domingo, 4 de abril de 2004

O “Esboço” do Padre Aurélio

Na edição n. 62 (14-20/03/2004), informei sobre rumores da publicação do terceiro volume do “Esboço biográfico de Inácio Barbosa”, escrito pelo Padre santamarense Aurélio Vasconcelos de Almeida (1911/1999). Como dizem os populares, “queimei a língua”. O livro já estava pronto. Foi lançado quarta-feira (18/03/2004), na Biblioteca Clodomir Silva, como parte dos festejos do 149º aniversário de Aracaju.
É bem mais apresentável esse terceiro volume. Capa com foto recriada, imagem do autor, diagramação mais adequada à leitura – fontes com serifa, melhor espaçamento entre linhas etc. Pena que o conteúdo não corresponda ao progresso ocorrido na formatação, comparando-se com os dois volumes precedentes. A obra parece ter perdido o fôlego. Praticamente dois terços do livro são ocupados com transcrições. Autógrafos, somente os dois capítulos iniciais.
No primeiro, Aurélio de Almeida vai até o período cabralino para demonstrar a tradicionalidade da devoção à Maria no Brasil. Inácio Barbosa foi o introdutor oficial da prática em Aracaju, sendo esse mais um ponto positivo na biografia do fundador. E mais: segundo Almeida, Aracaju estava predestinada para receber a proteção da virgem. A “convergência de certos fatos históricos” como os nomes do vapor (Conceição) que trouxe da Corte a aprovação da mudança da capital, do primeiro hospital de caridade e do nosso primeiro cemitério demonstram a “predestinação da cidade mariana”. (Cf. p. 44-45)
No capítulo seguinte, são descritos os esforços dos aracajuanos no sentido de resolver o principal problema da nova cidade: a insalubridade – problemas com a qualidade da água, habitações, atendimento médico, ausência de calçamento e capinagem de ruas e praças, e de drenagem e aterro de lagoas. O Pe. Aurélio se esforça para comprovar que tais questões não eram privilégio de Aracaju e nem de Sergipe. A conclusão é que “a tenacidade heróica dos aracajuanos debelou enfim o mal da terra, a malária, e a cidade prosperou engrandecendo a Província de acordo com as previsões do seu fundador. Cem anos depois de fundada [Aracaju continuava a ser] uma praça regular de comércio.” (Almeida, 2003, p. 75).
Os capítulos restantes apresentam os poetas da cidade – José Maria Gomes de Souza Júnior e Álvares dos Santos –  com suas obras elogiosas e vão reconduzindo o texto na direção do objeto principal que é a vida de Joaquim Inácio Barbosa Filho. Neles, são reunidas as principais homenagens ao fundador de Aracaju e a sua biografia vai se estendendo por anos após a sua morte.
Neste último volume, é obvio, o Pe. Aurélio continua abusando das longas citações diretas. Mas, esse “deixar falar os documentos” põe o historiador em situações curiosas. Ele parece abonar os conceitos e as explicações dos médicos, dos engenheiros do século XIX, sobre a situação sanitária de Aracaju, por exemplo.
O esforço de crítica histórica, levado ao extremo, também provoca situações embaraçosas como aquela em que tenta extrair correspondência entre a “informação documentária” e a poesia da “verve popular”, cobrando “originalidade” de quadrinhas produzidas pelos moradores da antiga São Cristóvão. É um caso de hiper crítica sobre o ato criativo anônimo e coletivo da literatura folclórica. É um excesso de zelo desproporcionado com o “método histórico”, haja vista que a “verve” dos poetas de Aracaju não sofreu o mesmo tratamento e foi relacionada, neste terceiro volume, em capítulo destacado.
Nos capítulos finais, que tratam das homenagens a Barbosa, e no apêndice são transcritos os principais documentos utilizados no preparo da obra. É importante destacar entre essas fontes o raro relato sobre as solenidades de transferência dos restos mortais do fundador, ocorridas em Estância em Aracaju no ano de 1858. (Dele só conheço dois exemplares: um no Arquivo Nacional, e outro no IHGS). As transcrições, todavia, não contemplam apenas o estado do corpo e do caixão, o tipo de “licor desinfetante” derramado sobre os ossos e nem as vestes com as quais o finado defunto fora enterrado. Perfis de Barbosa, informes sobre os primeiros meses da nova cidade, publicados em jornais de Aracaju e do Rio de Janeiro, o projeto de mudança da capital, a repercussão desse fato também são alvos da recolha do Pe. Aurélio.
Entre os documentos trazidos como apêndice, também é forçoso destacar a transcrição das legendas das plantas de Aracaju (1855/1857), elaboradas pelo engenheiro Francisco Pereira da Silva. As plantas foram recuperadas por Fernando Porto e anexadas em seu trabalho “A cidade do Aracaju”. Mas, não se sabia o significado da maioria das letras espalhadas nos originais. Depois da pesquisa do Pe. Aurélio na Biblioteca Nacional, ganham maior inteligibilidade os documentos publicizados por Fernando Porto em 1945.
Com o lançamento desse volume e o encerramento da tríade, fica assim, dada a última palavra sobre o caráter de Inácio Barbosa, os primeiros anos de Aracaju e o salto desenvolvimentista alcançado por Sergipe a partir da mudança da capital. Mas, é preciso notar que alguns temas tocados no livro já encontraram alguns especialistas, tais como: a situação sanitária da cidade (Antônio Samarone), as manifestações teatrais da jovem barbosópolis (Antônio Passos), e a vida religiosa, sobretudo, a instituição da Diocese de Aracaju (Péricles Andrade).
Resta, agora, esperar não apenas pelo aprofundamento dos registros do Padre Aurélio, mas também aguardar um pesquisador que se habilite a estudar o conjunto da sua obra que tem como eixos dominantes as experiências religiosa e política de Aracaju e de Sergipe no século XIX.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. O esboço do Padre Aurélio. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 04 abr. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

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