quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Pensar historicamente em Johan Friedrich Herbart?


Johan Friedrich Herbart (1777-1841)[1], filósofo alemão, dirigiu por quarenta anos o Ginásio de Oldenburg, sua terra natal, e foi professor das universidades de Göttingen (1802-1809/1833-1841), sucedendo ao pedagogo Karl Kosenkranz, e de Könisberg (1809-1833), a convite de Wilhelm von Humbold, para substituir Wilhelm Traugott Krug na cadeira de Immanuel Kant. Herbart também atuou como preceptor (1777-1779) dos filhos de Herr von Steiger, então governador de Interlaken, na Suíça.
Dessa experiência de administrador, de preceptor e de conferencista sobre pedagogia nas universidades, produziu trabalhos sobre metatísica, estética, matemática, psicologia e pedagogia, entre outras áreas, dos quais são aqui analisados apenas os que tratam de formação de pessoas em idade escolar: Representação estética do mundo como principal fim da educação [REMFPE] (1804), Pedagogia geral deduzida dos fins da educação [PGDFE] (1806), Manual de psicologia [MP] (1816; 1834)[3], Esboço de Lições de Pedagogia [ELP] (1835; 1841)[4] – uma versão sintética e bem mais clara da sua Pedagogia Geral – e as Cartas [C] (1797-1800). Essas missivas foram endereçadas à Lucie-Marguerite Schnette, sua mãe, e ao seu contratante Steiger, noticiando os avanços na educação dos discípulos (filhos de Steiger) Louis, Charles e Rodolphe.[5] 

Herbart e Locke: encontros e dessemelhanças
Vamos iniciar a aula de hoje estabelecendo algumas diferenças e similitudes entre as assertivas de Herbart e de John Locke no que diz respeito aos sentidos de educação. Em primeiro lugar, Herbart não pensa a instrução subordinada à educação[6]: toda a educação é instrutiva e é educativa toda a instrução. Vimos que, para Locke, a instrução estava submetida à educação, ambas, sobretudo, morais.
Este é o mesmo pensamento de Herbart – a educação forma o homem de virtude[7] (Tugent)[8]. Sua pedagogia funda-se em elementos referentes à “filosofia prática” (praktische Philosophie), antes mesmo dos fundamentos psicológicos (psychologischen).
Para o alemão, portanto, educar/instruir é formar pessoas dotadas de “liberdade interior” (inner Freiheit), capazes de perceber o que é o bem e o que é o mal e de agirem conforme o bem. Em algumas passagens, a “virtude” é reduzida à “boa vontade” ou “benevolência” (Wohlwollens).[9] Observem a oportunidade da expressão “boa vontade”. Ela agrega os sentimentos de bem e de vontade e ambos devem ser respectivamente, apresentado e controlado pelo professor. É importante registrar que não há nada de transcendental nessa liberdade anterior. Ela deve ser construída. Nas palavras de Herbart, é a “plasticidade do aluno (Bildsamkeit) o postulado fundamental da pedagogia”.[10]
No que diz respeito às divisões da educação, são análogas as teses de Herbart e de Locke. O inglês as concebe como física, intelectual e moral, enquanto o alemão as nomeia por “governo”, “instrução” e “moral”.
Vista parcial da cidade de Oldemburg 
Especificamente em relação aos modos de conduzir a instrução e ao público-alvo, entretanto, os dois filósofos se distanciam. É certo que a moralidade é o fim principal em ambos. Contudo, em Locke, a tarefa da “instrução” é formar o cavalheiro, enquanto a ideia de “dirigir interesses múltiplos”, professada por Herbart, amplia a noção de educando, ou seja, o aluno germânico passa a ser um sujeito, potencialmente, pertencente a qualquer segmento social.
