Goiânia-GO. Locus da pesquisa sobre o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio - PNLEM. |
Por
que vício? Porque não era necessário voltar à década de 1930 do século passado
para avaliar uma política (ou um programa?) inaugurada na primeira década do
século XXI. O início da história depende da pergunta central e esta me pareceu muito clara: “Como a política do livro didático possibilitou o acesso ao
conhecimento escolar de história para os estudantes do ensino médio público
diurno no município de Goiânia, de 2007 a 2011” (Melo, 2012, p. 3). A volta ao
período Vargas – ou ao tempo do estado interventor, supostamente pioneiro na
criação de políticas para o livro didático – talvez se justifique pela
necessidade de demonstrar o papel das estruturas, daí o privilégio do exame num
tempo conjuntural. Como desdobramento desta justificativa, o presente não seria
bastante significativo como história (?).
Fernando Garcez de Melo |
Assim,
orientado pelos conceitos de Estado, sociedade política, sociedade civil, regulação
e contradição, Fernando Garcez de Melo afirma que a instituição da Comissão nacional do
Livro Didático – CNLD (1938) foi “a primeira preocupação oficial com o livro
didático no Brasil” (Melo, 2012, p. 15). A iniciativa de avaliar, certificar e
disciplinar, enfim, de regular a circulação de livros didáticos no Brasil
justificou-se a partir do interesse de disseminar da “ideologia dominante” (Melo,
2012, p. 17), mas enfrentou problemas na sua efetivação, dada a “imensa
burocracia e a incapacidade de executar e materializar a política do livro
didático” (Melo, 2012, p. 18). Tais regras foram modificadas com a emergência
da ditadura militar de 1964, que manteve a tendência centralizadora, difusora
de ideologia, embora sob a ótica do tríptico tecnicista originário dos Estados
Unidos: racionalidade, eficiência e produtividade.
Com o
fim da ditadura militar, as políticas públicas educacionais são elaboradas no
solo social do conflito entre dois “projetos de reestruturação do poder e de
representação de interesses”: o liberal-corporativo (neoliberalismo) e o da
democracia de massas. (Cf. Melo, 2012, p. 40). Sob a predominante visão neoliberal,
o Estado brasileiro efetiva a regulação da educação pública em três dimensões (mediante seus respectivos instrumentos): 1. regulação transnacional – conferência de Jomtiem
(Para lembrar ao leitor, é aquele evento do qual saiu o relatório Delors que
disseminou as competências básicas da educação escolar no globo: saber, fazer, conviver e ser); 2. regulação nacional – Parâmetros Curriculares Nacionais
- PCN, Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB e Programa Nacional do
Livro Didático - PNLD; e 3. regulação local – estratégias de sobrevivência dos
profissionais docentes (apropriação das normas nacionais) diante das
estratégias de regulação nacional.
Mais recente Guia do Livro didático
para o ensino médio.
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Os
resultados relacionados diretamente à questão central são apresentados nos capítulos
III e IV da dissertação, que trata da percepção dos alunos e dos professores
sobre o programa, do detalhamento das diferentes formas de regulação, do
conflito entre as prescrições do Estado e as ações dos professores. Fernando afirma que a implantação do Programa atende aos interesses da indústria
editorial e é também fruto das demandas dos professores e alunos a respeito do
livro didático de história.
A
efetivação da política, entretanto, não se faz sem percalços. Professores, por
exemplo, reclamam da ausência das obras no ato da escolha, do escasso tempo
destinado pelo MEC para a seleção, do dispositivo da lista fechada (títulos
restritos aos apresentados no Catálogo
do PNLD), do não atendimento das suas opções de título, e da ausência da história
local nas obras que chegam até a escola.
Ainda
assim, alunos e professores (não obstante as mais variadas formas de uso desse
artefato) convergem na opinião de que a política do livro didático favorece o
acesso ao conhecimento e representa a conquista de um direito. Partindo do
depoimento de 11 docentes e 146 alunos, Fernando também reconhece que o
PNLD para o ensino médio é um instrumento de regulação do Estado. Entretanto,
tal regulação se manifesta, no caso de Goiânia, como “microrregulação e
autorregulação ético-política”. Em outras palavras, professores criam e ajustam
os livros “conforme as características, em especial, didáticas dos estudantes,
incluindo as temáticas regionais” (Melo, 2012, p. 142).
Por
este resumo, não é difícil reconhecer o valor do texto de Fernando. Ele fornece
uma narrativa clara sobre a história das políticas com foco no livro didático,
orienta-se por um quadro teórico, sustenta seus argumentos com fontes
autorizadas, e, por fim, avalia o mais robusto programa educacional
desenvolvido pelo MEC e, talvez, o maior, em termos de livro didático, em vigor
no mundo.
