domingo, 29 de abril de 2012

A pesquisa sobre o aprendizado histórico


Casarão onde morou Anísio Teixeira, Atual sede da Biblioteca Municipal que leva o seu nome. Caetité-BA, 2012.

Colegas, é um prazer estar com vocês nesta noite de sexta-feira, aqui na Universidade do Estado da Bahia, campus de Caetité-BA, falando sobre ensino de história. Quero agradecer aos organizadores do VI Encontro de História, sobretudo, à professora Luciana Oliveira, a quem conheci pela rede, trocando informações sobre a história do ensino no Brasil e na Espanha, e aos professores Jairo Nascimento e Antonieta Miguel pela acolhida na cidade e nas dependências desta Universidade. É também um prazer conhecer novos pesquisadores, como o professor Eduardo Leite que partilha conosco um pouco da sua experiência nessa mesa redonda.
O tema indicado foi “A pesquisa no ensino de história”.  Ele sugere o estudo sobre a investigação como estratégia didática em sala de aula e o trabalho diacrônico ou sincrônico sobre o estado da arte. Mas ele convida também a uma explanação sobre a tópicos privilegiados pela pesquisa na área. Aqui, tomo este último caminho. Falarei brevemente sobre a posição de pesquisadores brasileiros e estrangeiros a respeito do que deve saber e saber fazer o professor de história, enfatizando a ideia de que as práticas relacionadas ao ensino de história dependem da reflexão realizada em diferentes áreas.
Em seguida, verticalizo essa convergência analisando dois estudos que se debruçam sobre a ideia de aprendizagem histórica, respectivamente, na Alemanha e nos Estados Unidos.

A pesquisa sobre os saberes e fazeres necessários ao professor de história
Em trabalho recente, questionei sobre os conhecimentos e as habilidades que o futuro profissional de História deveria possuir para bem exercer o seu ofício. O que deve o licenciado em História “saber” e “saber fazer” para ser considerado minimamente capacitado à docência nos domínios de Clio? (Cf.Freitas, 2011). Na ocasião justifiquei a relevância dessa questão. Ela ajuda a criticar e a redefinir os currículos dos cursos de formação inicial e continuada nas áreas de História e Pedagogia e também as formas de avaliação interna e externa desses cursos.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite
Afirmei também que os indícios, conselhos e até prescrições sobre os requisitos do “bom professor” de História podem ser flagrados nos textos de epistemólogos da História na Alemanha e na França como os de Jörn Rüsen (2007) e de Pierre Villar (1985). A mesma atitude percebemos em pesquisadores do ensino de História em Portugal, na Inglaterra, Espanha, Itália e França, a exemplo de Isabel Barca (2006), Peter Lee (2002, 2006), Geoff Timmins, Keth Vernon e Christine Kinealy (2005), José Armas Castro (2001), P. James Shaver (2001), Joaquín Pratz (2006), Ivo Matozzi (1998), e Evelyn Héry (2000).
No Brasil recente, refletiram sobre a formação do professor de História, por exemplo, Ana Maria Monteiro (2007), Flávia Caimi (2008), Selva Guimarães Fonseca e Marcos Silva (2009), Ana Nemi, João Carlos Martins e Diego Luiz Escanhuela (2009).
A que conclusões, portanto, chegaram esses pesquisadores sobre os conhecimentos e habilidades fundamentais ao exercício da docência em história? Em primeiro lugar, os teóricos da História e do ensino de História, pesquisadores preocupados com a formação de professores de História divergem quanto às fontes, justificativas e conceitos empregados em suas argumentações. Uns se esmeram para firmar uma razão histórica. Outros se empenham em justificar a História-ciência como instrumento de justiça social, ou, ainda, de aproximá-la como saber prioritário no desenvolvimento humano e, como tal, submetido aos princípios construtivistas.
Esses mesmos teóricos, radicados na Inglaterra, França, Espanha, Itália e Brasil, se aproximam ao explicitarem as habilidades e os conhecimentos. Em termos de habilidade, predominam os processos cognitivos básicos – conhecer, reconhecer e aplicar – em detrimento das ações de criar e criticar. Em termos de conhecimentos, são dominantes os conteúdos reconhecidos como típicos da ciência da História (50%), seguidos da matéria produzida nos limites da Pedagogia (40%), Psicologia, Geografia e Linguística (10%).
Da História, os teóricos apontam como fundamental o domínio de conteúdos conceituais e factuais da historiografia, procedimentos da pesquisa histórica e conteúdos também conceituais e factuais da teoria da história, história da historiografia e epistemologia histórica. Da Pedagogia, são esperados o domínio de conhecimentos conceituais e factuais e procedimentais relacionados, principalmente, aos campos da Didática e do Currículo. Os demais conhecimentos requisitados são tidos como responsáveis por desenvolver no futuro professor a capacidade de se expressar e de situar-se espacialmente, de compreender os processos cognitivos e as singularidades do desenvolvimento do aluno.
Com essa síntese, temos um panorama das prescrições sobre conhecimentos e habilidades fundamentais ao exercício da docência em história. É fácil perceber, então, o assentimento de que o ensino de história é prática debitaria de várias especialidades, sendo dominantes a História e e a Pedagogia.
Quero, agora, verticalizar a minha fala, tratando de um prescrição que considero fundamental: o entendimento do conceito de aprendizagem histórica. Conhecer o sentido de aprendizado histórico é uma responsabilidade atribuída, ora à Pedagogia, ora à Teoria da História. Independentemente dos campos que reivindicam (ou excluem) a aprendizagem como categoria, considero ser esse o conceito mais importante para o ensino, depois, obviamente, da ideia de História. Por isso, apresento os resultados de algumas reflexões sobre a aprendizagem histórica, desenvolvidas na Alemanha e nos Estados Unidos, que começam a repercutir no Brasil.
Alunos do curso de licenciatura em História da UESB. Auditório do campus de Caetité-BA, 27 abr. 2012.

