio em torno do carismático poeta Garcia Rosa, que cantaram as belezas da terra sergipana.
O depoimento de Calazans mantém o argumento do Sergipe minúsculo e esquecido, como um grande exportador de talentos (embora acrescente a este o caráter de grande trabalhador). Seu texto desbota a idéia do predomínio dos bacharéis sobre a produção científico-literária de Sergipe (eram importantes mais não os únicos) estabelecendo como subproduto uma tipologia dos intelectuais do período 1900/1950. Calazans vai mais além. Ele disserta sobre as zonas de formação, informação – Pernambuco/Bahia –, dos processos de retroalimentação da intelectualidade sergipana.
Em 1984, um trabalho de Pedrinho Santos contempla o IHGS com um capítulo independente, e este, junto a outros dedicados à Biblioteca Pública Epifânio Dória, ao Arquivo Público do Estado de Sergipe, aos Museus de Sergipe e de Arte Sacra, constituem o volume I das Instituições culturais de Sergipe[24]. O autor não anuncia uma historiografia intelectual ou dos intelectuais de Sergipe. O trabalho nada mais é que a reunião de "artigos jornalísticos feitos para o entendimento popular" publicados pela Gazeta de Sergipe (1984/1985) em uma seção sobre "fatos e homens que marcaram a história de Sergipe" cujo título, bastante sugestivo, teria sido inicialmente "Descubra seu lugar".[25]
O tópico inicial da matéria relativa ao IHGS faz referência ao IHGB no século XIX, conduzindo o leitor para a fundação do grêmio sergipano. O artigo traz dados básicos como data da inauguração, localização das sedes, primeira diretoria, constituição dos Estatutos, e os títulos "de utilidade pública". A segmentação do capítulo é temática, abordando aspectos da construção e inauguração da sede própria e dos produtos oferecidos pela entidade: biblioteca, hemeroteca, os administradores e as condições gerais de funcionamento do Instituto no período em que os artigos foram produzidos.
Apesar de modesto na forma e nos objetivos, o trabalho de Pedrinho Santos relativo à reconstituição da memória das instituições, além do seu conteúdo informativo e acessível aos leigos, tem o mérito de indicar as fontes e esboçar uma periodização para a história da Instituição. Sintetizando as informações do autor, poder-se-ia concluir que em uma primeira fase (décadas de 1920/1930) o IHGS dedicou-se à tarefa memorialista (palestras e erguimento de bustos homenageando intelectuais e políticos sergipanos); uma segunda de 1934 a 1939, "seu mais auspicioso momento" relativa à construção e inauguração da sede própria; e o período "atual" que vai da década de 1940 até 1984. O trabalho também oferece pistas importantes para futuros estudos sobre o movimento intelectual do período da primeira República, e mesmo para a história do IHGS, principalmente se cruzados os capítulos relativos ao Arquivo, Biblioteca e Instituto Histórico. Há porém uma quase que imperdoável ausência no capítulo relativo ao IHGS: não há uma só referência acerca da Revista do Instituto, um dos seus mais relevantes produtos (que àquela época já circulava em seu número 29).
Dez anos depois, o IHGS foi tema de trabalho de monografia dos alunos do curso de Comunicação Social da Universidade Tiradentes. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: Centro de preservação da informação cultural procurou divulgar o esforço da Instituição na preservação da memória sergipana. A experiência da casa não é problematizada. Os autores contentam-se em apresentar e comentar a importância do acervo da biblioteca, pinacoteca, hemeroteca, arquivo e museu. A Revista tem ressaltados o objetivo, periodicidade e os lançamentos mais próximos (números 30 e 31). Trata-se, portanto, de um inventário geral do acervo para a sua posterior divulgação à comunidade.[26]
A monografia de Roseane Barreto[27] já é fruto da historiografia universitária, caracterizada pelo trabalho metódico orientado, desenvolvido a partir de 1996 (quando da adoção da disciplina "Prática de pesquisa" como requisito obrigatório à licenciatura em História). O trabalho é composto por três capítulos e tem por objetivo identificar as razões da criação do IHGS e caracterizá-lo como um "centro cultural" – na moderna acepção de Luís Milanese. No início a autora aborda a relação IHGB-identidade nacional. Está nesse tópico mais uma mostra dos frutos da Universidade, onde, além da orientação metodológica, há tentativas de interpretação da experiência do Instituto através do uso de conceitos como "memória" e "identidade". O segundo capítulo trata especificamente do IHGS. Há porém, na passagem do anterior para este capítulo, uma certa desconexão. Ao não estabelecer relações entre o IHGB e o IHGS, a autora deixa subentendido que esta Instituição era o espelho daquela, uma sugestão que não é reforçada por sua própria pesquisa. Esse mesmo capítulo fornece as informações triviais (dados sobre a fundação, influências recebidas pelos fundadores, dados biobibliográficos sobre Florentino Menezes, objetivos e quadro de sócios). Há também sub-tópicos relativos à construção da sede, "espaços culturais" (biblioteca, museu, pinacoteca, hemeroteca, arquivo) e a Revista.