Isso fica mais claro quando Herbart refina as funções da instrução. Avançando da finalidade mais ampla (promover a “boa vontade”), a atividade do professor é definida, principalmente, como o ato objetivo/imediato/prático de “provocar interesses múltiplos” nos alunos[11], de provocar[12] as “energias intelectuais” [13] na direção de variadas ocupações sociais, já que não se sabe aonde o futuro discípulo atuará.[14] Além disso, o estímulo de “múltiplos interesses” ou da “cultura múltipla”[15] combate o egoísmo e amplia (dizemos hoje) a alteridade, tornando-o, verdadeiramente, humano. Assim, cabe à instrução, ao professor e, consequentemente, às escolas primárias e ginasiais a apresentação de diferentes (mas reunidos e combinados) conhecimentos e sentimentos que provoquem variados interesses afim de formarem o homem, dizemos hoje, em sua integralidade. Como, então, provocar os “interesses múltiplos” e, mais importante, quais seriam esses interesses?
Os principais interesses e os modos de apresentá-los aos alunos
A ideia de interesse está, obviamente, relacionada à noção de natureza humana professada por Herbart. Aqui ele se distancia tanto de Rousseau – o homem ideal é natureza – quanto de Locke – o homem ideal é cultura. Para o alemão, o homem ideal constitui-se sob ambas as dimensões, ou seja, a natureza dispõe os materiais e o homem os recolhe. Em outros termos, o homem é a síntese do conhecimento das coisas e da simpatia por seus semelhantes.[16] Sendo, então, a “boa vontade” o fim da instrução, cabe ao professor promover seus alunos em duas direções intercomplementares: a do “interesse empírico” (empirische Interesse) e do “interesse simpático” (sympathetische Interesse). Agindo dessa maneira, ele proporcionará aos alunos a aquisição de um “circulo de experiências” (seher Erleichterung) – elemento que, de fato, preenche a mente (der Substanz des Geistes).[17]
Esse duo se enriquece semanticamente quando ele dispõe os dois tipos de interesse em tríades e requisita a apresentação de ideias de dois grandes grupos de ciências, como podemos acompanhar no Quadro 1.

Por que Herbart defende o desenvolvimento desse número de interesses? Como pode um homem adquirir essas múltiplas características?
Penso que fica mais fácil imaginarmos (com necessário anacronismo) que ele atuou ideal-tipicamente. O filósofo afirma que não é necessário desenvolvê-los por igual em todos os alunos. Mas, com certeza, todos os tipos de interesse devem estar presentes (e estão, segundo as suas observações no Ginásio), em certo número de alunos.[18] Essa distribuição garante, então, a presença de todos os elementos necessários à formação de todas das pessoas (ou à humanização dos seres).
Contudo, seus leitores, sobretudo estadunidenses, na passagem do século XIX para o século XX, criticam a exagerada simetria dessa classificação. Meditação progressiva ou contemplação não são práticas inerentes às ciências históricas ou às ciências naturais. Trata-se mais de classificação “por conveniência” que por exatidão “científica”.[19]
Abandonando essa digressão, importa reter que Herbart, como explicitado no Quadro 1, não somente apresenta os interesses a serem promovidos na escola, mas também as estratégias gerais para desenvolvê-los, bem como as ciências aonde se deve buscar os materiais – as ideias –, digamos, interessantes: a “meditação” e a “contemplação” e as ciências históricas e naturais. Essa distribuição das áreas do saber, como podemos concluir, constitui as bases do currículo herbartiano.
No século da educação estatal fundada nas humanidades (século XIX), portanto, já assistimos à defesa da conciliação entre os estudos “clássicos” – que remetem ao ideal educacional grego – e os novos saberes científicos – as ciências da natureza. Na última década do século XIX e primeira do século XX, esse equilíbrio se romperá, em vários países, em benefício de um ou de outro tipo. Na França e no Brasil, por exemplo, respectivamente, com Émile Durkheim e Benjamin Constant, faz-se opção, na escola secundária, pela ampliação da carga horária (e até a instituição) das ciências físico-naturais no ensino secundário.