Sentidos germânico e norte-americano para a aprendizagem histórica
Nos trabalhos do teórico da história alemão Jörn Rüsen, a discussão sobre aprendizagem histórica é atribuída ao campo da didática da História. A didática tem como objeto a consciência histórica que é estruturada por processos (operações mentais) de pensamento que ficam por trás (ou na base?) dos conteúdos, determinando o comportamento das pessoas. A aprendizagem histórica ocorre nesses mecanismos de pensamento (Cf. Rüsen, 2010, p. 42). Ela é “um processo de desenvolvimento da consciência histórica no qual se deve adquirir competências da memória histórica” (Rüsen, 2010, p. 113)
Essas ideias de didática e de aprendizagem são mais inteligíveis quando (orientados por Rüsen) concebemos os humanos como seres constituídos por intelecto, vontade e sentimento. Todos os humanos pensam, ou seja, fazem uso do intelecto. Todos estão compelidos a viver no mundo e viver significa enfrentar as circunstâncias e tomar decisões. Enfrentar as circunstâncias e tomar decisões, por fim, os obriga a pensar a sua identidade e o seu lugar no mundo, isto é, pensar articulando presente, passado e futuro (pensar historicamente ou pensar sua condição social e individual no tempo).
De maneira ainda mais objetiva, portanto, pensar historicamente (para tomar decisões e se auto-afirmar) é o mesmo que mobilizar as operações de experimentar (o passado), interpretar (o passado como presente) e orientar-se (no presente visando o futuro). Esses três atos, segundo Rüsen (experiência, interpretação e orientação), podem ser reduzidos (de forma integrada) a uma só operação: a narrativa histórica.
É nesses três atos (operações) mentais que ocorre a aprendizagem e é, necessariamente, sobre esses (a partir desses ou com base nesses) atos mentais que o profissional da didática da história deve elaborar as “estratégias de ensino” (Cf. Rüsen, 2010, p. 43).
Bodo Von Borries
O profissional da Didática? Sim. Já afirmei também em outro trabalho que Rüsen confessa os débitos do ensino de história com outras especialidades, a exemplo do campo do currículo (Cf. Freitas, 2012). O próprio parceiro de trabalho do teórico alemão, Bodo Von Borries, comenta sobre as dificuldades de uso da sua teoria para o ensino de história (Cf. Borries, 2000, p. 253). Mesmo quando ensaia opinar sobre práticas cientificamente corretas (que viabilizem a construção de uma consciência histórica do tipo genético), Rüsen fornece indícios de incorporação da vulgata pedagógica que circula o ocidente desde a primeira metade do século passado (objetivos educacionais claros, respeito às peculiaridades cognitivas do aluno, seleção de conteúdos significativos para o aluno, inclusão de conteúdos relativos à satisfação de necessidades sociais, a ideia de reforço natural da disciplina e dialogismo).
Nos EUA, entre as décadas de 1980 e 1990, também houve preocupações com a renovação da ideia de aprendizagem histórica. Ao contrário da Alemanha (no exemplo aqui recortado), foram os especialistas em ciências da cognição e psicologia educacional que teorizaram sobre a matéria. Em 1999, grande revisão de literatura sobre a aprendizagem humana foi compilada e criticada, dando origem à publicação How students learn: history, mathematics, and science in the classroon (2005).
Resumindo as teses do primeiro relatório – How people learn: brain, mind, experience, and scholl (1999) [Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola], poderíamos concluir que a aprendizagem dos humanos fundamenta-se em três princípios: 1. a nova compreensão é fundada na compreensão e na experiência preexistente; 2. a aprendizagem compreensiva é aquisição de conhecimentos factuais e conceituais; e 3. a aprendizagem compreensiva se efetua com o automonitoramento do aluno sobre os objetivos, progressos e realizações na aquisição de conhecimentos e habilidades (Cf. Donovan, Bransford, 2005).
John Bransford
Tais princípios podem ser traduzidos por três conceitos circulantes nos cursos de licenciatura no Brasil: 1. significação (a importância das conexões entre novos conhecimentos e conhecimentos estabelecidos na mente do aluno); 2. conteúdos factuais (informações em detalhe – acontecimento, pessoa, data, lugar) e conceituais (informações agrupadas – nação, revolução); e 3. metacognição (conhecimento do aluno por si mesmo, especificamente, aprendizagem das próprias formas de aprendizagem). Isso nos leva a compreender a aprendizagem como um processo de aquisição de conhecimentos factuais e conceituais mediante o relacionamento entre o que o aluno já sabe e o que o professor lhe apresentará e o controle do aluno sobre suas metas, estratégias e resultados.
Conhecidos os princípios que fornecem uma compreensão ampliada da aprendizagem, resta a pergunta: como se desdobrá-los em estratégias para a realização da aprendizagem histórica? Dizendo de outro modo, se aprender é adquirir fatos e conceitos, conectá-los aos conhecimentos prévios num processo de autocontrole sobre as próprias metas, progressos na aquisição e realizações, o que seria então a aprendizagem histórica?
Essa resposta não é fornecida pelos especialistas da educação. Os pesquisadores das universidades de Washington, Harvard, Simon Frases, Michigan e Stanford (que formam o Committee on How people learn: a targeted report for teachers) delegam a pesquisadores ingleses que trabalham com o ensino de história a tarefa de desdobrar tais princípios em estratégias que viabilizem (e, consequentemente, nomeiem) a aprendizagem histórica.
Assim, para Rosalyn Ashby, Peter J. Lee e Denis Shemilt, os princípios da aprendizagem expressos no referido relatório transformam-se em princípios da aprendizagem histórica, que ganha a seguinte configuração: 1. os alunos relacionam novo conhecimento sobre o passado ao conhecimento preexistente (extraído da vida cotidiana do aluno); 2. os alunos adquirem conhecimentos factuais, que são melhor compreendidos quando acompanhados de conhecimentos metahistórico; e 3. os conhecimentos metahistóricos capacitam os alunos a monitorarem a sua aprendizagem histórica (reconhecer, selecionar, usar fontes, inferir etc.) e combatem dois problemas advindos do conhecimento e da experiência cotidiana do aluno: o anacronismo e a memorização automática. (Cf. Lee, 2005, p. 31-33, Ashby, Lee, Shemilt, 2005, p. 79-80).

