domingo, 8 de abril de 2012

Indígenas nos livros didáticos de história do Brasil

A primeira missa no Brasil. Victor Meirelles (1860).
Como os indígenas vêm sendo representados nos livros didáticos de história para a escolarização básica? A pertinência da pergunta se assenta no fato de o livro didático ser um importante instrumento de construção de identidades (de elaboração de “si” e do “outro”). Vem daí o primeiro interesse de Kleber Rodrigues que defendeu dissertação de mestrado há uma semana pelo Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação da Universidade Federal de Sergipe.
Já tive oportunidade de afirmar que a pesquisa acadêmica, nos últimos 20 anos (Freitas, 2010, p. 202), tenta responder à questão investigando o espaço ocupado pela experiência indígena nos livros didáticos (número de páginas, capítulos, imagens, nomes próprios), os tempos e eventos aos quais a sua atuação está relacionada (pré-história, colônia, tempo presente etc.), a incorporação dos avanços da pesquisa de ponta nas áreas da história, antropologia, arqueologia e linguística, e a incorporação da legislação protetora dos direitos das sociedades indígenas. Em outras palavras, os pesquisadores têm examinado o lugar da experiência indígena em termos de tempo, espaço físico, correção acadêmica e correção jurídica na exposição de informações.
Os resultados têm se afastado um pouco do denuncismo e da vitimização, características dos trabalhos das décadas de 70 e 80 do século passado, problematizando os indícios sobre a experiência indígena a partir de novas bases conceituais. Esse foi o caminho trilhado por Rodrigues. Ele buscou as representações a partir do exame simultâneo de textos verbais e textos iconográficos. Seu trabalho explora as mudanças e/ou permanências nas representações, observando as apropriações que os autores/editores de livros didáticos produzidos entre 1920 e 2010 fizeram do conhecimento veiculado pelas grandes sínteses históricas. Da mesma forma, examinou os usos das imagens (de uma mesma imagem) ao longo de quase um século.
Para Rodrigues, enfim, as representações sobre indígenas nos livros didáticos de história empregam a literatura historiográfica de síntese em ritmos e intensidades diferenciados. No período 1920/1960, imagens e textos representam povos indígenas como “atrasados, em baixo estágio civilizatório e fadados ao desaparecimento”. As teses dominantes são extraídas de Varnhagem. É o tempo de apelo à unidade das raças formadoras do Brasil e de forte caracterização dos indígenas como essencialmente belicosos e antropófagos.
Batalha de Guararapes. Victor Meirelles (1879).
Entre 1970 e 1990, os indígenas são representados como vítimas em meio às relações entretidas com colonos, jesuítas e bandeirantes. Vigoram as teses de Francisco Varnhagem e Caio Prado Júnior. Por fim, a partir da década de 2000, são frequentes as representações dos indígenas como detentores de interesses legítimos, diversificados em sua composição étnica, e em progressiva expansão demográfica. As teses de Florestan Fernandes, acerca da religiosidade, antropofagia e da guerra dominam os livros didáticos de história dessa época.
Sobre os usos das imagens, Kleber Rodrigues conclui que há crescente interesse didático na iconografia mais frequente nos livros (a de Victor Meireles). As telas “A primeira missa no Brasil” e “Batalha de Guararapes” passam de ilustração descontextualizada à fonte sobre a cena retratada, época e interesses envolvidos na produção da obra de arte. Além disso, o sentido sugerido para a leitura dos alunos e as teses empregadas na fundamentação dessas leituras são bastante diferentes, demonstrando que “a antiga sentença de Ferdnand Seausure (sd.) sobre a arbitrariedade de signos pode ser também comprovada no exame das representações indígenas no livro didático de História” (Rodrigues, 2012, p. 112).
O trabalho foi examinado pelas professoras Regina Célia (UFPB) e Josefa Eliana (UFS) que destacaram a relevância da pesquisa para o enriquecimento das práticas escolares disseminadas pelo ensino de história, como também pela contribuição que fornece à literatura sobre a veiculação da temática nesse momento de implantação da lei 11.645/2008.
As professoras também apontaram deficiências, a exemplo da reduzida generosidade do autor com os possíveis leitores, uma vez que o trabalho não faz referência direta a alguns clássicos que tratam da temática, nem historia a construção do objeto. Mais importante, ainda, o trabalho insere obra de um especialista quando o objetivo era empregar a historiografia de síntese como indicador da pesquisa erudita. Também não detalha os critérios de seleção das fontes (títulos e quantidades), e pouco informa sobre os testemunhos empregados no relato sobre a construção das pinturas de Victor Meireles.
Kleber Rodrigues justificou as omissões e comprometeu-se em corrigir os equívocos em 90 dias, que é o prazo regimental estabelecido pelo NPGED. No entanto, suas principais conclusões já podem ser consideradas um avanço na compreensão das representações da experiência indígena no livro didático de história ao longo do século XX. Em primeiro lugar, a historiografia de síntese produzida por historiadores-cânones fundamenta os livros didáticos e é incorporada em intensidades e ritmos diferenciados (algo óbvio, mas que carece de repercussão).  Em segundo lugar, não é o emprego de determinada imagem que caracteriza o livro como conservador e sim o emprego que os autores fazem dela.
O trabalho de Kleber Rodrigues só será disponibilizado em junho próximo. Mas podemos conferir um pouco das ideias aprovadas pela banca agora mesmo, através do vídeo abaixo.






Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Representações de indígenas nos livros didáticos de história. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/representacoes-sobre-indigenas-nos.html>.

Fonte das imagens
Victor Meirelles. “A primeira missa no Brasil”, 1860, óleo sobre tela, 268,0 x 356,0 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Victor Meirelles. “Batalha dos Guararapes”, 1879, óleo sobre tela, 494,5 x 923 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Outras postagens sobre esse tema
FREITAS, Itamar. Experiência indígena e ensino de História nos currículos pós-primários brasileiros (1841/2006)Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2010/11/experiencia-indigena-e-ensino-de.html>.
FREITAS, Itamar. Protagonismo indígena. Disponível em: < http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2010/11/protagonismo-indigena.html>.

Referências
RODRIGUES, Kleber. Representações sobre indígenas em textos escritos e imagéticos de livros didáticos de história do Brasil, publicados entre 1920 e 2010. São Cristóvão, 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe.
FREITAS, Itamar. Temáticas indígenas nos livros didáticos de história regional. In: História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em questão. São Cristóvão: Editora da UFS, 2009. pp. 194-238.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Ótima defesa! Espero ter contato com o texto completo em breve!
    (Kleber Gavião)

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