Comemorou-se, em 2002, o centenário da inauguração da Escola Agrícola Salesiana São José (19/03/1902), primeira obra dos “filhos de D. Bosco” em terras sergipenses. A instituição abrigava aprendizes – meninos órfãos pobres – e pensionistas, filhos de abastados, que passavam o dia entre as oficinas de artífices, o aprendizado agrícola, e o ensino de disciplinas correlatas ao primário e secundário da época. (Cf. Silva, 2000, p. 302-310). Ocorre que a benemérita instituição nascera em meio às rotineiras disputas científicas, religiosas, da primeira década do século XX, não estando imune às refregas da política.
Os primeiros debates centraram-se sobre a ação do Estado na efetivação do empreendimento e sobre os modos como os patrimônios do então presidente Olímpio Campos e da ordem salesiana em Sergipe foram construídos. Tebaida era palavra incômoda nos primeiros meses de 1902. Nomeava um sítio de 140 hectares, banhado pelos rios Pitanga e Poxim, encravado no município de São Cristóvão, separado de Aracaju por 18 quilômetros de difícil acesso. Antes de constituir-se em Escola, Tebaida já possuía “mais de cem pequenas casas para colonos, dois grandes depósitos para colheitas; treze pequenas casas para salesianos e alunos que começariam a colônia”. (RDV. 1901, apud. Silva, 2000, p. 303). Fora, talvez, mais uma ação do Estado e de particulares no sentido de solucionar o problema da falta de braços na lavoura local? (Cf. Passos Subrinho, 2000).
Tebaida era o inferno do padre e o paraíso dos fazendeiros, ou o inferno dos políticos e a Canaã para os mosaicos salesianos. A imagem sobre a propriedade variava radicalmente nas missivas dos frades e nos discursos do deputado Fausto Cardoso. Este mesmo afirma, em abril de 1902, que “o terreno nada vale, pois são estéreis as suas terras”. No mês seguinte, as dadas já são ubérrimas e bem situadas (Cf. Cardoso, 1987, p. 616, 645). Os enviados de São Bento, por sua vez, disseram tratar-se “do melhor pasto de Sergipe para a criação de animais”. Um terreno de onde “se pode extrair a cal e a terra para se construir no local tijolos e telhas. Há também madeiras para construção”. (Cf. RDV, 1901, apud. Silva, 2000, p. 303). Mas, quando os italianos foram obrigados a enfrentar a prepotência de um vizinho invasor, a suspensão dos auxílios pecuniários do Estado, a lida com as coisas da terra – formigas, mosquitos, seca, aridez do solo, e as febres que chegaram a ceifar vidas, não houve alternativa contrária ao “delenda Tebaida”. Fecharam a casa.
A peleja em torno da Escola não se limitou à adequabilidade das instalações. Ganhando o parlamento federal, discutiu-se acalouradamente sobre os recursos mobilizados pelo Estado na confecção daquela obra civilizatória. Para o deputado Rodrigues Dória, o caso era de simples entendimento: “Chegaram a Sergipe os padres salesianos aos quais o governo do Estado ia entregar a Colônia Agrícola criada pela Assembléia. Estes padres acharam melhor, para estabelecer a Colônia, o sítio do Sr. Padre Olímpio, que fica entre a atual capital de Sergipe e a antiga – São Cristóvão (...). O Sr. Padre Olímpio cedeu o seu sítio pelo preço por que o havia comprado [com as economias que fizera em 72 meses de trabalho], dando as benfeitorias”. (Dória, 1902, in.: Cardoso, 1987, p. 621).
Para Fausto Cardoso, o nascimento da Escola agrícola estava envolto num ato de “torpeza” e não de “generosidade” da parte do presidente Olímpio Campos. Isso porque o padre doou 65 contos de réis dos cofres públicos – o equivalente a 4 anos de salário parlamentar; mandou vender o imóvel doado pela Assembléia Estadual, no exíguo prazo de 8 dias; suspendeu a referida venda, logo que os salesianos souberam do ocorrido; e, por fim, convenceu aos mesmos salesianos que melhor negócio seria comprar o seu sítio (Tebaida) por apenas 5 contos de réis, pois junto com a terra, levariam também as benfeitorias, avultadas em seis vezes o valor a ser pago pelo sítio. (Cf. Cardoso, 1987, p. 645-648).
Na terceira face da história, na versão dos salesianos, a fundação da Escola Agrícola São José ou Tebaida significou a conjunção dos interesses do padre Olímpio e do Arcebispo da Bahia, D. Jerônimo Thomé da Silva, que “desejava a presença dos filhos de D. Bosco às margens do Cotinguiba, área que fazia parte de sua circunscrição eclesiástica”. (Cf. Silva, 2000, p. 302). Era intenção de Olímpio Campos barrar o avanço dos protestantes no setor educacional em Sergipe (Cf. Silva, 2000; Nascimento, 2002). A iniciativa salesiana, além de auxiliar do projeto olimpista, foi encarada pelos primevos como uma missão, e levada a cabo entusiasticamente, “com o arroubo de um pioneiro do oeste setentrional americano” (Cf. Silva, 2000, p. 303). O fato de a Tebaida não ter completado a terceira década, deve-se em grande parte ao “terreno sáfaro e à mentalidade anti-agrária do povo”. Trabalhar no campo, em cultura recentemente escravista era uma atividade “servil e aviltante” (idem, p. 360).
Relendo a experiência dos salesianos, não deixamos de indagar se essa mentalidade brasileira teria se modificado. Quais os interesses do Estado em relação ao ensino agrícola hoje? Em Sergipe, tais questões serão debatidas amanhã e terça-feira num evento promovido e sediado pela quase octagenária Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão – vizinha da velha Tebaida. Aberto ao público em geral, o evento contará com as falas dos pesquisadores Jorge Carvalho do Nascimento, Luiz Antônio Barreto, Antenor Oliveira Aguiar Neto e Sônia Regina Mendonça, discutindo, respectivamente a história do ensino agrícola, a política agrícola de Gracho Cardoso, o ensino agrícola na UFS, agricultura e educação na primeira República. É uma tentativa de debater políticas públicas para o setor sem descurar-se da memória local. Bela iniciativa que vale a presença dos interessados nas coisas de Sergipe.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. O ensino agrícola em Sergipe. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 19 out. 2003.
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