É louvável a iniciativa, talvez a primeira, de estudar a Revista do IHGS. Embora não indique os critérios utilizados, Roseane chega a esboçar uma classificação dos temas abordados pelo periódico. Ainda assim, não há definição de "artigos" e nem do critério para selecioná-los, sendo, portanto, difícil saber como a autora chegou a exígua soma de 69 artigos para os 15 números publicados (1913-1939). E depois, o que significariam temas classificados como "História milenar" ou "Assuntos gerais". Há também um equívoco que merece reparo: a Revista caracterizou-se, inicialmente, por sua circulação "trimensal" e não bienal como afirma Roseane. Estes pequenos deslizes não comprometem a obra já que o seu objetivo está centrado na caracterização do IHGS como "Centro Cultural" e não para o exame da Revista. Contudo, algumas ressalvas de fundo, quanto a este objetivo central, devem ser feitas. Estas referem-se às "considerações finais" às quais chegou Roseane: "os intelectuais buscaram na pesquisa teórica os elementos que contribuíram para a construção da história de Sergipe", e o IHGS funcionou como "ponto de convergência da intelectualidade e da sociedade sergipana". Quem eram a sociedade e a intelectualidade sergipana e como chegou a tal constatação são questões que Roseane deixou em aberto no seu trabalho.
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Os textos que trataram do IHGS apresentam, direta ou tangencialmente, algumas características em comum, tanto em relação ao olhar do historiador, às opções teórico-metodológicas, quanto nas lacunas denunciadas, o que não será repetido nesse trabalho. Esta pesquisa não se contenta, portanto, com o silêncio do sociólogo Florentino Menezes acerca da agremiação da qual foi fundador; não é um comentário sobre o cultural (artes, ciências e letras) centrado em homens e idéias atomizados sem visualizar as instituições e práticas associativas; não faz uso de uma abordagem tipicamente "memorialista", enfatizando a função memorialista da instituição (ereção de bustos, palestras em honra aos intelectuais sergipanos e políticos); não se constitui somente em uma memória do IHGS construída a partir da justaposição de informações que se encerram em si mesmas (dados da fundação, local da sede, funções estatutárias); não estabelece analogias IHGB/IHGS sem levar em conta as diferenças entre os dois "lugares" de produção; e ainda, não deve e não reforça a tese do "Sergipe pequenino e esquecido".
A pesquisa está orientada no sentido de perceber o IHGS como instituição não descolada do seu lugar sócio-econômico e cultural, verificando seu papel de organizador de memória e produtor de historiografia, e empregar as mais recentes conquistas do ofício do historiador tanto no nível técnico quanto na afirmação da especificidade da história da historiografia. A contribuição desse trabalho para essa reflexão é justamente a tentativa de incorporação dos atributos mais lúcidos deixados pelos historiadores até aqui citados. Trata-se então de exercitar uma história da historiografia arrolando acervos, organizando fontes, examinando o lugar social e institucional do objeto em questão e estudando a apropriação e consumo das idéias. Trata-se, também de levantar problemas, temáticas, as funções da narrativa e do autor; de questionar o que é "história" (experiência e narrativa da experiência humana), como, e porque se produz historiografia.