Conclusão
Vimos, portanto, que a pesquisa nacional e estrangeira indica as áreas da História, Pedagogia, Psicologia, Geografia e Linguística como locus de teorias e práticas fornecedoras de competência docente.
Recortando ainda mais os domínios necessários à docência em história, tentei demonstrar que o segundo conceito mais importante do campo – aprendizagem histórica –, quando discutido sem sectarismos, é justificado a partir da teoria da história e dos domínios que no Brasil atendem pela rubrica de Educação. Nos exemplos aqui recortados – uma experiência germânica e uma experiência anglo-americana – os sentidos de aprendizagem histórica partem da Teoria da História para o refino nas áreas da Educação, mas também percorrem o sentido contrário, migrando dos domínios da pesquisa educacional para os domínios da história.
Em que medida essas duas experiências podem nos auxiliar a pensar a formação inicial e continuada dos professores de História? O que as discussões sobre a aprendizagem histórica, elaboradas em dois ambientes formadores de opinião no mundo, podem sugerir numa eventual discussão sobre as ementas dos cursos de licenciatura em História e em Pedagogia?

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A pesquisa sobre o aprendizado histórico. 29 abr. 2012. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/pesquisa-sobre-o-aprendizado-historico.html>.

Fontes das imagens
Biblioteca Municipal Anísio Teixeira. Caetité-BA. Foto de Itamar Freitas. 28 abr. 2012.
Professores Luciana Oliveira e Eduardo Leite. Foto de Itamar Freitas. 27 abr. 2012.
Alunos do curso de licenciatura em História no auditório da UESB-Campus de Caetité. Foto de Jairo Carvalho do Nascimento. 27 abr. 2012.
Bodo Von Borries. Disponível em: <www1.yadvashem.org 30 abr 2012>. Capturado em: 30 abr. 2012.
John Bransford. Disponível em: <www.washington.edu>. Capturado em: 30 abr. 2012.

Outras postagens relacionadas ao tema

Referências
ASHBY, Rosalyn, LEE, Peter J., SHEMILT, Denis. Putting principles into practice: teaching and planning. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005. pp. 79-178.
BORRIES, Bodo Von. Methods and aims of teaching history in Europe: A report on Youth and History. In: STEARNS, Peter, SEIXAS, Peter, WINEBURG, San. Knowing, teaching, and learning history: national and internacional perspectives. New York: New York Universty, 2000. pp. 246-261.
DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005.
FREITAS, Itamar. O livro didático ideal de Jörn Rüsen e a representação de uma didática para a história. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/03/o-livro-didatico-ideal-de-jorn-rusen-e.html>. Capturado em 25 mar. 2012.
FREITAS, Itamar. O que deve “saber” e “saber-fazer” o profissional de história? Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2011/04/o-que-deve-saber-e-saber-fazer-o.html>. Capturado em 2 mai. 2011.
LEE, Peter J. Putting principles into practice: understanding history. In: DONOVAN, M. Suzanne, BRANSFORD, John D. How students learn: history in the classroom. Washington: National Research Council of The national Academies, 2005. pp. 31-77.
RÜSEN, Jörn. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Editora da UFPR, 2010. (Organização de Maria Auxiliadora Smith, Isabel Barca e Estevão de Rezende Martins).

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Política pública para o livro didático no Brasil

