terça-feira, 25 de novembro de 2014

Base Nacional Comum do Currículo em debate

Detalhe do cartaz do evento.
Hoje pela manhã (25/11/2014), quatro especialistas compuseram mesa redonda, no salão nobre da Faculdade de Educação da Unicamp, que pautou o assunto da hora: a formação da Base Nacional Comum do Currículo (BNCC). Só para rememorar, a BNCC é uma exigência do Plano Nacional da Educação (PNE), discutido pela sociedade civil e pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma em junho último, ou seja, é lei que deve ser posta em prática em 2017. E isso altera (imediatamente, durante ou após a implantação, ainda não o sabemos) a formação de professores e a produção de material didáticos para todas as áreas e níveis de ensino.
Carlos Artexes Simões
Ítalo Dutra
Na plateia, algo em torno de duzentas pessoas: doutorandos, professores universitários de diferentes áreas, gestores educacionais, sujeitos interessados na elaboração e avaliação de políticas públicas educacionais, inclusive docentes formadores de professores de história da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). 
Na mesa, Carlos Artexes Simões, ex-diretor de currículo da educação básica da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC, 2008/2011) e Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET/RJ), Monica Ribeiro da Silva, professora na Faculdade de Educação (FE) e Coordenadora do Observatório de Ensino Médio na Universidade Federal do Paraná (OEM/UFPR), Ítalo Dutra, professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CA/UFRGS), atual Coordenador Geral de Ensino Fundamental, da Diretoria de Currículos e Educação Integral, da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC) e a moderadora Nora Krawczyk, do Grupo de Políticas Públicas e Educação (GPPEU) e da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp).
Nora Rut Krawczyk
Monica Ribeiro da Silva
Vou resumir algumas das principais teses comunicadas pelos palestrantes, sem a intensão de ser fiel à quantidade e a ordem dos argumentos. Mesmo porque o debate foi transmitido ao vivo e deverá ser disponibilizado na rede mundial de computadores em poucos dias. A ideia aqui é somente registrar a discussão e estimular os colegas a acompanharem “o rumo da prosa”, que muito nos interessa.
A fala da professora Mônica eu não assisti. Para quem não mora em Campinas, participar de um debate na Unicamp, saindo de São Paulo no mesmo dia do evento, é uma  Odisseia (e tem gente que diz que Ceilândia é longe do Plano Piloto!). Em síntese: atrasei e o que sei é o que contou meu colega de plateia. Portanto, é mais sensato silenciar e acompanhar os originais quando a Unicamp os disponibilizar.
A fala do professor Simões, assisti de modo integral. Bastante irreverente, o palestrante cativou a plateia com o seu modo irônico de criticar a iniciativa do PNE e do MEC. Três frases resumem o seu discurso: 1. a BNCC é desnecessária e é impossível de ser efetivada, já que uma lei não constrói o real; 2. o Brasil é muitíssimo diverso e uma base pode se transformar em currículo único, o que seria um desastre; e 3. o debate (ou os debatedores) de uma base nacional comum vende(m) a ilusão de que os problemas educacionais brasileiros seriam todos equacionados a partir da construção do um documento.
No momento estendido à manifestação da plateia, questionei o professor sobre que fazer diante de um fato: a lei que institui o PNE prescreve a BNCC como uma de suas metas. A resposta dele foi simples e direta: “desobediência civil”. É mais uma lei que a gente faz e finge que cumpre, complementou.
Ilustração do Portal do PNE, criado pelo MEC.
A apresentação do professor Ítalo Dutra, que substituía a coordenadora de Currículos da SEB/MEC, foi um convite à ponderação. O palestrante tratou de informar que o debate é antigo e adiantou os poucos consensos do MEC a respeito da prescrição do PNE. Afirmou que o Ministério vivencia a transição conceitual e operatória das “expectativas de aprendizagem” para os “direitos de aprendizagem” – em curso no MEC nos últimos três anos. Isso significa sair da espera para chegar à responsabilização. Tema bom, que não foi explorado a contento por causa do tempo. Por fim, o que nos interessa de perto, Dutra informou que um grupo de aproximadamente 50 especialistas trabalha em um texto (uma espécie de carta que reúne os principais “direitos de aprendizagem e desenvolvimento”) e vai nortear a discussão, a ser conduzida por uma ampla rede de instituições que lidam com as políticas educacionais.
O professor Dutra foi claríssimo: o MEC não vai fazer a o texto da BNCC. O MEC vai coordenar a discussão e a construção do documento. O que é consenso na atual equipe da SEB (sobre a qual não se sabe o destino, após dois de janeiro) é que os objetivos educacionais devem ser elaborados, em última instância pelos operadores do sistema: os professores. Também é consenso que a BNCC excederá os conhecimentos conceituais e que a discussão sobre a mesma deve ser transformada em uma iniciativa de formação. Isso implica dizer que serão produzidos materiais que circularão em todas as escolas para envolver, viabilizar e estimular a participação de todos os docentes. 
Detalhe da capa de um dos Cadernos do Pacto Nacional
Pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Produção do
Observatório Nacional do Ensino Médioda UFPR,
um dos organizadores do evento.
Terminadas as falas, a plateia foi convidada a questionar e posicionar-se. O interesse foi grande e a seção se estendeu até as 13h, aproximadamente. Entre as principais temáticas, destaco: a denúncia de que já existe uma base nacional e ela é construída pelos livros didáticos e a reiteração de antigo pleito do Unicef: uma base ou qualquer outro documento que assegure juridicamente o direito de aprender (dos alunos afrodescendentes e indígenas, por exemplo). 
