[Nós], os literatelhos da roça, temos obrigação de rememorar as vidas ilustres.Em minha terra, porém, o único que se dá a este modo de vida sou eu, talvez por que saiba menos ler que eles.
Essas frases de 1922, republicadas por Vladimir Souza Carvalho em Fragmentos de histórias municipais e outras histórias (2003), levaram-me a considerar que o Sebrão sobrinho em Laudas da história do Aracaju (1955) – seu livro mais conhecido – já havia formatado um projeto intelectual aos vinte e quatro anos. Para nossa felicidade, os frutos desse plano, produzidos nos anos 1930 e 1940, foram reunidos nessa nova publicação.
Mas, a obra, como anunciado acima por Sebrão, não seria apenas um “rememorar as vidas ilustres”. Os Fragmentos lançados em Aracaju e em Itabaiana, na última quinzena de agosto trazem de tudo um pouco: instantes auto-biográficos, poemas, lendas, genealogia e a narrativa histórica baseada em fontes cartoriais, relatórios administrativos, códigos legislativos, cronistas e historiadores que tratam do Brasil.
Como referência são tomados os municípios de Itaporanga, Rosário, Carmópolis, Simão Dias, Lagarto, Estância, Itabaiana, Ribeirópolis, Frei Paul, Neópolis e a muitos outros que não tiveram suas experiências estruturadas em forma de artigos, a exemplo de Porto da Folha, Pedra Mole, Aracaju e Santo Amaro. As narrativas, porém, não se distribuem de forma equilibrada. Sebrão sobrinho tinha lá seus motivos e preferências e, também, por isso ganharam destaque as localidades de Itaporanga e Itabaiana.
Itaporanga é contemporânea das “descobertas” de Sergipe e do rio São Francisco. Foi palco da ação dos jesuítas, gente que não contribuiu para o processo civilizatório de Sergipe: nada de instrução ou de educação religiosa; “o jesuíta só vinha a Sergipe, anualmente, olhar como iam seus grandes haveres”. (Sebrão sobrinho, 2003, p. 25).
Itabaiana, tem inventariados dezesseis dos seus mais importantes povoados. A terra do “para-cebola”, simplesmente, “formou quase todos os municípios sergipanos” e era, desde [1859], o celeiro de alimentos da capital Aracaju (idem, p. 255). Somente Lagarto rivaliza com a povoação serrana, mas não chega a criar nenhuma localidade. Pelos novos Fragmentos, vê-se que SEbrão já era o crítico mordaz dos cronistas, historiadores e tupinólogos de fora e de dentro de Sergipe. A birra com Felisbelo Freire já era conhecida, mas a sistemática correção ao trabalho de Armindo Guaraná e as flechas disparadas contra o jovem historiador José Calazans foram novidades para mim. Elas fazem pensar nas conseqüências desse tipo de debate para a construção de duas obras significativas sobre a história de Aracaju: Contribuição à história da capital de Sergipe – José Calazans (1944) e Laudas da história do Aracaju – Sebrão sobrinho (1955).
Naqueles anos da Segunda Guerra, o “cachorro da velha loba” – Sebrão sobrinho – fustigava os historiadores da terra, mas também deitava o malho na Sociologia – Qual Sociologia? A de Gilberto Freyre? A de Florentino Menezes? Davas lições de crítica documental, de gramática, de leitura das línguas indígenas. Com ar professoral, Sebrão interpolava brevíssimas e confusas considerações sobre os explicadores do sentido da experiência humana – a evolução biológica, a evolução espiritual, a predestinação.
Nesse mesmo período, também já expunha suas teses com grande ênfase: o rosarense é providencialmente um piedoso, crente, masoquista – uma herança dos negros do Catete; nunca existiu a tal pedra em forma de lagarto, interpretação usual para a origem do nome do referido município; Itabaiana acolheu o culto protestante logo após Laranjeiras, em 1885; a mulher itaporanguense inventou o desquite em Sergipe (1843); Men de Sá era um covarde, o governador Luiz de Brito, um bandido e os jesuítas Gaspar Lourenço e João Saloni uns assassinos, injustamente elevados à classe de mestres do ensino.
As longas introduções, a conversa com o leitor, as intrusões, e até uma história estruturada com repente – ou como canção de gesta, se preferirem – já estão presentes nos textos do Sebrão getulino e maynardista. Ele preferia escrever defluente à passada, embair à enganar, rutilância a brilho e uxoricídios em lugar de assassinatos de esposas. Também não se furtava em fazer uso de um gilbertifreirático, do cotiliquê paroquiático e da bagaceirocracia.
O que permanece como enigma na obra são as razões pelas quais a sua escrita ganhou essa forma peculiar. Por que Sebrão assumia-se historiador com tanta ênfase? Por que afirmava ser o único num período tão fértil da historiografia sergipana? O que o levou a produzir um texto combinando arcaísmo com fórmulas da linguagem popular, por exemplo?
A resolução desses problemas ficou a gora mais fácil com a preocupação de Vladimir Carvalho em recuperar os artigos, anotá-los e oferecer ao leitor um precioso índice onomástico. Às novas possibilidades de cruzamento das referências de fontes, autores e personagens, gostaria de acrescentar 3 questões que podem ajuda r a decifrar os tais enigmas: seria o jovem itabaianense um exemplar temporão de uma cultura retórica em vigor na segunda metade do século XIX? O trabalho docente e a tarefa de inspeção escolar teriam se transformado em missão de vida para Sebrão? Teria o autor sobrevivido ao uma espécie de ‘terremoto de Lisboa” em suas primeiras investidas intelectuais?
Muita tinta há de ser gasta com as letras desse historiador, afirmei há três semanas. Mas, penso que a epígrafe acima – plena de ironia, exagero e ressentimento – pode ser uma chave para a compreensão da escrita histórica de Sebrão sobrinho.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Os novos fragmentos de Sebrão Sobrinho. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 14 out. 2003.
Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.
Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
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