Goiânia-GO. Locus da pesquisa sobre o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio - PNLEM.
Em Política do livro didático para o ensino médio: fundamentos e práticas, Fernando de Garcez de Melo, orientado por Maria Abádia da Silva (UnB), avalia o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio a partir da experiência local, ou seja, da escolha, distribuição e uso dos livros de História nas escolas de Goiânia, entre 2007 e 2011. No entanto, como vício ou virtude – proveniente, talvez, do quadro teórico adotado (Gramsci, Thompson, Coutinho, entre outros) –, ele ensaia uma história das políticas públicas brasileiras que têm o livro didático como foco, entre 1938 e 1994.
Por que vício? Porque não era necessário voltar à década de 1930 do século passado para avaliar uma política (ou um programa?) inaugurada na primeira década do século XXI. O início da história depende da pergunta central e esta me pareceu muito clara: “Como a política do livro didático possibilitou o acesso ao conhecimento escolar de história para os estudantes do ensino médio público diurno no município de Goiânia, de 2007 a 2011” (Melo, 2012, p. 3). A volta ao período Vargas – ou ao tempo do estado interventor, supostamente pioneiro na criação de políticas para o livro didático – talvez se justifique pela necessidade de demonstrar o papel das estruturas, daí o privilégio do exame num tempo conjuntural. Como desdobramento desta justificativa, o presente não seria bastante significativo como história (?).
Fernando Garcez de Melo
No entanto, o recuo no tempo aparece também como uma virtude. Isso porque, há mais de uma década, os pesquisadores que se debruçam sobre os livros didáticos de história ensaiam uma história do PNLD, não se distanciando, geralmente, das afirmações fornecidas nos sites do Ministério da Educação – MEC e do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação – FNDE.
Assim, orientado pelos conceitos de Estado, sociedade política, sociedade civil, regulação e contradição, Fernando Garcez de Melo afirma que a instituição da Comissão nacional do Livro Didático – CNLD (1938) foi “a primeira preocupação oficial com o livro didático no Brasil” (Melo, 2012, p. 15). A iniciativa de avaliar, certificar e disciplinar, enfim, de regular a circulação de livros didáticos no Brasil justificou-se a partir do interesse de disseminar da “ideologia dominante” (Melo, 2012, p. 17), mas enfrentou problemas na sua efetivação, dada a “imensa burocracia e a incapacidade de executar e materializar a política do livro didático” (Melo, 2012, p. 18). Tais regras foram modificadas com a emergência da ditadura militar de 1964, que manteve a tendência centralizadora, difusora de ideologia, embora sob a ótica do tríptico tecnicista originário dos Estados Unidos: racionalidade, eficiência e produtividade.
Com o fim da ditadura militar, as políticas públicas educacionais são elaboradas no solo social do conflito entre dois “projetos de reestruturação do poder e de representação de interesses”: o liberal-corporativo (neoliberalismo) e o da democracia de massas. (Cf. Melo, 2012, p. 40). Sob a predominante visão neoliberal, o Estado brasileiro efetiva a regulação da educação pública em três dimensões (mediante seus respectivos instrumentos): 1. regulação transnacional – conferência de Jomtiem (Para lembrar ao leitor, é aquele evento do qual saiu o relatório Delors que disseminou as competências básicas da educação escolar no globo: saber, fazer, conviver e ser); 2. regulação nacional – Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB e Programa Nacional do Livro Didático - PNLD; e 3. regulação local – estratégias de sobrevivência dos profissionais docentes (apropriação das normas nacionais) diante das estratégias de regulação nacional.
Mais recente Guia do Livro didático
para o ensino médio.
Para o autor, portanto, o PNLD e, obviamente, o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio – PNLEM são iniciativas de regulação neoliberal. O primeiro é reformulado em 1995, desencadeando a criação de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), instâncias de avaliação do livro didático (FAE), divulgação dos resultados da avaliação (Guias do PNLD) e incentivo às empresas editoras. O segundo, o PNLEM, é instituído por obra do poder executivo em 2003 e (dadas as exigências dos organismos internacionais e o pauperismo da população brasileira) “atende a uma dupla função: propiciar o acesso ao livro e livro didático e incentivar a cadeia produtiva do setor empresarial de livro” (Melo, 2012, p. 68).
