Caros colegas, bom dia.
Inicialmente, gostaria de agradecer aos técnicos da Secretaria de Educação Básica e da Secretaria de Educação a Distância, particularmente à coordenação do Pró-Letramento – Mobilização pela Qualidade da Educação pelo do convite para participar desse Seminário de Avaliação do Programa. Gostaria de dizer também que é imenso prazer estar ao lado da colega professora Lilian França, com quem partilho algumas responsabilidades na implantação de cursos superiores a distância dentro da Universidade Aberta do Brasil.
A fala de hoje, cujo tema é “formação continuada” tem caráter didático. Entenda-se o didático como capaz de descrever, apresentar conceitos e estimular à crítica. Aqui trabalharei ligeiramente com duas questões: como definir e como justificar a prática da formação continuada. A prática da formação continuada que vocês já conhecem bastante, já que o próprio Pro-Letramento é uma iniciativa nesse sentido.
A minha participação terá cumprido o seu objetivo se ao final da fala vocês engrossarem o grupo dos que combatem a difusão da idéia de formação continuada como “mais uma reciclagem disfarçada”. Esse é o pensamento de alguns colegas da academia e acredito que, infelizmente, alguns colegas de vocês também. Vamos, então, à primeira questão.
Como definir formação continuada?
Como definir formação continuada? Esse é um problema bastante simples: elegemos um sentido para a palavra “formação” e um outro para “continuada”. Alguns vão implicar com formação continuada e sugerir “educação continuada”, mas a minha estratégia para a definição permanece e as ambigüidades também: um sentido para “educação” e um outro para “continuada”.
Em geral, não divergimos quanto ao sentido de continuado: significa não dividido, não interrompido, prolongado e até repetido. As idéias de formação e de educação, entretanto, causam as maiores polêmicas: o que entendemos como educação, seria transmissão ou inculcação? E por formação, o que entendemos? Formação é criação ou moldagem? Viram como é simples definir? Agora cada um escolhe o seu sentido e continuamos a nossa fala.
Mas, o que dizer o sentido da locução “formação continuada de professor”, quais são os consensos sobre essa prática? O que parece óbvio para a grande maioria é que a formação continuada ocorre, obviamente, após uma outra formação, denominada de formação inicial. No Brasil, como pouco se admite professor sem titulação superior, a formação continuada seria aquele conjunto de práticas ligadas ao ofício de professor, vivenciadas imediatamente após o término do seu curso de licenciatura, que deve durar, no mínimo, [3.300 horas]. Essa prática formativa foi institucionalizada recentemente (digo, há poucas décadas). No Brasil, ela é, inclusive, prescrita por alguns importantes dispositivos legais.
Formação continuada na LDB e no PNE
Na LDB (1996), são utilizadas, tanto a locução “educação continuada”, quanto a “formação continuada”. Elas aparecem nas prescrições sobre a educação profissional e educação superior (artigos 40, 43, 61, e 80).
No primeiro caso, educação continuada é apresentada como estratégia de ensino (em oposição ao ensino regular). Já em termos de educação superior, “formação contínua” guarda o papel de objetivo: é objetivo da educação superior, “colaborar” na “formação contínua” dos diplomados nas diferentes áreas de conhecimento. É dever dos Institutos Superiores manterem “programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis”.
Nas “Disposições Gerais” da LDB, novamente a “educação continuada” é chamada à cena (junto à educação a distância). Desta vez ela aparece como “programa de ensino” que o Poder Público deverá incentivar o desenvolvimento e a veiculação.
No Plano Nacional de Educação, a “formação continuada” é mecanismo fundamental da valorização do magistério, juntamente com a formação inicial, as condições de trabalho, salário e carreira. É também mecanismo de “melhoria permanente da qualidade da educação”. O conhecimento científico avança e especializa-se cada vez mais.
O PNE estabelece, inclusive, os responsáveis e os tipos em que será ministrada essa educação continuada.
Essa formação terá como finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de seu aperfeiçoamento técnico, ético e político. A formação continuada dos profissionais da educação pública deverá ser garantida pelas secretarias estaduais e municipais de educação, cuja atuação incluirá a coordenação, o financiamento e a manutenção dos programas como ação permanente e a busca de parceria com universidades e instituições de ensino superior. (BRASIL, 2001).
Em síntese, para os documentos que balizam as políticas públicas educacionais no Brasil, formação continuada é um direito do professor e um dever das instituições, ou seja, um dever, sobretudo, do Estado. Mas, para além da letra fria da lei, qual a relevância da formação continuada de professores? Como a prática vem sendo justificada ultimamente?
Para que formação continuada?
Da diversidade e quantidade de estudos que tratam do tema eu destaco três posições sobre a relevância da formação continuada: a primeira foca o mundo do trabalho e está preocupada com a manutenção do emprego. Observem essa propaganda de um site médico que serve também como argumento para o ofício do professor:
Educação continuada é uma das estratégias mais importantes para profissionais manterem sua empregabilidade e empresas potencializarem sua competitividade. (...) são esses esforços contínuos [de acompanhar as mudanças de cenário no mundo do trabalho] que chamamos de educação continuada (EDUMED, 2007).