Em Herbart, ambos os troncos do saber contribuem para a formação de pessoas. Tal currículo é válido para o primário e o ginásio. Ambos os níveis de ensino devem conduzir, então, ao desenvolvimento de “interesses múltiplos”, com certa condescendência em relação à primazia de determinados interesses, no ginásio, já que se trata de fase preparatória ao exercício das futuras carreiras na Alemanha.[20]
O mecanismo da mente
Essa ênfase na formação de interesses múltiplos, não obstante ter origem na sua “representação estética do mundo”[21], está apoiada em uma singular concepção de mente. Herbart não abona as ideias de “tábula rasa”. Também não legitima a existência de “talentos naturais inatos” ou de uma mente que produz a si mesma.[22] A mente herbartiana é constituída a partir de leis, representadas por equações, a exemplo da seguinte: ideias semelhantes com igualdade de forças geram desarmonia. Ideias com forças desiguais geram estabilidade, ou seja, relação harmoniosa.[23]
Para o que nos interessa, nessa aula, é suficiente compreender que mente, para Herbart, funciona como um conjunto de ideias em disputa, isto é, ideias que atuam na condição de “forças” (kräfte), umas contra as outras, em busca de espaço na consciência.[24] Nesses confrontos, algumas desaparecem outras são modificadas. Quando percebidas em séries, e apreendidas numa determinada ordem, dão origem, por exemplo, ao que se chama de memória.
O mesmo entendimento explica os estados mentais (ou faculdades, no tradicional glossário do seu tempo) de sentimento e de desejo. Estes não são mais que ideias em movimento.[25] O testemunho ele extrai da própria experiência cotidiana: “um homem sente pouco as alegrias e tristezas da sua juventude; mas o que o menino aprende corretamente o adulto ainda retém”.[26] Em outras palavras, para Herbart, está provado que algumas ideias desaparecem e outras permanecem ao longo da vida de uma pessoa.[27]
Os passos do método
Vimos as peculiaridades do mecanismo mental herbartiano. Vimos também, um pouco antes, a simetria entre os interesses e os troncos científicos. Agora é tempo de detalhar essa relação e as estratégias que o filósofo indica para o trabalho docente. O Quadro 2 apresenta de forma pormenorizada a relação entre interesses e ciências ou saberes a serem ensinados. Todos devem ser apresentados/exercitados. Mas não se pode evitar, sobretudo no ginásio, que um aluno desenvolva ou tenha maior predileção por determinado interesse. Quando isso ocorre, o professor deve agir no sentido de fazer o aluno entender a necessidade dos demais interesses. Por outro lado, quando se percebe deliberadamente que um interesse se desenvolve espontaneamente mais que os outros, tem-se um flagrante caso de aluno potencialmente especialista. A ênfase no interesse empírico ligado às singularidades fisiológicas dos animais irracionais pode gerar, por exemplo, o zoólogo. O mesmo se repete na situação onde ganha relevo o interesse pelos fatos históricos. Aí, surge o historiador.

Herbart, já vimos, faz referências a “métodos”, no sentido de procedimentos, como a meditação e a contemplação no trato do aluno com os objetos de conhecimento, as ideias ou os materiais provindos das matemáticas ou da história, por exemplo. Contudo, despende muito mais espaço, em sua Pedagogia geral, para a formatação de uma metodologia holística. Trata-se aqui dos muito aplicados, embora pouco reconhecidos, “quatro passos formais” que espelham as operações da mente.
Além disso, tal método é fruto de críticas aos professores de seu tempo: uns centrados na exposição minuciosa de partes das coisas (análise), outros liberando os alunos a falarem, outros se aferrando às ideias centrais do texto ou da área, cobrando-lhes a repetição ordenada e rigorosa (síntese), outros, por fim, estimulando os alunos a pensarem por si próprios (meditação).[28] Herbart alerta que um método não exclui o outro. E é o que realmente faz quando agrupa alguns desses diferentes modos de lecionar em “quatro passos formais”, vinculados às operações clássicas do conhecer (clareza, associação, sistema e método).
Pelo Quadro 3, podemos perceber, então, que o ato de conhecer se constitui numa sequência das antigas macro-ações mentais, a análise e síntese, algo nada original em relação aos epistemólogos que o precederam. Contudo, seu método amplia tais operações e as detalha a partir dos procedimentos que ele julga serem obedecidos pela mente.  Assim, o ato de ensinar a conhecer – ou de promover interesses múltiplos, apresentando ideias provindas de múltiplas áreas do conhecimento – dá origem a uma nova didática que deve ser aplicada a todas as disciplinas. Como tal esquema pode ser aplicado à história? Qual o lugar da história na promoção dos interesses múltiplos do homem herbartiano?