Os resultados relacionados diretamente à questão central são apresentados nos capítulos III e IV da dissertação, que trata da percepção dos alunos e dos professores sobre o programa, do detalhamento das diferentes formas de regulação, do conflito entre as prescrições do Estado e as ações dos professores. Fernando afirma que a implantação do Programa atende aos interesses da indústria editorial e é também fruto das demandas dos professores e alunos a respeito do livro didático de história.
A efetivação da política, entretanto, não se faz sem percalços. Professores, por exemplo, reclamam da ausência das obras no ato da escolha, do escasso tempo destinado pelo MEC para a seleção, do dispositivo da lista fechada (títulos restritos aos apresentados no Catálogo do PNLD), do não atendimento das suas opções de título, e da ausência da história local nas obras que chegam até a escola.
Ainda assim, alunos e professores (não obstante as mais variadas formas de uso desse artefato) convergem na opinião de que a política do livro didático favorece o acesso ao conhecimento e representa a conquista de um direito. Partindo do depoimento de 11 docentes e 146 alunos, Fernando também reconhece que o PNLD para o ensino médio é um instrumento de regulação do Estado. Entretanto, tal regulação se manifesta, no caso de Goiânia, como “microrregulação e autorregulação ético-política”. Em outras palavras, professores criam e ajustam os livros “conforme as características, em especial, didáticas dos estudantes, incluindo as temáticas regionais” (Melo, 2012, p. 142).
Por este resumo, não é difícil reconhecer o valor do texto de Fernando. Ele fornece uma narrativa clara sobre a história das políticas com foco no livro didático, orienta-se por um quadro teórico, sustenta seus argumentos com fontes autorizadas, e, por fim, avalia o mais robusto programa educacional desenvolvido pelo MEC e, talvez, o maior, em termos de livro didático, em vigor no mundo.
Aspecto do prédio principal da Faculdade de Educação da UnB
Voos largos, entretanto, significam maiores possibilidades de equívocos. Para o regozijo do autor, boa parte deles reside nas teses da bibliografia referenciada e estão localizados na primeira parte, ou seja, nos capítulos I e II, que narram a experiência do estado brasileiro com as políticas para o livro didático.
Facilmente reparáveis, os excessos referem-se, principalmente, às generalizações pouco refletidas a respeito do papel centralizador e autoritário do governo Vargas, por exemplo, do caráter pioneiro da Comissão Nacional do Livro Didático em termos de políticas oficiais para o livro didático no Brasil, do rótulo de “liberal-escolanovista” para os PCN de História, o denuncismo “ingênuo” sobre interesses e práticas estatais para a difusão de determinada ideologia, e a condenação dos termos "racionalidade", "eficiência" e "produtividade" como inerentes à uma suposta teoria educacional de corte "tecnicista".
Os senões, corrigidos nos próximos 30 dias (quando a dissertação será disponibilizada em definitivo ao público), não maculam as suas virtudes. O trabalho apresenta coerência entre enunciado da questão, objetivos e o seu autor demonstra compreender bastante o “objeto realidade”, atributo raro em profissionais que não estão na “linha de frente” das políticas públicas. Bons exemplos dessa compreensão são o reconhecimento da impossibilidade de o livro didático responder a todas as demandas legais e pedagógicas, seja do Estado, seja de professores e alunos e, principalmente, a conclusão ponderada e politicamente madura sobre relação sociedade política/sociedade civil, não recaindo no ceticismo imobilista, que é fatal para quem estuda e atua em políticas públicas educacionais.
A dissertação de Fernando de Melo, por fim, ainda que de forma indireta (não era a sua intenção), propicia aos estudiosos um bom exemplo de como a objetividade das verdades nas ciências humanas são produzidas a partir da intersubjetividade resultante do cruzamento de vários trabalhos produzidos sob regras do ambiente acadêmico. Quem se der ao trabalho de examinar outros textos sobre apropriação dos livros didáticos de história em estados como o Ceará e Minas Gerais poderá surpreender-se com a semelhança nos resultados, apesar de as pesquisas realizadas fora de Goiás/Brasília estarem orientadas por autores bem distantes de Gramsci, a exemplo de Michel de Certeau e Roger Chartier.
Célio da Cunha (examinador), Fernando Garcez de Melo,  Maria Abádia da Silva (orientadora) e Itamar Freitas (examinador).
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 24 abr. 2012.

