domingo, 25 de abril de 2004

A História de Sergipe na escola republicana

O lagartense Laudelino de Oliveira Freire (1873/1937) já era professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro há cinco anos, quando resolveu publicar uma História de Sergipe. Laudelino também estava enfronhado com o que havia de mais “novo” em termos de pesquisa geográfica (geológica) e histórica no Brasil. Era amigo do Manoel dos Passos de Oliveira Teles – tradutor de John Casper Branner – e estava fisicamente próximo de Capistrano de Abreu e João Ribeiro, sem contar a amizade do irmão mais velho – Felisbelo Freire – que poderia ser convocado em caso de dúvida capital. Apesar disso, seria sensato supor que o professor Laudelino transportaria todo o cacife para a elaboração da sua História de Sergipe (1898)? Que formato ganhou esse primeiro livro didático de história local?
História de Sergipe era destinada “à instrução primária da juventude sergipana”. Provavelmente, pelo programa de ensino, serviria como uma introdução aos conteúdos de história do Brasil. Constituía-se, como indica a “advertência”, num “pequeno resumo”, fundado “especialmente” na única obra escrita sobre o assunto – a História de Sergipe” de Felisbelo Freire (1891).
Ocorre que esta última história era obra de erudição. Discorria sobre teoria da história, comentava as recentes conquistas da etnografia e da arqueologia sobre a pré-história americana, fazia longas citações sobre a geologia local em francês, transcrevia manuscritos do século XVI com a grafia original e ensaiava uma monografia sobre a questão de limites entre Sergipe e Bahia.
Pensando nos pequenos leitores, Laudelino foi logo tratando de escoimar o seu livro didático de todo esse instrumental que dava à História do irmão um caráter científico e cientificista, como até hoje atribuímos. O texto ficou bem mais curto. Listas de governantes migraram para os pés de página. As frases em ordem direta, a raridade da paráfrase e da condensação, os parágrafos obedecendo ao tempo cronológico deram um ritmo ligeiro à narrativa.
Esses arranjos fizeram com que a história de Sergipe fosse resumida à seguinte seqüência: conquista do território, colonização, invasão holandesa, reconquista portuguesa, criação da comarca, elevação à capitania, independência, disputas partidárias, mudança da capital, presença da cólera e, por fim, a vida republicana nos períodos ditatorial e constitucional.
Mas, o livro base – o de Felisbelo Freire – tinha outros inconvenientes. Nada dizia sobre o “descobrimento do Brasil” – ocorrido pouco antes do nascedouro da Capitania de Francisco Pereira Coutinho (1534) – e, praticamente, encerrava-se com o evento da mudança da capital (Aracaju, 1855). Para cobrir as lacunas, Laudelino utilizou-se de obras de Capistrano de Abreu (1883), Antônio J. S. Travassos (1875) e de Balthazar Góis (1891). Corrigiu o livro do irmão no que diz respeito às divisões geográficas do território e a descrição da hidrografia, detalhou e expandiu a exposição sobre a fauna e da flora de Sergipe, e estendeu o registro histórico até o ano de 1896.
Tantas mudanças assim poderiam sugerir que um novo livro fora elaborado sob os pontos de vista didático e de informação histórica. E isso, em parte, ocorreu. O problema é que os cortes, enxertos e adaptações não desmontaram os principais pilares edificados por Felisbelo, tais como: a periodização, a idéia de fato histórico e a forma expositiva. No texto de Laudelino Freire, a história de Sergipe permaneceu seccionada pelo critério político – colônia, império, república. Era a evolução do Estado de Sergipe, dentro da evolução do Estado brasileiro que se buscava.
Não obstante a abertura para o exame de um fato social de grande impacto – a epidemia de cólera –, a intriga entre partidos e entre autoridades, a rebelião, a invasão, a fraude eleitoral e os atos de heroísmo representavam bem o que se queria transmitir como fato histórico. A disposição de “acontecimentos notáveis” numa cronologia progressiva, a estratégia de listar os feitos de cada administrador e os poucos sobrevôos interpretativos durante a obra também conservaram os “quadros de ferro” presentes na obra de Felisbelo Freire. No livro de Laudelino, nada de ilustrações, nada de sinopses ou conclusões, nem uma representação espacial do pequeno torrão sergipano – um mapa! Em suma: o “intuitivo” do método de ensino prescrito para o primário local ficou só na intenção.
No Colégio Militar (RJ), pouco antes de a obra vir a público, Laudelino fazia uso da vulgata pedagógica do século XIX – partir do concreto para o abstrato, levar em conta o interesse do aluno –, mantinha a idéia de desenvolvimento das faculdades da criança (inteligentemente orientado pelo professor), defendendo a implantação de uma “cultura lógica e racional para o ensino primário” (cf. Freire, 1895). Mas, daí a transferir esse conjunto de princípios para a elaboração de um moderno livro didático de História eram outros longos passos que esperariam, pelo menos, uma década e meia para florescer na instrução sergipana, pelas mãos de Elias Montalvão (1916).
Por outro lado, é sensato, também, compreender que a opção – ou a falta da opção – de Laudelino Freire estivesse relacionada as suas idéias de ensino de história e de história local e às práticas escolares em vigor. Em tal sentido, o caráter de catecismo cívico atribuído à disciplina e a hegemonia da preleção e da sabatina em sala de aula demarcam bem a utilidade da História de Sergipe na instrução pública, postando-se como um grande óbice às tentativas de mudança no formato do livro didático republicano.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A história de Sergipe na escola republicana. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 25 abr. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >

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