Aspecto do prédio principal da Faculdade de Educação da UnB |
Facilmente
reparáveis, os excessos referem-se, principalmente, às generalizações pouco refletidas
a respeito do papel centralizador e autoritário do governo Vargas, por exemplo,
do caráter pioneiro da Comissão Nacional do Livro Didático em termos de políticas
oficiais para o livro didático no Brasil, do rótulo de “liberal-escolanovista”
para os PCN de História, o denuncismo “ingênuo” sobre interesses e práticas
estatais para a difusão de determinada ideologia, e a condenação dos termos "racionalidade", "eficiência" e "produtividade" como inerentes à uma suposta teoria educacional de corte "tecnicista".
Os
senões, corrigidos nos próximos 30 dias (quando a dissertação será
disponibilizada em definitivo ao público), não maculam as suas virtudes. O
trabalho apresenta coerência entre enunciado da questão, objetivos e o seu autor
demonstra compreender bastante o “objeto realidade”, atributo raro em
profissionais que não estão na “linha de frente” das políticas públicas. Bons
exemplos dessa compreensão são o reconhecimento da impossibilidade de o livro
didático responder a todas as demandas legais e pedagógicas, seja do Estado,
seja de professores e alunos e, principalmente, a conclusão ponderada e
politicamente madura sobre relação sociedade política/sociedade civil, não
recaindo no ceticismo imobilista, que é fatal para quem estuda e atua em
políticas públicas educacionais.
A
dissertação de Fernando de Melo, por fim, ainda que de forma indireta (não era
a sua intenção), propicia aos estudiosos um bom exemplo de como a objetividade
das verdades nas ciências humanas são produzidas a partir da intersubjetividade
resultante do cruzamento de vários trabalhos produzidos sob regras do ambiente
acadêmico. Quem se der ao trabalho de examinar outros textos sobre apropriação
dos livros didáticos de história em estados como o Ceará e Minas Gerais poderá
surpreender-se com a semelhança nos resultados, apesar de as pesquisas
realizadas fora de Goiás/Brasília estarem orientadas por autores bem distantes de
Gramsci, a exemplo de Michel de Certeau e Roger Chartier.
Célio da Cunha (examinador), Fernando Garcez de Melo, Maria Abádia da Silva (orientadora) e Itamar Freitas (examinador). Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 24 abr. 2012. |
Para entrar em contato com o autor
Fernando Garcez de Melo <garcezgyn@hotmail.com>.
Conheça outra publicação de Fernando Garcez de Melo sobre livros didáticos
Para citar este texto
FREITAS,
Itamar. Política pública para o livro didático de história no Brasil (1938/2011).
Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/politica-publica-para-o-livro-didatico.html>.
Fontes das imagens
Goiânia. Disponível em: <www.brasil.com.br>. Capturado em: 25 abr 2012.
Guia do livro didático do ensino médio - história. Disponível em: <www.fnde.gov.br>. Capturado em: 25 abr. 2012.
Fernando Garcez de Melo. Foto de Rodrigo Garcez. Aparecida de Goiânia-GO, abr. 2012.
Célio da Cunha, Fernando Melo, Maria Abádia da Silva e Itamar Freitas. Foto de Rodrigo Garcez. Brasília, Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. 25, abr. 2012.
Guia do livro didático do ensino médio - história. Disponível em: <www.fnde.gov.br>. Capturado em: 25 abr. 2012.
Fernando Garcez de Melo. Foto de Rodrigo Garcez. Aparecida de Goiânia-GO, abr. 2012.
Célio da Cunha, Fernando Melo, Maria Abádia da Silva e Itamar Freitas. Foto de Rodrigo Garcez. Brasília, Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. 25, abr. 2012.
Outras postagens sobre esse tema
A ação do PNLD em Sergipe e a escolha do livro didático de história (2005/2007). Disponível em: < http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/12/acao-do-pnld-em-sergipe-e-escolha-do.html>.
Currículos e programas de outros tempos: a experiência dos estudos médios no Brasil (1820/2004). Disponível em: < http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/10/curriculos-e-programas-de-outros-tempos.html>.
Currículos e programas de outros tempos: a experiência dos estudos médios no Brasil (1820/2004). Disponível em: < http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/10/curriculos-e-programas-de-outros-tempos.html>.
Referências
MELO,
Fernando Garcez de. Política do livro didático
para o ensino médio: fundamentos e práticas. Brasília, 2012, 158 p.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de
Brasília.
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