Para entrar em contato com o autor
Fernando Garcez de Melo <garcezgyn@hotmail.com>.
Conheça outra publicação de Fernando Garcez de Melo sobre livros didáticos

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Política pública para o livro didático de história no Brasil (1938/2011). Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/politica-publica-para-o-livro-didatico.html>.

Fontes das imagens
Goiânia. Disponível em: <www.brasil.com.br>. Capturado em: 25 abr 2012.
Guia do livro didático do ensino médio - história. Disponível em: <www.fnde.gov.br>. Capturado em: 25 abr. 2012.
Fernando Garcez de Melo. Foto de Rodrigo Garcez. Aparecida de Goiânia-GO, abr. 2012.
Célio da Cunha, Fernando Melo, Maria Abádia da Silva e Itamar Freitas. Foto de Rodrigo Garcez. Brasília, Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. 25, abr. 2012.

Outras postagens sobre esse tema
A ação do PNLD em Sergipe e a escolha do livro didático de história (2005/2007). Disponível em: < http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/12/acao-do-pnld-em-sergipe-e-escolha-do.html>.
Currículos e programas de outros tempos: a experiência dos estudos médios no Brasil (1820/2004). Disponível em: < http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/10/curriculos-e-programas-de-outros-tempos.html>.

Referências
MELO, Fernando Garcez de. Política do livro didático para o ensino médio: fundamentos e práticas. Brasília, 2012, 158 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília.

domingo, 15 de abril de 2012

O contemporâneo e tempo presente (I)

Detalhe de manifestações da "Primavera árabe".

Visões sobre o contemporâneo” é o título do Seminário que acontecerá nos dias cinco e seis de junho na Universidade Federal de Sergipe, organizado por Dilton Maynard, lider do Grupo Estudos do Tempo Presente - GET.
Do evento, participarão especialistas na história do tempo presente de universidades situadas em La Plata (Argentina), Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Pernambuco e Sergipe. O Seminário também oferecerá oficinas sobre as referidas temáticas, coordenadas pelos professores Francisco José Alves (UFS), Anita Lucchesi e Monica Santana (UFRJ).
Como preparação à participação do Grupo de Pesquisas em Ensino de História no evento, disponibilizo minhas notas de leituras sobre as noções de contemporâneo e de tempo presente, temas bastante discutidos, mas pouco definidos pelos comentadores da área.
Para citar apenas um exemplo, cito o recente capítulo de livro inserto nos Novos domínios da história: ensaios de teoria e metodologia da história, coordenada por Ciro Cardoso e Ronaldo Vainfas (2012). Em quinze páginas dedicadas à tríade “História, memória e tempo presente”, Márcia Maria Menendes Motta apresenta o problema da relação história-memória, os argumentos, os céticos e os defensores de uma história do presente e os principais desafios para efetivá-la cientificamente. A autora, no entanto, apesar de colocar-se entre os defensores, fica a nos dever a sua definição sobre o presente e/ou a história do presente.
Vejamos, então, como os termos são definidos a partir de algumas monografias e trabalhos de vulgarização.