A história da historiografia aqui posta em prática, a exemplo do exposto acima sobre as concepções de ciência histórica e de historiografia, é compreendida como operação[28] relacionada a tempo e lugar presentes. Em outras palavras, a história da historiografia é uma área específica do saber que se ocupa da autocompreensão do historiador sobre o seu produto (e conseqüentemente da disciplina), centrando o seu interesse nas questões epistemológicas e metodológicas e na relação dos produtores com o público anunciado em seus textos. Esse objeto, configurado em texto impresso em seus mais diferentes formatos, gêneros, níveis de elaboração, é selecionado a partir das autoclassificações – da intenção expressa pelos seus autores – e da legitimação[29] chancelada pela instituição em análise. Esta é, pois, uma abordagem “historiográfica” que procura afastar-se das práticas ainda vigentes importadas da história da literatura e da história da ciência. Uma abordagem que busca sedimentar a história da historiografia como um campo específico de estudos dentro de um saber mais amplo – a ciência histórica.[30]
Mas a história da historiografia, antes de ser uma autocompreensão sobre a ciência histórica, antes de representar um espaço privilegiado para se “repensar os domínios de Clio” e inventar "novas possibilidades de representar o passado e construir o presente", é também (e ambiguamente), além de escrita da história, um espaço de memória (da prática historiográfica em Sergipe) e de problematização desse mesmo fenômeno (efetivado nas ações do IHGS). Assim, o fenômeno da memória, resultante de “sistemas dinâmicos de organização e reconstituição" gestados em seus mais diversos locais – topográficos, monumentais, simbólicos e funcionais,[31] é aqui entendido inicialmente como “um conjunto de funções psíquicas graças as quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.”[32] Um instrumento de conquista, um instrumento de poder.
A pesquisa também está instrumentalizada, além do conceito de memória, e atrelado a esse, com a idéia de identidade – um recurso de auto-referência essencial aos homens, embora virtual. Um fenômeno que se manifesta em nível de linguagem sendo o plano do discurso o ambiente tanto de evocação quanto o local privilegiado para o seu estudo.[33] Memória e identidade são, portanto, cenceitos-chave para o exame da criação de um "nós", de um grupo praticante de historiografia e de um lugar geopolítico e simbólico chamado Sergipe.
Seguindo os dois eixos de discussão – o IHGS como lugar de memória e de historiografia – a pesquisa articula a cada questão proposta, um instrumento compatível de acordo com o tipo de fonte disponível: a) pesquisa bibliográfica – para o conhecimento da experiência dos intelectuais; b) pesquisa documental – para o exame da estrutura administrativa do Instituto, a caracterização dos sócios e o estudo das relações entre a agremiação e entidades públicas ou privadas; c) análise textual – do conteúdo da Revista, e das publicações auto consideradas como historiografia, centrada nos temas, conceitos-chave, marcos temporais, delimitação espacial, caracterização dos atores, formas argumentativas entre outros; d) estatística – através da montagem de bancos de dados que permitam uma imagem particular e ao mesmo tempo genérica das práticas cotidianas do IHGS (banco de dados sobre as atas do período), da representatividade da agremiação, dos laços com os outros setores da sociedade do movimento intelectual em geral (banco de dados sobre os fichamentos dos principais periódicos que circularam entre 1910 e 1930) e do perfil dos associados (tabelas de caráter prosopográfico). Os resultados desses levantamentos e perfis já podem ser visualizados no capítulo que se segue onde trato dos principais agentes constituintes do movimento intelectual sergipano entre 1910 e 1930.



Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. A experiência da história da historiografia. In: A "Casa de Sergipe": historiografia e identidade na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (1913/1929). Rio de Janeiro, 2000. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio de Janeiro.http://itamarfo.blogspot.com/2010/10/casa-de-sergipe-historiografia-e_21.html



Para continuar a leitura:

Capítulo I
A experiência da história da historiografia e os institutos históricos como objeto de estudo   
Capítulo II
Movimento intelectual nas décadas de 1910 e 1920  
Capítulo III
A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
Capitulo IV
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe 
Conclusão
Fontes
Referências bibliográficas



Notas

[1] Emprego as expressões história, historiografia e ciência histórica com os respectivos sentidos de: passado conhecido da humanidade; escrita da história, obra de história ou ainda aquilo que expõe e contém o resultado desse conhecimento; área de conhecimento constituída de método e ofício, destinada a conhecer o passado. O emprego da expressão “ciência histórica” tem caráter meramente instrumental. Está fora dos limites desse trabalho a discussão – pouco frutífera, por sinal – sobre a cientificidade da disciplina e o modelo de ciência em que ela pode ser enquadrada.