Os palestrantes também foram questionados: sobre a limitação das contribuições dos professores da educação básica, dada a precariedade da sua formação; sobre o possível esgotamento da BNCC já que o MEC reserva ao ambiente escolar a elaboração dos objetivos educacionais; sobre as razões para o MEC não definir a referida BASE, já que é função do órgão produzir e implantar políticas para o setor (questão da professora Nora Krawczyk, a moderadora do debate); sobre a semelhança entre base nacional comum e as diretrizes curriculares para o ensino fundamental em vigor; acerca da razão do não uso do termo parâmetros curriculares; o motivo de o MEC coordenar um documento pouco prescritivo, pois objetivos gerais induzem a interpretações variadas, transformando a provável base em um instrumento inócuo.
Ao final do debate, penso que ampliei as minhas convicções acerca do tema em discussão. Em primeiro lugar, sobre a frase mais repetida da seção: “ter um texto de base” não é ter uma base nacional comum”. A sentença é óbvia (lembra aquele tipo de questão de epistemologia que os nossos calouros de história odeiam: "o real existe por si mesmo ou é construído pela nossa retina?). Contudo não ter “um texto base” não significa "não ter uma base nacional comum". Ela já existe. O poder não admite vácuo. Professores demandam sobre fins, estratégias de ensino, valores e habilidades a desenvolver e conhecimentos conceituais-factuais a comunicar. Na ausência da orientação na formação inicial (e mesmo na existência dela), professores seguem a Matriz do Enem ou (e) os materiais didáticos distribuídos pelo MEC, mas não construído por ele (o MEC).
Detalhe da capa da brochura
Núcleo comum dos conhecimentos e
das competências
na França
Se depois da ressaca da globalização as nações (bem reais) não sucumbiram, como apocalipticamente pensavam alguns colegas meus, no início da década de 90 do século passado (sou velho), se depois dos tão criticados exames transnacionais como o PISA, Espanha, França, Estados Unidos – países tão diferentes em termos de formação étnica, sistema político, contingente populacional, poder de intervenção no concerto das nações estão às voltas com os seus Common Core Curriculum, Socle Commun etc. porque o Brasil seria, exatamente, na relação Estado-sociedade-educação escolar uma espécie de planta exótica? Porque aqui não se pode sequer discutir a possibilidade de uma base nacional comum para a educação escolar básica – um instrumento existente, de certo modo, até mesmo, no caso de História, nos desenhos curriculares das universidades públicas? (Alguém classifica como sério um curso que não possua em sua grade as disciplinas de teoria da história, metodologia da história, história da historiografia, introdução à história, por exemplo? Essas matérias não constituem parte de uma espécie de BNCC do ensino superior?).
Outra convicção reforçada, e aqui já vou encerrando este texto, tem a ver com o papel do MEC nessa iniciativa. Penso que cabe, sim, ao Ministério a produção de um texto comunicando uma base nacional comum de finalidades e conteúdos para todas as áreas e todos os níveis de ensino. A presidente, o ministro da educação, o secretário da educação básica e o coordenador de currículos da SEB têm legitimidade para isso. É uma legitimidade concedida pelas urnas, ou seja, pelos movimentos sociais ou pela sociedade civil, como queiram. Não foi essa a prática democrática que muitos de nós defenderam nos últimos 30 anos, a apresentação de programas políticos em disputa e a eleição direta de um gestor para implantar o projeto vencedor?
É claro que as consultas são necessárias, mas o MEC não pode ficar refém de uma discussão interminável que envolverá mais de cerca de 2,5 milhões de professores, com interesses os mais diversos, reservas de emprego (não se pode falar em mercado), sensibilidades afloradas por medo de perder esse ou aquele espaço nos títulos das prescrições e nas plaquetas que identificam os edifícios e salas das instituições, na distribuição do tempo (cronológico) escolar, além das lutas que envolvem as singularidades dos níveis de ensino, ideologias e dos diferentes graus de engajamento em relação à extensão do direito de o aluno aprender algo, entre outros. Qual a sua posição?
Uma síntese da experiência estadunidense mais recente de
construção de uma base nacional comum
Na saída da seção, um colega da matemática (professor universitário) me confidenciou: “saio dessa sala com a impressão de que o pessoal das humanas e sociais odeia tudo que cheire a resultado. Qualquer coisa que remeta a objetivos, avaliação, cobrança etc. é visto como autoritarismo. Autoritarismo (de esquerda) é o que tentam fazer aqui: impedir que os professores da escola básica sejam informados claramente sobre o que o aluno deve aprender, partindo a obtusa ideia de que ninguém tem autoridade para dizer o que é ou não minimamente indicado a ser ensinado na escola (para que servem esses títulos de doutorado, então?). A postura de dizer que não há diferença entre a ignorância e o saber é tão autoritária quanto a denunciada intensão de querer prescrever conteúdos para a maioria da população brasileira. Nesse ambiente surreal, quem sai ganhando, mais uma vez, são os empresários, que parecem ter descoberto, há algum tempo, a necessidade de planejar, observar o que está dando certo e não ter medo de corrigir e prescrever novos rumos”.

Acho que chega, por hoje! 
Na próxima, tratarei, novamente, de alfabetização e ensino de história. Dessa vez, dialogando com algumas posições da professora Margarida Oliveira.

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