Na semana passada, tratei da leitura efetuada por Calazans sobre a história de Aracaju e demonstrei as razões que fizeram como que o jovem professor da Escola Normal fosse considerado “um historiador à moderna”.
Ocorre que essa modernidade, de tonalidade sociológica, foi contestada, ainda nos anos 1940, pelo historiador itabaianense Sebrão Sobrinho (1898/1973). Ele não aceitava um Gilberto Freire como doutrinador da escrita da história. No entanto, “amuletou-se” num literato – Rudyard Kipling – para escrever as suas Laudas da história do Aracaju (Prefeitura Municipal de Aracaju, 1955).
O livro acentua a dimensão do fato político “transferência da capital” e a responsabilidade do indivíduo de espírito elevado no destino dessa cidade. O barão de maruim aparece como o fundador de Aracaju, e a transferência significa, na verdade, um “retorno” da capital a quem de direito lhe pertencia: Aracaju.
Assim, a história nas Laudas começa em 1590 – e não em 1855 – com a ocupação do atual Sergipe, a imediata fundação da capital São Cristóvão em território aracajuano e o início das disputas e “compensações históricas” entre São Cristóvão e Aracaju.
Para Sebrão, a primeira capital foi instalada, provavelmente, na colina de Santo Antônio. A segunda, na colina Pitanga da Pedra. A terceira, no Alto do Uma, que foi incendiada em 1637 e reconstruída após a expulsão dos holandeses, transformando-se, portanto, na quarta cidade. A quinta capital voltou a ser Aracaju, na colina de Santo Antônio – a 16, e não 17 de março de 1855. A sexta foi instalada no Olaria – atual centro da cidade –, em abril desse mesmo ano.
As duas últimas transferências foram explicadas a partir do conflito de interesses entre proprietários do norte – comandados por Rosário do Catete – e do sul da província – Estância, Itaporanga e São Cristóvão. Mas, as causas foram eminentemente partidárias e não econômicas como afirmara Calazans. O líder conservador João Gomes de Melo queria desarticular a base política dos Coelho e Melo e dos Dias, famílias liberais centradas em São Cristóvão.
Nesse ponto, foi claro o recado de Sebrão ao jovem historiador José Calazans: nunca houve “conciliação” em Sergipe porque o barão não a desejou. Inácio Joaquim Barbosa, o presidente, foi apenas um obediente subordinado às ambições do homem mais poderoso de Sergipe. Barbosa a”apenas assumiu o ato”.
Os combates à determinação econômica, todavia, foram desferidos logo após a divulgação da pesquisa de Calazans. “Motivo comercial! Como isso peca por inocente!... A transferência da capital de São Cristóvão assentou-se num ato político mascarado em fins comerciais; mas o seu verdadeiro comércio foi a usura”. A mudança não trouxe prosperidade para a província. E mais: se o comércio e as condições geográficas fossem explicações razoáveis, historicamente, São Paulo, há muito já teria perdido o posto de capital do Estado para a cidade de Santos (cf. Sergipe Jornal, 14 out. 1943).
Enock Santiago (1957) discordou das assertivas de Sebrão, dizendo ter faltado “um aprumo histórico e ético, uma medida de segura apreciação dos acontecimentos.” Bonifácio Fortes (1955) também reclamou tratamento mais respeitoso para a figura de Inácio Barbosa, e Epifânio Dória (1956), metafórico, preferiu identificar a necessidade de publicação das obras do Padre Aurélio de Almeida (editadas desde 2000 pela Prefeitura Municipal de Aracaju).
Ao lado de Sebrão – e do barão – ficaram os jornalistas Zózimo Lima e Elieser Leopoldino de Santana. Este último denunciou o silêncio da imprensa sobre as Laudas e registrou o que se tinha, à época, como boato: “Fala-se à boca pequena que o desinteresse dos críticos está ligado à crença de que o professor Sebrão sobrinho, inteligente com ele é, muito imaginoso, seja capaz de criar flagrantes que, historicamente, nunca existiram.”
A tais acusações, Sebrão respondia: “chamem-me às contas!..l. Não me critiquem à sombra: a tocaia é posição de covardes! Quem alega, prova. E isto é o primordial em quem critica!”.
A segurança de Sebrão provinha do arsenal de documentos cartorários e dos atos e correspondências, de ações do governo e da Câmara de Aracaju – polícia, instrução pública, tesouro etc. –, mantidos sob o seu domínio até a morte.
Foi com esse material que ele pôde ampliar, embora, fragmentariamente, os temas e marcos temporais da história de Aracaju. Sebrão escreveu sobre os sítios anteriores às construções da nova capital, abastecimento de água, iluminação pública, atividades industriais e comerciais, presença da cólera, construção de cadeia, palácio, templos, a atividade religiosa, instrução pública, festejos populares, estradas, cemitérios e hospitais de Aracaju.
Hoje, Laudas da história do Aracaju é um livro raro e de leitura difícil. Mas, vem sendo redescoberto pelos desbravadores da história cultural, para quem Sebrão reserva uma vantagem adicional: grande parte das suas fontes está disponível no Arquivo Público do Estado de Sergipe, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e em coleções particulares.
A propósito, em Fragmentos de histórias municipais (Instituto Luciano Barreto Júnior, 2003), Vladimir Carvalho editou artigos do início da carreira de Sebrão que também ajudam a compreender a sua leitura sobre a história de Aracaju.
É uma pena que ainda não se tenha ensaiado uma análise de conjunto da obra do “historiador papa-cebola” para sabermos, por exemplo, se, em termos de história de Aracaju, tem maior significado o dedo da Providência agindo por intermédio do barão de maruim ou a idéia de eterno retorno traduzida pelas constantes transferências da capital de Sergipe entre São Cristóvão e Aracaju.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Leituras sobre a história de Aracaju: Sebrão Sobrinho. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 29 fev. 2004.
Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.
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