[2] Para conhecer a contribuição da Escola Metódica ver, sobretudo: Charbonell, Charles-Olivier. La naissance de la Revue historique: une revue de combat (1876-1885). Revue Historique, [Paris], n. 518, p. 337-338, 1976; Proust, Antoine. Seignobos revisité. In: Vintiéme siècle Revue d'Histoire, Paris, n. 43, jul.-set., p. 100-118, 1994; Keilor, William R. Academy and community: fondation of the french historical profession. Cambridge: Havard University Press, 1975; Rebérioux, Madeleine. Le débat de 1903: historiens et sociologues. In: Charbonnell, Charles-Olivier e Livet, Georges (org.). Au berceau des Annales: Le milieu strasbourgeois - L'histoire en France au début du XXe siècle. Toulouse: Presses de l'IEP,1983. p. 219-230; Charles, Christophe. L'historie entre science et politique: Seignobos. In: Paris fin de siècle: culture et politique. Paris: Seuil, 1998. p. 140-144; Noiriel, Gerárd. Sur la "crise" de l'histoire. Paris: Belin, 1996; Noiriel, Gérard. Naissance do métier d'historien. Dossier, [Paris], p. 58-85, 1990; Caire-Jabinet, Marie-Paule. Introduction à l'historiographie. Paris: Nathan, 1994; Nader, Pedro Eduardo Portilho de. Os fatos que contam: saberes e historiadores de uma história à outra. São Paulo, 1994. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - FFLCH, Universidade de São Paulo.
[3] A década de 1970 é aqui tomada como referência por marcar, com o lançamento da coleção Faire de l'histoire (1974), "uma preocupação em fazer da escrita da história e do papel do seu produtor (o historiador) objetos de um novo olhar historiográfico." Datam também desse período os diversos estudos de Charles Olivier Charbonell que refletiram profundamente sobre o tema e efetuaram um balanço de obras clássicas, sugerindo todo um programa para a história da historiografia. Histoire et historiens: une mutation idéologique des historiens français 1865-1888[3] representa uma tentativa de libertar a prática da disciplina dos pontos de vista dos filósofos, críticos literários e historiadores das ciências: uma proposta de constituição do “estudo científico da história da historiografia” sob perspectiva especificamente historiográfica. Cf. Guimarães, M. L. L. S., Repensando os domínios de Clio: as angústias e ansiedades de uma disciplina. Revista Catarinense de História. Florianópolis, n. 5. p. 05-20, 1998; Charbonell, Charles-Olivier. Histoire et historiens: une mutation idéologique des historiens français 1865-1885. Toulouse: Privat, 1976.
[4] Bezerra, Alcides. Os historiadores do Brasil no século XIX: Conferência realizada no dia 5 de agosto de 1926 no Centro de cultura Brasileira. In: Relatório do Diretor do Arquivo Nacional (1926). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1927. p. 61-76; Holanda, Sérgio Buarque de. O pensamento histórico no Brasil durante os últimos cinquenta anos. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 15 de junho, 1951. Sobre J. H. Rodrigues, é bastante citar a bibliografia específica de história da historiografia: Rodrigues, José Honório. Historiografia e bibliografia do domínio holandês no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional/Ministério da Educação e Saúde, 1949; Teoria da história do Brasil: introdução metodológica. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S. A., 1949; Conciliação e reforma no Brasil: um desafio histórico político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; História e historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1965; História e historiografia. Petrópolis: Vozes, 1970; História combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982; Vida e história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; História, corpo do tempo. São Paulo: Perspectiva, 1985 [primeira edição em 1976]; História da história do Brasil: Historiografia Colonial. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979; A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982; História da história do Brasil: a historiografia conservadora. São Paulo: Editora Nacional; Brasília: INL, 1988; História da história do Brasil: a metafísica do latifúndio - o ultra-reacionário Oliveira Viana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1988]. v. 2, t. 2.
