A primeira missa no Brasil. Victor Meirelles (1860). |
Já
tive oportunidade de afirmar que a pesquisa acadêmica, nos últimos 20 anos
(Freitas, 2010, p. 202), tenta responder à questão investigando o espaço
ocupado pela experiência indígena nos livros didáticos (número de páginas,
capítulos, imagens, nomes próprios), os tempos e eventos aos quais a sua
atuação está relacionada (pré-história, colônia, tempo presente etc.), a
incorporação dos avanços da pesquisa de ponta nas áreas da história,
antropologia, arqueologia e linguística, e a incorporação da legislação
protetora dos direitos das sociedades indígenas. Em outras palavras, os
pesquisadores têm examinado o lugar da experiência indígena em termos de tempo,
espaço físico, correção acadêmica e correção jurídica na exposição de
informações.
Os
resultados têm se afastado um pouco do denuncismo e da vitimização,
características dos trabalhos das décadas de 70 e 80 do século passado,
problematizando os indícios sobre a experiência indígena a partir de novas
bases conceituais. Esse foi o caminho trilhado por Rodrigues. Ele buscou as
representações a partir do exame simultâneo de textos verbais e textos
iconográficos. Seu trabalho explora as mudanças e/ou permanências nas
representações, observando as apropriações que os autores/editores de livros
didáticos produzidos entre 1920 e 2010 fizeram do conhecimento veiculado pelas
grandes sínteses históricas. Da mesma forma, examinou os usos das imagens (de
uma mesma imagem) ao longo de quase um século.
Para
Rodrigues, enfim, as representações sobre indígenas nos livros didáticos de
história empregam a literatura historiográfica de síntese em ritmos e
intensidades diferenciados. No período 1920/1960, imagens e textos representam
povos indígenas como “atrasados, em baixo estágio civilizatório e fadados ao
desaparecimento”. As teses dominantes são extraídas de Varnhagem. É o tempo de
apelo à unidade das raças formadoras do Brasil e de forte caracterização dos
indígenas como essencialmente belicosos e antropófagos.
Batalha de Guararapes. Victor Meirelles (1879). |
Entre
1970 e 1990, os indígenas são representados como vítimas em meio às relações
entretidas com colonos, jesuítas e bandeirantes. Vigoram as teses de Francisco
Varnhagem e Caio Prado Júnior. Por fim, a partir da década de 2000, são
frequentes as representações dos indígenas como detentores de interesses legítimos,
diversificados em sua composição étnica, e em progressiva expansão demográfica.
As teses de Florestan Fernandes, acerca da religiosidade, antropofagia e da
guerra dominam os livros didáticos de história dessa época.
Sobre
os usos das imagens, Kleber Rodrigues conclui que há crescente interesse
didático na iconografia mais frequente nos livros (a de Victor Meireles). As
telas “A primeira missa no Brasil” e “Batalha de Guararapes” passam de
ilustração descontextualizada à fonte sobre a cena retratada, época e
interesses envolvidos na produção da obra de arte. Além disso, o sentido
sugerido para a leitura dos alunos e as teses empregadas na fundamentação
dessas leituras são bastante diferentes, demonstrando que “a antiga sentença de
Ferdnand Seausure (sd.) sobre a arbitrariedade de signos pode ser também
comprovada no exame das representações indígenas no livro didático de História”
(Rodrigues, 2012, p. 112).
O
trabalho foi examinado pelas professoras Regina Célia (UFPB) e Josefa Eliana
(UFS) que destacaram a relevância da pesquisa para o enriquecimento das
práticas escolares disseminadas pelo ensino de história, como também pela
contribuição que fornece à literatura sobre a veiculação da temática nesse momento
de implantação da lei 11.645/2008.
As
professoras também apontaram deficiências, a exemplo da reduzida generosidade
do autor com os possíveis leitores, uma vez que o trabalho não faz referência
direta a alguns clássicos que tratam da temática, nem historia a construção do
objeto. Mais importante, ainda, o trabalho insere obra de um especialista
quando o objetivo era empregar a historiografia de síntese como indicador da
pesquisa erudita. Também não detalha os critérios de seleção das fontes
(títulos e quantidades), e pouco informa sobre os testemunhos empregados no
relato sobre a construção das pinturas de Victor Meireles.
Kleber
Rodrigues justificou as omissões e comprometeu-se em corrigir os equívocos em
90 dias, que é o prazo regimental estabelecido pelo NPGED. No entanto, suas
principais conclusões já podem ser consideradas um avanço na compreensão das
representações da experiência indígena no livro didático de história ao longo
do século XX. Em primeiro lugar, a historiografia de síntese produzida por
historiadores-cânones fundamenta os livros didáticos e é incorporada em
intensidades e ritmos diferenciados (algo óbvio, mas que carece de
repercussão). Em segundo lugar, não é o
emprego de determinada imagem que caracteriza o livro como conservador e sim o
emprego que os autores fazem dela.
O
trabalho de Kleber Rodrigues só será disponibilizado em junho próximo. Mas podemos
conferir um pouco das ideias aprovadas pela banca agora mesmo, através do vídeo
abaixo.
Para citar este texto
FREITAS,
Itamar. Representações de indígenas nos livros didáticos de história.
Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/representacoes-sobre-indigenas-nos.html>.
Fonte das imagens
Victor Meirelles. “A primeira missa no Brasil”, 1860, óleo sobre tela,
268,0 x 356,0 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Victor Meirelles. “Batalha dos Guararapes”, 1879, óleo sobre tela, 494,5
x 923 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Outras postagens sobre esse tema
FREITAS,
Itamar. Experiência indígena e ensino de História nos currículos pós-primários
brasileiros (1841/2006)Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2010/11/experiencia-indigena-e-ensino-de.html>.
FREITAS, Itamar. Protagonismo indígena. Disponível
em: < http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2010/11/protagonismo-indigena.html>.
Referências
RODRIGUES, Kleber. Representações sobre indígenas em
textos escritos e imagéticos de livros didáticos de história do Brasil,
publicados entre 1920 e 2010. São Cristóvão, 2012. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de
Sergipe.
FREITAS,
Itamar. Temáticas indígenas nos livros didáticos de história regional. In: História regional para a escolarização
básica no Brasil: o livro didático em questão. São Cristóvão: Editora da
UFS, 2009. pp. 194-238.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÓtima defesa! Espero ter contato com o texto completo em breve!
ResponderExcluir(Kleber Gavião)