Reinhart Koselleck (1923/2006)
Reinhart Koselleck e a semântica dos tempos

Koselleck é conhecido historiador dos historiadores, isto é, um erudito dos eruditos. Aquele teórico a quem os epistemólogos da história se referem para fundamentar seus novos argumentos. Na coletânea Futuro passado [1979][1] ele está preocupado com o “sentido de tempo histórico”. Assim, investiga histórias e dicionários que registram – para usar sua díade – as "experiências" e as "expectativas" de diferentes sujeitos em situações concretas, para buscar indícios linguísticos que possibilitem o conhecimento da relação passado/futuro.
O exame filológico e a história dos conceitos, enfim, lhe permitem chegar à conclusão de que o registro dos acontecimentos contemporâneos ao historiador é prática bastante antiga. Tal registro – “historiografia aditiva” –, entretanto, era efetivado dentro de uma concepção estática do tempo (Cf. Koselleck, 2006, p. 276).
É, portanto, a descoberta (a consciência) de que se vive (experimenta) um novo tempo [neue Zeit], “que se distingue dos anteriores como um novo período” (Koselleck, 2006, p. 280) que explica o surgimento da expressão história contemporânea [neueste Geschichte – história mais recente]. E koselleck exemplifica: “Assim, [J. C.] Büsch, em 1975, antes da Revolução Francesa, organizou a história, segundo o tempo, em história antiga média e nova, até os nossos tempos”, distinguindo, neste último, a história contemporânea, que compreendia, segundo Büsch, “o tempo da última geração, ou deste século” (Büsch, 1775, apud. Koselleck, 2006, p. 280). Kosellec esclarece ainda que “o teste para se saber desde quando a história de seu próprio tempo passou a ser sentida como nova, no sentido enfático do termo, seria a mudança de denominação de nostrum aevum [nossa era] para nova aetas [nova idade], ou do tempo presente, como sempre aparece nos títulos dos livros, para novo tempo” (Koselleck, 2006, p. 277).

Gérard Noiriel
Gérard Noiriel e o sentido de contemporaneidade
Noiriel é um dos maiores especialistas sobre historiografia francesa, com destaque para a produção da escola metódica e da primeira geração da escola dos Annales. Em Qu’est-ce que l’histoire contemporaine? [1998], sua preocupação é preencher uma lacuna detectada nos manuais da área: a ausência de visão de conjunto (a maioria limita-se a um período ou domínio da história). Por dever de ofício, portanto, escreve um capítulo para tratar das “diferentes definições de “contemporaneidade” propostas há um século.
Ele inicia com uma provocação: a prática de produzir (e, consequentemente, a prática e o gênero) história contemporânea nasce na Grécia de Heródoto e Tucídides. Isso ocorre porque o sentido de pesquisa forjado pelos gregos para a palavra história está muito mais próximo do trabalho dos jornalistas e dos sociólogos e menos do método histórico propriamente dito (fundado, apenas no século XIX), uma vez que os referidos historiadores trabalhavam com o testemunho de pessoas vivas. De imediato, entretanto, Noiriel trata de revelar o anacronismo presente em sua afirmação. As concepções de tempo e as estratégias de se chegar à verdade professadas pelos antigos eram muito diferentes das concepções de tempo e verdade dos historiadores modernos.
Ao detalhar essa mutação, Noiriel recupera uma das explicações de Koselleck – a invenção da “perspectiva” e o conceito de “aceleração” –, afirmando que a história contemporânea somente é admitida como campo quando se inauguram as mudanças do tempo cíclico para o tempo linear e da ideia de escrita da história como cópia do real para a ideia de versão. Quando isso ocorre? Obviamente, a partir da Revolução Francesa. Foi o trauma provocado na “consciência coletiva europeia” que contribuiu para a ideia de uma “aceleração da história”. Deste tempo em diante, história passa a significar o acontecido (passado) e também o conhecimento sobre esse acontecido.
Cabeça de Luis XVI
O emprego da expressão “história contemporânea” surge na Alemanha de Büsch e também de Ranke, que distinguia neuere Geschicht (com início em 1492) da sua neueste Geschichte (literalmente: “história mais nova” ou “mais recente”).
Na França, entretanto, seu emprego é tardio e por uma simples razão. Como o sentido etimológico de “contemporâneo” (forjado a partir das raízes latinas cum e tempus) significa, literalmente, “no mesmo tempo”, a história contemporânea confudir-se-ía com a memória coletiva (a história produzida pelos gregos), algo impensável para o século (XIX) que fundamentou a cientificidade da história na separação passado/presente ou história/memória. História contemporânea, ao final do século XIX seria, na França, uma expressão que “associa dois termos contraditórios” (Noiriel, 1998, p. 10).
A adoção da história contemporânea pelos historiadores profissionais (universitários) não é acompanhada da resolução do paradoxo – toda história é história contemporânea, por que o historiador sempre escreve no presente e a história contemporânea não existe, porque a expressão é uma contradição entre termos. Por outro lado, foram as demandas escolares e a necessidade de afirmação dos republicanos que viabilizaram a sua entronização na universidade Francesa. Nos anos 1950, por sua vez, interesses estatais para a explicação sobre os horrores provocados pelas guerras mundiais darão origem às instituições históricas que exploram – ao contrário da "história contemporânea" (já contemplada com seus institutos) – o “tempo presente”.
Tal presente (dentro da premissa de que o passado condiciona o presente), no início e, em outras roupagens, ao longo do século XX, será compreendido como o resultado da ação: 1. da atividade das “instituições” (o Estado, infraestruturas econômicas, por exemplo); 2. das “tradições” culturais (uma espécie de inconsciente coletivo formado pela transmissão da tradição dos pais às crianças, de geração a geração); e 3. das “heranças” biológicas (determinações de ordem genética). (Cf. Noiriel, 1998, p. 19-20).