O ensino da historia[29]
Sobre os modos de ensinar, suas bases estão estabelecidas no Quadro n. 3. Contudo, nas lições produzidas em 1834, Herbart oferece farto material de orientação para o professor e o formador do professor de história. Eles contemplam os modos de expor e a observação do mecanismo da mente.
Sobre a exposição, defende a narração em ordem cronológica como principal estratégia. Os procedimentos devem envolver a formação de séries de nomes e ou acontecimentos e a apresentação dessas séries horizontal e verticalmente em sentido verso-reverso, ou seja, o professor deve ser capaz de expor diacronicamente (do atual ao remoto e do remoto ao atual) e sincronicamente (de outros países, França, Inglaterra, Espanha – para a própria terra – a Alemanha, e vice versa).[30]
O domínio do professor deve se estender também aos pontos de parada, aos inícios e aos fins da lição de história. Em outras palavras, deve manter-se no fio da narrativa, embora conhecendo os momentos destacados lógica (da narrativa) e psicologicamente (potencialidades cognitivas discentes). Isso possibilita, efetivamente, a concentração e a reflexão por parte do aluno. Deve estimular o interesse (no sentido que usamos hoje) do aluno pela lição, saindo e voltando ao fio da narrativa sempre que necessário. Isso se faz intercalando descrições, quadros, apresentando mapas, retratos, reproduções de monumentos e de ruínas, entre outros instrumentos retóricos e materiais. Esses recursos, inclusive, facilitam a retenção das séries de ideias na memória, já que mobilizam diretamente a sensibilidade do aluno.
O falar empolado do professor não ajuda, mas a complacência com o vocabulário pobre é uma lástima para a aprendizagem,
nos tempos de Herbart e em 2014.
Herbart, por fim, também oferece lições de progressão. A linguagem, por exemplo, deve ser simples e clara para o primário e um pouco mais próxima das abstrações dos historiadores para o ginásio. A mobilização dos estados mentais são outro exemplo. Em algumas passagens deixa clara a necessidade de obedecer a sequência progressiva da “atenção”, “memorização” e “reflexão”, dos eventos da antiguidade para o primário aos eventos contemporâneos (história moderna) para o ginásio, como também da apresentação de ideias gerais, seguidas por ideias particulares, como no exemplo abaixo. 
No primeiro [grau do ensino de geografia], pode-se ensinar às noções mais gerais. Dir-se-á, por exemplo, simplesmente, que a Alemanha, em uma época não muito distante, era muito mais dividida que agora, que houve tempos onde as vilas e os senhores vizinhos às vezes guerreavam e que os cavalheiros habitavam sobre lugares altos, dificilmente acessíveis. Dir-se-á também que, para melhor estabelecer a ordem e a vigilância, a Alemanha foi dividida em dez círculos, etc.
O segundo grau do ensino de geografia compreenderá mais fatos, ainda que poucos deles se refiram à história antiga. Há poucos fatos modernos que podem facilmente ser reunidos à geografia, salvo os casos onde ainda resistem os monumentos, tais como as ruínas na Itália, a língua mista da Inglaterra, a conformação política particular da Suíça com seu solo tão dividido, fácil de observar sob o mapa, e a diversidade de suas línguas.
Se se quiser, em outras lições, expor curtas biografias como primeira preparação à história da idade média e à história moderna – como tenho muitas vezes recomendado (ainda que não se possa dar mais que fragmentos) –, conseguir-se-á sucesso, ao menos mais rapidamente, se o ensino de geografia for complementado por noções históricas das quais temos falado. Contudo, é necessário ter um quadro cronológico fixado na parede, com o qual poderá mostrar tal ou tal parte a cada vez que a ocasião exigir, a fim de permitir ao aluno reter, pelo menos, alguns pontos fixos do passado.[31]

Historicidade e tempo
Tudo deve ser ensinado sob cronologia progressiva, vimos. Também fizemos questão de encerrar o último tópico com uma citação sobre o ensino de geografia que – pensada sob os critérios atuais, seria uma geografia histórica ou uma história de longa duração. Mas esse anacronismo não é necessário porque, para Herbart a história (geral ou universal) era a “preceptora da humanidade”[32]. E se era finalidade da educação humanizar os alunos, todo material apresentado, conhecimentos ou sentimentos, deveria respeitar a ordem natural das coisas (do remoto ao recente) e até (como na citação direta imediatamente anterior) a sua historicidade. Assim, ganha a história o centro do currículo e é por isso que a referida citação está inclusa (curiosamente, à primeira vista) nos parágrafos referentes ao ensino de história.
