A Política
O início dos anos 1970 (no “senso comum” do historiador do século XXI) encerra o período de condenação da “história política tradicional” ou da “velha história” (o Estado como objeto central na escrita da História). Todavia, fora da França, inclusive no Brasil, essa penitência não parece ter sido cumprida como dado historiográfico nem como fato editorial. (cf. Falcon, 1997, p. 70). Em Sergipe, pode-se mesmo afirmar, a partir dos dados apresentados por Calazans, que a “velha” história política reinou sem maiores obstáculos tanto em relação às temáticas selecionadas (as origens dos municípios, o conflito de limites territoriais, a vida de ilustrados da política etc.) quanto aos princípios explicadores do processo histórico, utilizados nos mais diferentes gêneros produzidos sobre a experiência local. Exemplo dessa última característica é a contínua apropriação do recorte temporal impresso por Felisbelo Freire há mais de um século, por parte dos historiadores sergipanos. Felisbelo “toma a gerência do Estado” como periodização. A narrativa é ordenada através dos governantes e seus feitos. (cf. Alves, 1998, p. 81-82). Até mesmo trabalhos universitários alinhados às “novas abordagens” investem-se dessa armadura, ainda que de modo involuntário.
Todavia, se a “velha” história política reinou “impune” (se não houve rupturas) também não se pode concluir pela continuidade desse modelo explicativo em Sergipe. Em termos editoriais é até provável que tenha perdido fôlego, dado o crescimento de outros domínios já descritos neste trabalho e um certo desapego institucional (UFS) pelas demandas políticas locais. O fato é que a História Política produzida após a Introdução de Calazans nasce nova, trazendo a marca da interdisciplinaridade dos Annales (Sociologia e Ciência Política, sobretudo) e da crítica historicista – seja ela marxista (Antonio Gramsci, George Lukacks e Louis Althusser – Marta Harnecker, Jorge Plekanov, Nicos Poulantzas) ou Weberiana – à então rotulada “história política tradicional”: narrativa, factual, linear e voluntarista.
Esse novo caráter da história política pode ser percebido tanto nos temas “revisitados” (Revolta de Fausto Cardoso, movimento republicano etc.) quanto nos domínios recentemente desbravados (partidos políticos, eleições, regimes autoritários/poder local). Nesse sentido, o período colonial, pouco estudado no tempo de Calazans, teve lacunas preenchidas por Maria Thétis Nunes (1989 e 1996). Em Sergipe Colonial (1989/1996) a historiadora esboça a dinâmica do poder (Estado/classes dirigentes locais) em nível de capitania e de município (a atuação das Câmaras Municipais). Paradoxalmente, a mesma autora ocupou-se da vivência do Império, produzindo uma obra geral muito próxima da “velha história” combatida por seus contemporâneos. A história de Sergipe Provincial (2000) é narrada a partir das ações dos presidentes da província e da repercussão dos acontecimentos de caráter “nacional” em Sergipe no período 1820/1840. Na mesma linha, segue Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida (2000) com a “Evolução da política partidária de Sergipe” do período 1830/1853.
Em relação às temáticas revisitadas tem-se os trabalhos de Lourival Santana Santos (1986) sobre a implantação do regime republicano e de Terezinha Oliva (1985) sobre os Impasses do federalismo, estudando o caso sergipano através da Revolta de Fausto Cardoso. Com essa dissertação de mestrado (1980), a autora relê o papel do mártir (Fausto Cardoso), analisando o movimento rebelde sob dois ângulos: as contradições de classe e as fissuras no regime oligárquico; e a lógica econômico-política da República Velha centrada no relacionamento entre grandes Estados cafeicultores (determinantes) e pequenos Estados ligados à açucarocracia (condicionantes).
O “13 de julho de 1924”, que às vésperas do Cinquentenário não havia encontrado seu historiador (cf. Calazans, 1991, p. 26), foi tratado em O Tenentismo em Sergipe de Ibarê Dantas (1974).[1] Essa obra figurou por dois meses numa lista de livros mais vendidos publicados pelo Jornal do Brasil mas, o seu grande mérito, para esse domínio específico, é ter inaugurado a “nova história política” local, ou pelo menos a “Ciência Política retrospectiva” (cf. Mauro, 1969, apud. Falcon,1997, p. 74), já que o seu autor identifica-se como continuador do professor Bonifácio Fortes: o pioneiro nos estudos de Ciência Política. O mesmo historiador prosseguiu explorando outras questões relevantes do período Republicano. Da dissertação de Mestrado surgiu A Revolução de 1930 (1983). Anos depois, produziu Coronelismo e dominação (1987) e Os partidos políticos em Sergipe (1989). A Tutela Militar, publicada em 1997, examina o período recente da nossa história (1964/1984), apresentando uma versão de “como a ordem autoritária reproduziu-se em Sergipe e a quem beneficiou. Com essas obras, estabeleceram-se as bases para a construção de uma síntese compreensiva a respeito dos fenômenos eleitorais, dos sistemas partidários e de uma visão mais ampla sobre a relação Estado/sociedade civil/sociedade política em Sergipe.
Nos cursos de graduação da UFS, infelizmente, não há produção numerosa tematizado o universo da política. Os trabalhos nesse campo exploram as lutas entre grupos políticos como os “Pebas” e “Cabaús”, “Saramandaia” e “Bole-Bole”, a memória de partidos como o PT, PCB, UDN, a atividade política nos governos de Inglês de Souza, Rodrigues Dória e Siqueira de Menezes (cf. Franco, 1982), e a questão de gênero e política partidária. (cf. Ferreira, 1997; Leite, 2000; Menezes, 1999; Ribeiro, ?; Santos, L., 1998; Santos G., 1997; Santos J., 1996, Silva, M., 1999). Na Pós-Graduação da UFS, apenas os alunos Antônio Carlos dos Santos e Frederico Lisboa Romão e ocuparam-se da área, produzindo dissertações sobre o coronelismo e organização sindical. (cf. Santos, A. 1993). Pelo menos um desses trabalhos veio a público em forma de livro: Na trama da História: o movimento operário de Sergipe, de Frederico Lisboa Romão (1999 e 2000).
Longe dos autores citados e fora da Universidade, a história política recupera o seu aspecto factual, episódico e individual. Com tais características, duas tendências podem ser identificadas: a primeira encara a História Política como um conjunto de fatos realisticamente dispostos nos documentos e manipulados pelo historiador de forma linear. Assim, a obra transforma-se num inventário, bem organizado, de fatos e fontes, a serviço de outros pesquisadores. Esse é o exemplo da História Política de Sergipe de Ariosvaldo Figueiredo (1986) que já publicou sete dos oito volumes programados. A segunda tendência trabalha de maneira inversa (apesar de manter com a primeira os “ídolos do historiador” da “História Política tradicional”). Despreza as fontes e investe na interpretação impressionista das relações de poder, nas instituições clássicas do Executivo e do Legislativo. Esse tipo de escrita é também comum entre jornalistas. O melhor exemplo foi produzido por Kátia Santana (2001) sob o sugestivo título, Ecos da política: uma retrospectiva histórica do processo político de Sergipe – 1982/2000 Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos (A Política). Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 12 mar. 2002.
Notas
[1] Esse livro foi reeditado pela Funcaju/J. Andrade em 1999.