Ilustração produzida a partir do logotipo da coluna de Rodrigo Constantino. |
O filme é antigo. Lembra as
denúncias de Ali Kamel sobre um suposto patrocínio do Estado brasileiro aos
livros didáticos que positivavam stalinistas e maoístas: “nossas crianças estão
sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será
sentido em poucos anos” (O Globo 19/09/2007).
A diferença, dessa vez, é a qualidade inferior dos argumentos, disparados pelo
jornalista Rodrigo Constantino em sua coluna no portal de Veja (8/11/2014), cuja mensagem é bem sintetizada na frase-título:
“Chega de doutrinação marxista nas escolas!”
Vamos poupar o leitor dos detalhes
(http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/socialismo/chega-de-doutrinacao-marxista-nas-escolas)
e comentar o fundamental da sua peça publicitária: a generalização infundada, a
desinformação e, talvez o pior de todos os equívocos, a contradição.
Constantino é frouxo no uso de
termos centrais de seu argumento. Ele reproduz, de modo simplista, a oposição
entre capitalismo e comunismo, proposta por duas adolescentes: sua filha e uma
amiga. Ainda se satisfaz em tripudiar da amiga da filha que ousou criticar, em
sua inocência juvenil, o capitalismo (mesmo tendo mãe empresária). “Que poço de
contradições essa menina”, parece implicitamente sugerir Constantino com seu
irônico comentário: “só faltou culpar o capitalismo pela miséria africana”.
Daria até um bom debate a
reflexão sobre a miséria africana a partir da velha tese leninista do
imperialismo europeu como fase superior do capitalismo. Mas o polemista da Veja, provavelmente, não toparia o
confronto. A simples referência ao nome Lênin causar-lhe-ia espasmos.
O "perigo vermelho" ilustrando uma definição não fundamentalista de ideologia |
O ideólogo-jornalista,
arvorando-se portador de grande objetividade analítica, afirma não existir
“nada mais falso” que esse axioma. Para ele, a verdade reside em outro lugar.
Ele professa e divulga, doutrinariamente, um liberalismo radical (econômico e
moral), que desemboca no elogio da meritocracia, do mercado, do individualismo
e dos fundamentos da desigualdade humana.
Não bastasse a ligeireza
analítica, Constantino também demonstra desconhecimento. Fazendo uso da
experiência de Gustavo Ioschpe, que “tem ficado estarrecido com a doutrinação
marxista nas escolas particulares do Brasil”, o jornalista se equivoca ao
generalizar. O país possui milhares de “escolas particulares”.
Se esse tipo de silogismo for legitimado, poderemos também afirmar que “a
intolerância é dominante nas escolas católicas e evangélicas de Brasília, onde
alunos chegam a regozijar-se com a morte “dos viadinhos”, quando determinado
professor de história discute o genocídio patrocinado por nazistas alemães. E temos
certeza de que a maioria dos alunos de escolas evangélicas e católicas não age
assim.
Se a doutrinação marxista efetivamente campeia nas
“escolas particulares”, alguma coisa está errada: ou os professores têm sido pouco
competentes no trabalho de doutrinação (já que o candidato Aécio foi o
preferido de 51 milhões de eleitores) ou os alunos não consomem a suposta
doutrinação marxista do mesmo modo que os supostos professores doutrinadores
marxistas assim o desejariam.
Constantino parece não saber que a ideia de uma
educação escolar (e de qualquer formação de pessoas) sem ideologia é também
ideológica e, transformada em fenômeno ideal-típico, não correspondente à vida
prática, ou seja, é uma utopia (às avessas). Nos anos 80 do século passado,
muitos leitores dos leitores de Marx fizeram a mesma análise aligeirada acerca
dos livros didáticos de história, tentando desvelar a ideologia liberal nos
textos escritos e icônicos desses livros. O avanço da pesquisa na área,
felizmente, demonstrou que não há sociedade desideologizada e o dístico do
jornalista (“Análise de um liberal sem medo da polêmica”) é fato. Também não há
ideologia boa e ideologia ruim em essência. A ideologia dos autores/editores,
presente nos livros didáticos, no Brasil e fora dele, (como asseverou o
professor Kazumi Munakata) é o mercado.
A desinformação também marca o texto de
Constantino. Ele afirma (ainda usando Ioschpe) que estão “espalhando o marxismo
por aí, sem que os pais saibam ou façam algo a respeito”. Ora, o marxismo está
“espalhado por aí” desde o início do século XX, inclusive nos currículos do
governo “liberal” de Getúlio Vargas e, mesmo, em manuais de história
curiosamente tolerados pelos censores de nossa última ditadura militar. Se for
verdadeira a afirmação de que os pais não sabem disso, estamos diante de fenômenos muito bem estudados pelos pesquisadores da(s) família(s) e do(s) Estado(s).
Um deles é a mudança nos modelos de organização,
nos quais a atribuição do acompanhamento escolar dos filhos fica(va) a cargo de
criadas, avós e, adiante, da mãe. Como as famílias extensa e nuclear, há muito,
deixaram de ser dominantes (se é que algum dia o foram), a sugestão de que o
marxismo se alastra nas “escolas particulares” faz, então, da
“denúncia-manifesto” de Constantino uma espécie de juris sperniante.
Ideologia demais...ideologia de menos! |
Para citar este artigo:
FREITAS, Itamar; GUIMARÃES, José Otávio Nogueira. Menos doutrinação e mais objetividade no jornalismo! Brasília, 9 dez. 2014. Disponível em: http://itamarfo.blogspot.com.br/2014/12/menos-doutrinacao-e-mais-objetividade.html.
Para conhecer outra denúncia sobre o mal que representa a ideologia na escola, acompanhe a mensagem do Padre Ricardo.
Para envolver-se com a discussão sobre a "Base nacional curricular comum", que está estreitamente relacionada ao tema "ideologia", acompanhe a série:
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEstou aprendendo muito com os textos disponibilizados, e os mesmos servem como reflexão e suporte teórico para a organização e reorganização das minhas aulas de história. Enquanto professora da educação infantil e séries iniciais observo que os livros didáticos são utilizados em muitas situações como o currículo da disciplina de história, e muitas lacunas se agrupam, formando um profundo abismo.
ResponderExcluirA forma irônica do autor do texto de repelir os apológicos de Constantino referente ao capitalismo, à economia liberal, etc...resulta, com seu assentimento ou não, de uma reafirmação de que, realmente, o que dita Constantino é verdade. O autor do texto sim, faz um silogismo fraco que lhe rechicoteia. Encomiar a desdita marxista é feito de um ínclito comunista!
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