Sobre o tempo, é necessário entendê-lo como fundado na percepção herbartiana de memória (ao contrário da forma a priori de Kant, com o qual diverge radicalmente). Descrevamos: as ideias são percebidas/intuídas/vistas mediante os sentidos e em forma de séries. É, por exemplo, focando determinado objeto e deslocando a retina em rapidíssimos intervalos que a noção de espaço é formada. O espaço nasce, portanto, de uma sequência de micro-observações realizadas em uma única direção.
Com o tempo ocorre o mesmo.[33] Contudo, entra em cena outro movimento da mente: a reprodução ou memória, que também realiza-se por uma sequência de ideias. Tempo, então, para Herbart, é uma ideia formada a partir da simultaneidade da percepção e da recordação de uma mesma série de ideias. Em outras palavras, temos tempo quando os olhos percebem determinada série de vocábulos, dos quais, pelo menos um (também pertencente a uma série já estabelecida na consciência), chama de volta uma antiga série, ou seja, quando essas séries são reproduzidas (rememoradas) simultaneamente. Tempo, portanto, é a coincidência entre percepção de séries ideias e a rememoração de série de ideias análogas.
Esse raciocínio e o mecanismo da mente (apresentado em tópico anterior) explicam a razão de as crianças serem incapazes de reter longas extensões de tempo. As crianças são susceptíveis à renovação de série de ideias, predominantemente, provindas dos sentidos. Séries de ideias entram e saem com frequência da consciência. É somente com o passar dos anos – com o amadurecimento da pessoa (quando várias séries de ideias já estão, há muito, depositadas na consciência) – que ela pode (mediante as simultâneas percepção e recordação) ampliar a sua capacidade de compreender longas séries de tempo ou períodos.[34]
Representação de trecho da Odisséia, de Homero. Uma das leituras formativas indicadas por Herbart.
A história interessante
Sendo a história (geral, é sempre bom repetir) a preceptora da humanidade e a educação a aplicação dos seus pressupostos sobre a filosofia da prática, a história que promove interesses está, sobretudo, nos antigos. Evidentemente, ele reconhece o valor das histórias medieval e moderna e até lhes formata um programa. Contudo, ao longo das obras aqui referidas, as narrativas que mais contribuem para a formação moral são as produzidas pelos gregos.
Nas Cartas, principalmente, ele relaciona as obras de Xenofonte[35] (que tratam de experiências de heroísmo e liderança) e de Plutarco e cita autores como Tito Lívio Cícero e Tácito.[36] Contudo, são a poesia de Homero, inicialmente (que delineia as características do homem para os pequenos)[37] e as histórias de Heródoto (que fortalecem a percepção intuitiva e o sentimento[38] dos mais adiantados) as suas principais sugestões de leitura. Em geral, esses autores, mediante seus textos, estimulam a compreensão, o sentimento e a imaginação,[39] e a reflexão sobre decisões políticas, além de fornecerem os ideais formadores como a coragem e a obediência.[40]
No Esboço, quanto discrimina as duas tríades de interesses, a história também desponta. Ela contribui para a promoção do interesse pelos homens da elite, pela religião, o conhecimento e o interesse pelos bens e males sociais e (em menor intensidade que a matemática) auxilia o interesse especulativo.[41]
Conclusão: pensar historicamente em Herbart
O que seria, então, pensar historicamente em Herbart?
