domingo, 12 de outubro de 2003

O sergipanismo de Nunes Mendonça

No final dos anos 1950, Sergipe era um pequeno Estado da região Leste (Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal), com limites territoriais pouco precisos, população predominantemente rural, onde a construção de fábricas de cimento e a exploração de jazidas petrolíferas eram apenas uma esperança. O “atraso sócio-econômico” poderia ser medido pelo avanço das áreas de pastagem, decréscimo da produção e do nível de emprego na cotonicultura e na indústria têxtil, pelo êxodo anual de 70.000 sergipanos em direção aos estados do Sul. (Cf. Mendonça, 1958; Nascimento, 1994).
Não era de se estranhar que alguns intelectuais buscassem alternativas para essa provável estagnação. Menos estranho seria ainda se esse intelectual fosse vinculado a um partido político e desse sustentação ao governo estadual. Nunes Mendonça (1923/1983) foi um desses intelectuais. Aqui ele ganha destaque por ter associado o problema do subdesenvolvimento às reformas educacionais ao tempo que sintetizava os traços dominantes do sergipano.
Mendonça (1923/1983) era itabaianense. Trabalhou como funcionário público, chegando a técnico educacional e professor do Instituto de Educação Rui Barbosa e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais. Era homem de ação. Cedo manteve contatos com Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, fazendo incursões pela Sociologia da Educação.
Seu livro que melhor aborda a temática é A educação em Sergipe (1958). Uma espécie de diagnóstico das instituições escolares no Estado, acompanhado de soluções social-desenvolvimentistas. Mas, o caráter do pensamento sobre educação de Nunes Mendonça, bem como a sua trajetória como professor e parlamentar não são objetos deste texto. A professora Eliana Souza, quem melhor estudou a sua experiência intelectual, lançará um livro, nas próximas semanas, sob o selo da Editora da UFS e com o patrocínio da Fundação Oviedo Teixeira, tratando inclusive desses tópicos. Vale a pena esperar o evento. Interessa-me, no momento, a idéia de sergipanidade desenvolvida pelo itabaianense.
As conclusões do professor Mendonça sobre a sergipanidade basearam-se em trabalhos de survey, entrevistas e observações. Suas amostras incluíram exemplares das várias “zonas ecológicas do Estado” – Litoral, Central, baixo São Francisco, Sertão do São Francisco e Oeste –, embora admitisse que tais zonas nem sempre compusessem unidades homogêneas geográfica e culturalmente falando (Cf. Mendonça, 1958, p. 40-41). Todavia, o uso do quantitativo não significou o abandono das explicações impressionistas, como pode se ver abaixo.
Nunes Mendonça chegou ao tema indiretamente, pois o seu interesse era compreender a natureza e o funcionamento do “sistema escolar”. Ele acreditava que a melhoria da cultura educacional seria o motor, em última instância, do desenvolvimento local. As “características psicológicas do sergipano” tinham a função de auxiliar no conhecimento do sistema a ser transformado. Mas, como as mudanças educacionais prescindiam das reformas econômicas, a sua proposta ganhou o mesmo caminho das demais atitudes salvacionistas; envolveu-se no conhecido enigma: o que muda primeiro? O sistema produtivo ou o sistema educacional? Mudariam os dois sistemas ao mesmo tempo?
Para Nunes Mendonça, os principais problemas geo-econômicos do Estado de Sergipe ainda eram a pequenez territorial, os rigores da seca, as deficiências dos solos cultiváveis, o caráter rudimentar dos instrumentos e dos métodos de exploração agrícolas, e a ausência de nexos entre as instituições escolares e o setor produtivo. Isso provocava baixa produtividade, que alimentava o círculo vicioso do subdesenvolvimento.
Esse estágio da economia, por sua vez, condicionava o ritmo (lento) das mudanças sociais. A oligarquia havia sido abandonada há pouco (?). Em termos de costumes, por exemplo, ainda vigorava nas “camadas incultas” o irracionalismo das práticas supersticiosas, resultantes da mescla do catolicismo com cultos ameríndio, africano e espírita (Cf. idem, p. 56).
Em suma, as adversidades do clima, solo, limitações territoriais; a mentalidade arcaica, e o apego às práticas culturais primitivas dominavam a experiência sergipana. E foi, a partir desses dados e condicionantes, que Nunes Mendonça produziu a idéia de que o sergipano era “psicologicamente” cético, desconfiado, econômico e individualista. Vejamos o que mais disse o autor:
“...em hábitos de vida e costumes, expressões lingüísticas e prosódia, o sergipano assemelha-se ao baiano, em ânimo, podemos assegurar, equipara-se ao cearense. Ambos – sergipanos e cearenses – premidos por hábitos idênticos, embora oriundos de causas mais ou menos díspares reagem com a mesma obstinação, enfrentando, desajudados mas corajosamente, as vicissitudes da natureza.
O sergipano, porém, ao contrário do cearence, possui acentuado sentimento de inferioridade...
Não herdou o espírito arrojado do pioneiro lusitano que conquistou Sergipe no primeiro século: absorveu a índole de outro tipo de colonizador português – comedido e sedentário, que veio em seguida”. (idem, p. 54-55).
O polêmico Nunes Mendonça foi aposentado pelo regime em 1964. Morreu distante de Sergipe, em Vitória, a 15/06/1983, manifestando o desejo – prontamente atendido – de não ser sepultado no Estado natal. (Cf. Souza, 1998, p. 81n). O seu degredo, paradoxalmente, pareceu cumprir um traço identitário da sociedade sergipana. Traço esse, colhido e anunciado pelo poeta Freire Ribeiro em carta aberta endereçada ao desditoso professor da Escola Normal: “sou hoje em dia um homem a caminhar sob um fardo de desencantos!... (sic) Nada tenho a fazer, prisioneiro numa terra sem horizonte, estreita, acanhada para os homens de espírito que têm, em Sergipe, o fim das flores que enfeitam os banquetes e se destinam depois à lata do lixo! Essa Judéia – concluía citando Pereira Barreto – apedreja os seus profetas. (Cf. Freire, p. 1, in. Souza, 1998).

Para citar este texto
OLIVEIRA, Itamar Freitas de. O sergipanismo de Nunes Mendonça. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 12 out. 2003. <http://itamarfo.blogspot.com/2003/10/o-sergipanismo-de-nunes-mendonca.html>.

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