domingo, 7 de março de 2004

Leituras sobre a história de Aracaju: Fernando Porto

Pra os filólogos Caldas Aulete e Aurélio Buarque de Holanda, o vocábulo “motivo” possui dois significados: 1) causa, razão, escopo e motor; 2) frase melódica, harmônica ou rítmica que, predomina em qualquer composição musical. Foi com o primeiro sentido que reli A cidade do Aracaju: 1855/1965, de Fernando Porto (1945), buscando as razões que fizeram desse “obscuro engenheiro municipal, no intervalo de seus afazeres funcionais” um perscrutador de arquivos sobre a capital. Mas, foi o segundo sentido que encontrei, logo na introdução do livro.
Para Fernando Porto, a razão, a causa e o motor da escrita da história sobre Aracaju estariam na intenção de desvendar a “vida física e social da cidade”, a sua melodia característica: “Cada cidade é um motivo novo, trazendo em si as notas de sua própria sinfonia. Cabe aos técnicos estudá-las e agrupá-las, compondo a monumental partitura que é o plano regulador.” (Porto, 1991, p. 8).
Mas, o que poderia fazer o historiador – no meio de engenheiros, geógrafos, legisladores e anônimos – para minorar problemas de habitação, saneamento, transportes que afligiam os 60 mil moradores da Aracaju dos anos 1940?
Simples. À história caberia apontar a origem de “características e tendências” relativas à infra-estrutura e ajuda a rememorar “os bons e maus” acontecimentos que “impulsionaram ou retardaram o progresso da cidade” (idem, p. 20). É como um item no questionário do urbanista que a história aparece. Ela amplia a eficácia de um possível plano diretor.
Sobre a origem da urbe, ele concordava com Calazans: o porto foi determinante (motivo econômico). Mas, foi a urgência da nova cidade – criada por Inácio Barbosa – (motivação política ) e os desdobramentos desse fato que orientaram a “evolução” e, por conseguinte, a periodização da história local.
São quatro as etapas dessa evolução urbana: 1) o tempo da ação determinante do governo provincial – 1855/1965; 2) do abandono deste e da impotência da Câmara Municipal na resolução dos problemas estruturais – 1865/1900; 3) da retomada do interesse do governo estadual, implantando serviços de água, esgotos, luz, bondes e do arruamento dos bairros – 1900/1930; e a última, a da transferência de serviços vitais para a municipalidade (bombeiros, pronto-socorros, ensino primário) e da organização de novos bairros – 1930/1940.
É, pois, a política – de Inácio Barbosa, a ação do Estado – que figura na origem e no desenvolvimento de Aracaju. A política também está na ação intencional do historiador em apontar e resolver problemas do coletivo, visar “o bem do maior número”, afastando a sua narrativa dos conflitos de bastidor.
Infelizmente, Fernando Porto só nos deixou a dissertação sobre o primeiro período (1855/1965), onde “a cidade do Aracaju” é tomada como um artefato, um construto mediado pelo relevo do sítio, o projeto do engenheiro Sebastião Pirro e pelas obras iniciais de urbanização.
Assim, apesar da ação de Inácio Barbosa, o “fator geográfico’ ganha relevo. O massapé da Cotinguiba e a profundidade do ancoradouro do rio Sergipe vão fazer de Aracaju “uma das mais felizes vitórias da geografia”. (idem, p. 16).
Isso justifica a saborosa descrição de riachos, fontes, lagoas, dunas e depressões e a exposição das circunstâncias em que o plano da nova cidade foi elaborado e posto em execução. Trata das primeiras construções – mesa de rendas, alfândega, palácio da presidência, quartel de polícia –, da estrutura das edificações e das primeiras diferenciações sociais, oriundas do “fenômeno geográfico”: os ricos moravam no quadro de Pirro. Os pobres ocupavam as dunas.
Está claro que Fernando Porto interpreta a cidade sob o ponto de vista do geógrafo. Até o “sentido geográfico do pensamento de Inácio Barbosa” fez questão de enfatizar. Mas, é provável que as marcas topográficas fossem atenuadas às medida que a história da cidade avançasse pelos três períodos restantes.
Sebrão sobrinho discordava de tal perspectiva e rechaçou as teses de que os registros sobre a costa sergipana eram raros, Santo Antônio do Aracaju era um inexpressivo arraial de pescadores, Aracaju era “cidade livre” de senhores, como afirmara Porto: Aracaju tinha donos e um deles era o barão de Maruim. Sebrão era detalhista. Tomou partido por Clodomir Silva e denunciou o erro do dr. Fernando na localização da estrada que ligava Aracaju a São Cristóvão.
Polêmicas à parte, as lacunas apontadas pelo engenheiro permanecem desafiadoras. A reconstituição da paisagem e ad propriedade territorial da cidade nos anos 1850 ainda aguarda pesquisadores.
Mas, o impulso inicial para preenchê-las foi dado. E bastam as tentativas de reconstituição das plantas de Francisco Pereira da Silva para justificar a leitura dessa obra, reeditada pela Fundesc em 1991. O mapa de 1865 fornece o traçado das ruas, nomeadas por critérios políticos, estéticos e religiosos.
Na planta de 1855, estão discriminados a lagoa Vermelha, os sítios Santo Antônio, Maçaranduba, Olaria e Caatinga, futuros bairros Santo Antônio, Industrial, Centro e região da praça da Bandeira. Este mapa também registra os riachos Olaria, Caborge e Aracaju, que desaguava, provavelmente, junto à fábrica de Tecidos Sergipe Industrial.
E por falar em riacho do Aracaju, já não seria oportuno fincar uma placa indicativa desse fenômeno geo-histórico durante as comemorações do sesquicentenário da capital? Devemos a Fernando Porto, pelo menos, o caminho para identificar o local desse monumento.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Leituras sobre a história de Aracaju: Fernando Porto. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 07 mar. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

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