Considerados os fins da educação como as bases éticas e psicológicas da instrução, a prevalência da promoção de interesses que viabilizam a formação de pessoas, mediados esses interesses pela apresentação e ampliação de um círculo de ideias provindas tanto das ciências históricas quanto das ciências naturais, o pensar historicamente herbartiano nada deve de específico ao ofício do historiador do seu tempo, seja a ação do antiquariado, a seleção anedótica dos traços humanos, seja a ordenação lógica e esteticamente sofisticada dos acontecimentos promovida pelo gênero narrativo romântico.
Com muita imaginação, podemos, no máximo, afirmar que o pensar historicamente de Herbart seria debitário, sobretudo, do seu raciocínio matemático aplicado à psicologia e, concomitantemente, da sua ideia estética acerca do mundo. Isso significa que, anacronicamente, é claro (e necessário), pensar historicamente, nos textos aqui analisados do filósofo alemão, era perceber series de ideias (mediante a percepção de ideias provindas dos textos escritos, restos de artefatos do passado ou da observação do mundo social) e rememorar ideias simultaneamente. Mas perceber e rememorar ideias que contribuíssem para a formação do homem virtuoso, ou seja, que possibilitassem a retenção e uso posterior de conhecimentos e sentimentos dominadores da vontade ou, numa acepção do nosso tempo, orientadores da vida prática, fosse como simples trabalhador do campo ou da cidade, líder religioso, estadista ou filósofo.
Contudo, se voltarmos nossas atenções para o valor da historicidade e a centralidade da cronologia da história universal na organização de todos os saberes reunidos pelo currículo herbartiano, poderemos imaginar que o pensar historicamente não necessitaria, evidentemente, das atividades historiadoras, já que Herbart trabalhava com uma ideia de progressão inconteste. As etapas do desenvolvimento humano já estavam, portanto, dadas e uma obrigatória correlação era estabelecida entre a formação do indivíduo e a trajetória da humanidade. E se o currículo (todos os saberes) deveria seguir tal orientação, alfabetizar historicamente era simplesmente ensinar. Em outras palavras, se qualquer conhecimento ou sentimento deveria ser apresentado segundo as etapas do desenvolvimento da humanidade, todas as matérias viabilizariam essa outra espécie de “pensar historicamente”: a da filosofia da história.

Fim da aula!
Agora, sugiro que curtam as ideias de "interesse", "orientação" e "vontade" com a voz e o maravilhoso violão de Gilberto Gil.

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Aula n. 2
Programa


Referências
HERBART, Johan Friedrich. Pädagogisch Schriftei in Chronologischer Reihenfolge Herausgegeben. 2 ed. Leipzig: Verlag von Leopold Voss, 1880. (Anotada por Otto Willmann, professor de filosofia e pedagogia em Praga).
HERBART, Johan Friedrich. The aesthetic revelation of the word as the chief work of education. 2 ed. London: Swan Sonnenschein, 1897. (Traduzido por Henry M. e Emmie Felkin) [REMPFE – 1804].
HERBART, Johann Friedrich. A text-book in psychology – an attempt to found the Science of psychology on experience, metaphysics, and mathematics. New York: Appleton and Company, 1894. (Traduzido por Margaret K. Smith, professora da State Normal School de Oswego, Nova York). [MP – 1816; 1834]
HERBART, Johann Friedrich. Herbart: principales euvres pédagogiques (Pedagogie génerale – Esquisse de leçons pédagogiques – Aphorismes et extrait divers). Paris: Félix Alcan; Lille: Tallandier, 1894, p. v-xiv. (Traduzido por A. Pinloche, professor da Faculdade de Letras de Lille) [PGDFE – 1806].
HERBART, Johann Friedrich. Outlines of educational doctrine. London: Macmillan, 1901. (Traduzido por Alexis F. Lange, professor do College de Letras da Universidade da Califórnia) [ELP – 1835; 1941].
MAUXION, Marcel. L’éducation par l’instruction e les théories pédagogiques de Herbart. Paris: Felix Alcan, 1901.
ORTEGA y GASSET. Prólogo. In: HERBART. Pedagogia general derivada del fin de la educación. Madrid: La Lectura, s.d. p. 7-58.