[5] Do segundo bloco são referências obrigatórias as seguintes obras: Lapa, José Roberto do Amaral. A história em questão: historiografia brasileira contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1976; Lapa, José Roberto do Amaral. História e Historiografia Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; Campos, Pedro Moacyr. In.: Glénisson, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 250-293; Matos, Odilon Nogueira. Valor propedêutico da história da historiografia e sua colocação entre os temas de Introdução aos Estudos Históricos. In: 1º Encontro Brasileiro sobre Introdução ao Estudo da História. (1970: Niterói) Anais... Niterói: Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 1970. p. 103-115; Canabrava, Alice Piffer. Roteiro sucinto do desenvolvimento da historiografia brasileira. In: Encontro Internacional de Estudos Brasileiros... p. 4-9; Mauro, Fréderic. Comentários. In: Encontro Internacional de Estudos Brasileiros... p. 18-21; Iglésias, Francisco. Comentários. In: Encontro Internacional de Estudos Brasileiros... p. 21-34; Westphalen, Maria Cecília. Comentários. In: Encontro Internacional de Estudos Brasileiros... p. 36-39; Mota, Carlos Guilherme. Marcos na historiografia geral do Brasil. In: Ideologia da cultura brasileira (1933/1974): pontos de partida para uma revisão histórica. 6 ed. São Paulo: Ática, 1990. p. 22-47 [o livro tem origem na tese de livre-docência defendida em 1975]; Iglésias, Francisco. A história no Brasil. In: Feri, Mário G.; Motoyama, Shozo (orgs.).História das ciências no Brasil. São Paulo: EPU/EDUSP, 1979. p. 265-301; Fico, Carlos e Polito, Ronald. A história no Brasil (1980-1989): elementos para uma avaliação historiográfica. Ouro Preto: UFOP, 1992. v. 1. O volume 2, “série de dados” foi publicado em 1994;
[6] Souza, Vladimir Carvalho de. Santas almas de Itabaiana grande. Itabaiana: O Serrano, 1973. p. 11-23.
[7] Tais artigos são: “Notícia histórica e geográfica desta Província” (Correio Sergipense, 1847) de Antônio José da Silva Travassos e “Formação do território sergipano” (Estado de Sergipe, 1916) de Manoel dos Passos de Oliveira Telles.
[8] Fontes, José Silvério Leite. Um projeto de História de Sergipe. Momento: Revista Cultural da Gazeta de Sergipe, Aracaju, n. 2, p. 7-14, mar. 1976.
[9] Fontes, José Silvério Leite. Levantamento das fontes primárias da História de Sergipe. Cadernos da UFS, Aracaju, n. 1, p. 4-13, 1972.
[10] Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana. In: Aracaju e outros temas sergipanos: esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: Governo de Sergipe – FUNDESC, 1992.
[11] O Discurso (Aracaju, 14/04/1874) do Deputado provincial Silvio Romero (na época, Silvio Ramos) é talvez a primeira reivindicação por uma historiografia cientificista (ao modo das ciências naturais) em nosso país. Nele Romero esboça as críticas sobre os historiadores brasileiros (consolidadas em sua História da Literatura Brasileira - 1888) e estabelece diretrizes gerais sobre o concurso que selecionaria o mais científico trabalho sobre a história de Sergipe apresentado no prazo de seis anos. "(...) é mister que se viva completamente estranho a esta ordem de estudos para desconhecer que o socialismo, digamos-lhe o nome sem receio de ruido, o socialismo, em suas mais robustas manifestações, a de S. Simon e sobretudo a de Proudhon; a critica religiosa, em todos os seus ramos, estudando as mytologias ou as religiões propriamente ditas; a philologia, com seus últimos avanços; o positivismo, este ultimo mais que todos, vieram desenvolvendo e preparando uma nova intuição da historia, nos ultimos trinta annos, intuição que acaba de ter um formal apoio das sciencias naturaes pelas vistas de Darwin e seus discípulos (...) Queremos ter o direito de esperar, senhores, que esta assembleia votará pela proposta. Queremos ter o direito de suppor que a provincia em breve possuirá, não a historia inanida e sem convicções, pallida e sem entusiasmo, mas a historia em que sua vida preterita resurja limpida e vigorosa; a historia que ensina, porque é certa; que anima, porque é santa; aquella em cujas paginas sente-se o aroma são das eternas leis do pensamento e a visinhança respeitosa de um conviva severo: - a sciencia. Romero, Silvio. Discurso. Annaes da Assembléa Provincial de Sergipe do Ao de 1874. Aracaju, p. 93-96, 1875.