A segunda posição, também focada no mundo do trabalho – mas, bem próxima à vivência do serviço público –, está preocupada com a melhoria do desempenho profissional. Aqui, as palavras-chave são aperfeiçoar e qualificar, seja em termos de níveis de conhecimento, seja em termos de atitudes e competências. Um bom exemplo seria (aliás, um ótimo exemplo) um curso de gestão para diretores de escola recém-eleitos pelos membros do conselho local.
A terceira posição está preocupada com a sobrevivência da espécie – com a formação de uma sociedade mais inclusiva e solidária. Para este grupo, a construção de uma nova forma de sociabilidade depende da mudança radical na educação escolar tradicional: é preciso aprender a aprender e aprender a aprender significa aprender continuamente até o fim das nossas vidas. (cf. FAHEL, 2007).
As três justificativas citadas encontram-se na mesma datação: o surgimento da informática, da robótica, globalização, enfim, o tempo em que as distâncias entre as pessoas do mundo praticamente deixaram de existir (segunda metade do século XX?).
Está tudo muito bem justificado. Mas, da minha parte, tendo a acreditar que a formação continuada ou contínua ou, ainda, permanente, no caso do trabalhador (do trabalhador professor) é uma prática bastante antiga (digo, de séculos).
Se eu quisesse apenas desbancar o discurso do Relatório de Jacques Delors – o famoso Relatório da Unesco (1993/1996) que trata da “educação ao longo de toda vida”, (cf. SHIROMA et al, p. 65-70), que já completou 10 anos –, bastaria citar os filhos do pragmatismo de John Dewey.
Quem concluiu a licenciatura nas décadas de 1970 e 1980 deve se lembrar do livrinho chamado Educação para uma civilização em mudança, de William Kilpatrick, publicado no início dos anos 1930. Lá ele apontava as modificações que os avanços nos meios de comunicação e nos modos de produzir ciência acarretavam uma desorganização na vida das pessoas (cf. KILPATRICK, 1965, p. 15-16).
Se hoje falamos em formação continuada por causa da informática, robótica, globalização (do aprender a conhecer, onde se situa o aprender a aprender), se hoje falamos em aprender por toda a vida com o objetivo de construir um mundo mais solidário, naquele tempo, os pragmatistas norte-americanos justificavam o aprender permanente como adaptação às novas tendências da vida moderna: a vitória do método experimental, a industrialização e a democracia.
Considerações finais
Em síntese, e aqui já vou fazendo minhas considerações finais, formação continuada para professores ela existe desde que foi inventada a escola moderna, ou seja, desde que o aumento do conhecimento e da especialização passaram a exigir uma aprendizagem planejada e sistemática.
Assim, a formação continuada é uma necessidade do professor, desde que a escola passou a assumir, quase que solitariamente, as tarefas de transmissão da cultura; desde que ela passou a auxiliar no desenvolvimento e aquisição das capacidades necessárias à permanência das crianças, adolescentes e jovens em seu meio social, e isso pode retroagir ao início do século XIX. (cf. COLL e MARTÍN, 2004, p. 13).
A formação continuada, por fim, é um direito do aluno da escola pública que necessita de um professor “capaz de planejar, desenvolver e avaliar, de forma articulada, orgânica e permanente, seu próprio trabalho” (FUSARI, 1998, p. 533 apud. RIBEIRO, 2007, p. 9). É um direito do aluno que paga indiretamente, ao longo de décadas até, via trabalho dos pais, ao Estado brasileiro e que mantém, não obstante as mazelas salariais, a tão sonhada estabilidade no emprego de que goza o professor da escola pública.
Muito obrigado.
Referências
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação.
COLL, César e MARTÍN, Elena. A educação escolar e o desenvolvimento de capacidades. In: Aprender conteúdos e desenvolver capacidades. Porto Alebre: Artmed, 2004. p. 13-51.
DIAS, Denise Oliveira e NARVAZ, Miriam Benedetti. Atualização Docente: compromisso, dever ou necessidade. IV Ibero-Americano de Coletivos Escolares e Redes de Professores que Fazem Investigação na sua Escola...www...
FAEL, Margarida Cordeiro. A formação continuada dos profissionais da educação. www......
KILPATRICK, William Heard. Educação para uma civilização em mudança. 4 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1965. [Primeira edição em português, 1934].
NASCIMENTO, Maria das Graças. A formação continuada dos professores: modelos, dimensões e problemática. In: Magistério: construção cotidiana. 4 ed. Petrópolis, 2001. p. 69-109.
PERRENOUD, Philippe. Administrar sua própria formação contínua. In: 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. P. 155-169.
RIBEIRO, Klinger Ericeira. Formação continuada de professores: o contexto da escola pública.
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Texto síntese da palestra proferida aos professores de Matemática e Alfabetização no Seminário de Avaliação do PROLEITURA. Aracaju, 16 de agosto de 2007.