Até o início da década de1940, as histórias sobre Aracaju – excetuadas as reminiscências e crônicas – procuravam, dominantemente, responder a três questões: quem fundou a cidade? Quando surgiram os primeiros habitantes? Qual o motivo para a transferência da capital de São Cristóvão para Aracaju?
O historiador José Calazans também ensaiou a sua história de Aracaju, em 1942, sem, no entanto, afastar-se muito das chaves explicativas de Felisbelo Freire, Manuel dos Passos de Oliveira Teles, Enock Santiago, Epifânio Dória e Clodomir Silva. Esses homens punham ênfase na dimensão factual e na ação voluntariosa do indivíduo, fosse ele Joaquim Inácio Barbosa ou o barão de Maruim.
O texto de Calazans “Aracaju: contribuição à história da capital de Sergipe”, tese para a cadeira de história do Brasil e de Sergipe, da Escola Normal, inicia-se mesmo com um perfil do homem Inácio Barbosa: figura inteligente, competente, ilustre e experimentada.
Calazans dá mostras do tirocínio administrativo do presidente Barbosa, anuncia as suas metas e, somente na terceira parte, começa a tratar de Aracaju – significado do vocábulo, localização, primeiros habitantes, primeiras transferências de São Cristóvão e limites territoriais.
O capítulo seguinte, o quarto, aborda “o fato mais importante da história de Sergipe” – a transferência da capital. Aí, são expostas as explicações aventadas sem comprovação por outros historiadores e as causas nacionais e locais que influenciaram na ação do Barbosa.
Calazans também descreve as ações preparatórias, os atos legislativos que geraram a mudança, a repercussão do fato em São Cristóvão e, por fim, no último capítulo, apresenta a nova cidade em seus anos iniciais – o projeto, as primeiras edificações, os problemas de salubridade e a viagem de Inácio Barbosa à Estância para curar-se das “febres do Aracaju”.
Essa nova tese sobre Aracaju foi referendada, primeiramente, por seu Nonô, guardião do “arquivo morto” do Palácio, onde o entusiasmado bacharel fora buscar material inédito. Calazans tinha vinte e sete anos quando se embrenhou na pesquisa da qual Fernando Porto já era autoridade. Ele também adorou o resultado. Supunha ter inovado na abordagem. (cf. Calazans, 1993).
José Amado Nascimento (1943), entretanto, não teve dúvidas: “o Aracaju de José Calazans é... livro de um historiador à moderna.” Mas, em que consistiria a modernidade da escrita desse pesquisador-professor?
Para Terezinha Oliva (2002), Calazans produziu “a primeira abordagem geral sobre a história e a historiografia de Aracaju”. Seu trabalho heurístico chegou ao século XXI como “um inventário de fontes pouco exploradas e de temas ainda por aprofundar.” Thétis Nunes (1992) encarou a tese como “o melhor estudo e melhor interpretação histórica da nossa capital.”
Segundo José Amado Nascimento (1943), a modernidade de Calazans estaria patente no deslocamento da história política para uma história social com pendores sociológicos e na utilização de fontes não convencionais, como o depoimento oral e os anúncios de jornal.
A esses julgamentos eu acrescentaria que ele depurou a sua narrativa das memórias com teses pouco convincentes do fato fundado na lenda e do boato conservado pela memória do vulgo e lançou ao leitor uma hipótese tal como efetivamente ela é: uma conjectura.
Todavia, não foi desapaixonado o suficiente para abandonar as informações fornecidas pelas quadrinhas populares sobre a imagem de Aracaju e de Inácio Barbosa e fez uso do “toda gente sabe” (menos o leitor!) para identificar um personagem omitido por Felisbelo Freire.
Penso também que o maior distanciamento entre Calazans e os historiadores precedentes está no fato de ele ter desprovincianizado o debate sobre a história local, relacionando a história de Sergipe à era Mauá e ao tempo da “conciliação” do Gabinete Paraná. Isso ocorreu a despeito de seu culto à “província” e ao “provinciano,” herança de Gilberto Freire e de Clodomir Silva.
Certamente, Calazans esteve às voltas (para os historiadores de hoje) com “falsos problemas históricos”, como – Quem transferiu a capital? A medida foi acertada ou não? ...etc. –. A essas questões ele respondeu peremptoriamente: “A mudança da capital sergipana... constituiu uma medida acertada do presidente Inácio Joaquim Barbosa, de vez que, realmente, a transferência era imperiosa porque necessária aos interesses vitais da Província” (Cf. p. 87). Entretanto, ele desloca a causalidade histórica da vontade individual para a necessidade econômica, geográfica e de mentalidade.
Ele demonstra, nas entrelinhas, que o espaço de manobra de Inácio Barbosa era bastante limitado. O presidente foi apenas o homem certo em lugar e hora oportunos, pois o meio geográfico e, sobretudo, o “deslocamento de fronteiras econômicas que se vinham processando há bem mais de um século, do sul para o norte da Província” selariam irremediavelmente o “destino” da velha capital São Cristóvão, beneficiando a região de Aracaju.
Não fosse o uso da expressão “destino” e o aglomerado de causas sem necessária inter-relação, poderíamos identificar no Calazans o historiador que ressignifica a dimensão factual, despojando a transferência da importância atribuída até então, haja vista a sua atitude de compreender esse acontecimento como fruto de uma mudança secular na mentalidade dos gestores em relação à função, e o aspecto das cidades resulta de transformações na paisagem e da ação dos ciclos econômicos.
Em metáfora braudeliana, o 17 de março de 1855 significaria, apenas, a espuma das ondas na imensidão do mar, a luz do pirilampo na escuridão da noite, ou seja, a transferência da capital para Aracaju seria tão somente um fato político inteligível na longa duração da história de Sergipe.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Leituras sobre a história de Aracaju: José Calazans. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 15 fev. 2004.
Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.
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