PINLOCHE, A. Préface. In: HERBART, Johann Friedrich. Herbart: principales euvres pédagogiques (Pedagogie génerale – Esquisse de leçons pédagogiques – Aphorismes et extrait divers). Paris: Félix Alcan; Lille: Tallandier, 1894, p. v-xiv.
WILLIAMS, M. A. Johann Friedrich Herbart. In:  Johann Friedrich Herbart: A study in pedagogics. London: Blackie and Son, 1911, p. 7-18.
Notas


[1] Filho de Thomas-Gérard Herbart e Lucie-Marguerite Schnette.
[2] Informações extraídas de PINOCHE (1994).
[3] Respectivamente, datas da primeira e da segunda edição.
[4] Respectivamente, datas da primeira e da segunda edição.
[5] Essas informações e outros detalhes sobre a vida de Herbart podem ser buscadas nos trabalhos de MAUXION (1901), PINLOCHE (1894) e WILLIAMS (1911).
[6] Para Herbart, a pedagogia é, ao mesmo tempo, “ciência” (“dedução de doutrinas extraídas de seus princípios” – especulação ou meditação filosófica) e “arte” (“ação contínua, conforme os resultados da ciência” – prática) (PGDFE, I, Cap. I, § 1-2). A filosofia lhe dá os fins – “a educabilidade da criança” ou a educabilidade da vontade com vistas à moralidade (PGDFE, I, Cap. II, § 1-2), entendida como a posse das ideias de “liberdade interior”, “perfeição”, “bondade”, “direito” e “equidade” (PGDFE, I, Cap. III, § 11) e a prática, orientada filosoficamente, lhe fornece o “tato pedagógico”, ou seja, o discernimento sobre a decisão de abandonar um aluno lento ou imprimir maior rapidez (PGDFE, I, Cap. I, § 9). As referências à Pedagogia Geral [PGDFE] são extraídas da versão francesa, traduzida por A. Pinloche. (HERBART, 1894).
[7] REMPFE, § 3; ELP, § 8; 10-13.
[8] O vocabulário correspondente em língua alemã foi extraído da segunda edição das obras de Herbart, anotadas por Otto Wilmann, que é referência para traduções em inglês aqui empregadas (HERBART, 1880).
[9] Herbart precisa a vontade: não é desejo ou capricho. É a vontade de tomar uma resolução – o querer (PGDFE, I, Cap. IV, § 30-1).
[10] ELP, § 1.
[11] PGDFE, III, Cap. 3, § 1.
[12] Aqui aparece mais uma diferença entre os dois. Em Herbart, o mestre tem papel preponderante, o que limita a possibilidade de o aluno instruir-se por si próprio, como deixa entrever Locke em algumas passagens.
[13] PGDFE, III, Cap. III, § 3.    
[14] PGDFE, II, Cap. IV, § 13.
[15] PGDFE, III, Cap. III, § 29.
[16] PGDFE, III, Cap. I, § 1-3.
[17] MP, § 1.
[18] PGDFE, III, Cap. III, § 26.
[19] Quem faz esse alerta é o anotador da tradução do Esboço de lições de pedagogia, Charles de Garmo, professor da Cornell University. ELP, p. 76-78.
[20] PGDFE, III, Cap. III, § 29.
[21] REMPFE, § 3.
[22] MP, § 151-2.
[23] MP, § 33.
[24] MP, § 10.
[25] MP, § 29; 33.
[26] MP, § 33.
[27] Para bons exemplos sobre os sentimentos como conflitos de ideias na obra de Herbart, ver, sobretudo, ORTEGA y GASSET (s.d).
[28] PGDFE, III, Cap. III, § 12.
[29] Toda a informação desse tópico foi extraída de: ELP, § 239-251.
[30] Esse segundo exemplo não é apresentado por Herbart.
[31] ELP, § 245 (Grifos do autor).
[32] ELP, § 250.
[33] MP, § 174-5.
[34] MP, § 47; 176.
[35] C, 4 nov. 1797.
[36] C, outono de 1798.
[37] C, primavera de 1798.
[38] C, primavera de 1798.
[39] C, outono de 1798.
[40] C, 20 nov. 1798.
[41] ELP, § 87-8.

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