[12] Alves, Francisco José. “A marcha da civilização”: uma leitura da historiografia de Felisbelo Freire. Rio de Janeiro, 1998. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História Social/Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Oliveira, Noberto Rocha. Maria Thétis Nunes: uma contribuição à historiografia sergipana. São Cristóvão, 1997. Monografia (Licenciatura em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe; Freitas, Itamar. A escrita histórica de Sebrão Sobrinho; uma análise de Laudas da História de Aracaju. São Cristóvão, 1996. Monografia (Graduação em história) – Departamento de história, Universidade Federal de Sergipe; Freitas, Itamar; Andrade, Péricles de Morais Júnior; Santos, Elissandra Silva. Histórias dos municípios sergipanos: uma análise historiográfica. São Cristóvão, 1995-1997. Relatório de iniciação científica (Graduação em história) – Departamento de História/COPES-POSGRAP/CNPq – Universidade Federal de Sergipe
[13] O termo "representação" será utilizado em seu caráter epistemológico. "Representar pressupõe uma atividade ou faculdade da consciência cognitiva em relação ao mundo exterior: representar uma presença (sensorial, perceptiva) ou fazer presente alguma coisa ausente, isto é , re-apresentar como presente algo que não é dado diretamente aos sentidos." Falcon, Francisco J. Calazans. História e representação. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1998. p. 5, mimeo.
[14] Uma relação dos mais importantes estudos conhecidos sobre o IHGB está inserida no terceiro capítulo desse trabalho.
[15] Calazans, José. Aracaju... op. cit.
[16]Menezes, Florentino. Aspectos Sociaes. Revista da Academia Sergipana de Letras, Aracaju, n. 5, p. 34, fev. 1932. (p.31-35)
[17] ibid., p. 32.
[18] Leite, Gonçalo Rollemberg. Expressão cultural de Sergipe. Separata de: Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, Aracaju, n. 12, p.18, 1970.
[19] "...terra pequena e pobre, sem perspectivas de um risonho futuro para seus filhos, êstes parecem encontrar na poesia, uma libertação". ibid., p. 19.
[20] ibid., p. 23.
[21] Carneiro, Magalhães. Panorama intelectual de Sergipe: memória apresentada pelo Governo do Estado de Sergipe sob a administração do Exmo. Sr. Dr. Eronides Ferreira de Carvalho á Exposição-Feira do Brasil, em Buenos Aires. Aracaju: Imprensa Oficial, 1940.
[22] ibid. p. 1.
[23] Calazans, José. O desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século XX: Conferência realizada pelo Dr. José Calazans Brandão da Silva, convidado especial na sessão solene comemorativa do jubileu do Instituto Histórico a 6 de agôsto de 1962. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju, n. 26 B, v. 21, p. 48, 1965.
[24] Santos, Pedrinho. Instituições culturais de Sergipe. Aracaju. mimeo, 1984. v. 1.
[25] ibid., p. 2 e 5.
[26] Costa, Raimundo Nonato et al. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: centro de preservação da informação cultural. Aracaju, 1992.Trabalho Acadêmico (Graduação em Comunicação Social) -Faculdade de Comunicação Social, Universidade Tiradentes.
[27] Barreto, Roseane Guimarães Santos. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e a idéia de Centro Cultural. São Cristóvão, 1996. Monografia (Licenciatura em História) (Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe.
[28] Certeau, M. A operação historiográfica. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
[29] Falcon, Francisco J. C. A identidade do historiador. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 17, p. 7-30, 1996.
[30] Ver Lapa, J. R. A. História e historiografia pós-64... op. Cit., p. 49-51; e Charbonell, C-O. Histoire et historiens... op. Cit., p. 45-57.
[31] Le Goff. Jacques. História e Memória. 2 ed. Campinas: Unicamp, 1992. p. 424 e 473; Nora, Pierre. Entre a memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez. 1993. p. 7-28.
[32] Id., p. 423.
[33] Novais, Sylvia Caiyuby. Jogo de espelhos: imagens da representação de si através dos outros São Paulo: Edusp, [198-]. p. 23.

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