História contemporânea e tempo presente nas obras de referência e de vulgarização
Iniciemos com o Dicionário de ciências históricas [1986]. J. P. Azema escreve o verbete “História do tempo presente. É portanto, suscinto e objetivo na descrição dos sentidos, da trajetória dos usos da expressão e também sobre os desafios enfrentados pelo tempo presente na condição de novo domínio entre os historiadores.
Grande parte das informações que ele fornece podem ser colhidas com maior detalhamento nos livros de Noiriel e de Koselleck. Aqui, é importante, apenas fixar a definição de história do tempo presente no presente da redação do Dicionário [1986] que é bem próxima à criação do Instituto de História do Tempo Presente - IHGP (1978): “Podemos delimitar o seu campo [até a década de 1930] pela história muito imediata e [no momento da criação do IHGP] pela sobrevivência de testemunhas: poderíamos, antes de tudo, qualificá-la de história com testemunha; atualmente, faríamos com que remontasse à década de 1930, o que é, além de tudo, no caso francês, em termos de gerações, um bom divisor” (AZAMA, 1996, p. 736).
O mesmo procedimento adotado com Azama é aqui seguido para o exame do verbete “História contemporânea”, escrito por O. Demoulin (1996) e publicado no Dicionário. Do gênero, é suficiente guardar a relação estabelecida entre história contemporânea e o ensino e a sua definição, bastante usual no senso comum do professor do historiador brasileiro.
“A história contemporânea é uma história muito estranha. Nascida na França, da reforma do ensino secundário de Victor Duruy (1867), ela se definiu, de princípio, como o estudo do período transcorrido de 1789 ao fim do Segundo Império. Ainda hoje, para grande espanto dos estrangeiros, a queda do Antigo Regime constitui o terminus a quo do universitário contemporâneo. Assim, a ambiguidade da expressão leva a procurar sucedâneos, instant history americana, história imediata ou história do presente” (Demoulin, 1996, p. 173).
Vejamos, por fim, o sentido de tempo presente em um manual destinado aos cursos superiores de história na França. François Cadiou, Clarisse Coulomb, Anne Lemonde e Yves Santamaria, os autores, mesclam história da historiografia, epistemologia (teoria da história) e metodologia –, contemplando a experiência que vai da Grécia clássica à Europa do final do século XX. Aí, em Como se faz a história: historiografia, método e pesquisa [2005], três capítulos são reservados ao estudo da história contemporânea e da história do tempo presente.
A história contemporânea, entretanto, tem o sentido de escrita da história que se produz no período contemporâneo. Isso não impede, porém, que ele expresse, mediante fontes secundárias, alguns sentidos para a “história do tempo presente”, com podemos observar nas citações que se seguem.
Onze de setembro
“Aqui [na concepção do IHTP, criado em 1978], presente significa tanto pós-1945 quanto , segundo a filosofia do personalismo cristão (Emmanuell Mounier). Sua principal originalidade, levado em conta a especificidade do período estudado, residia na sua intenção de incluir a questão da memória no campo da ciência histórica” (Cadiou et. al, 2007, p. 94).
“A expressão história do tempo presente impôs-se em face da história imediata[2] proposta por Jean Lacouture, mas não solucionou as questões de limite cronológico: Danièle Voldman havia proposto como fronteira a presença de testemunhas e atores vivos. Nessa perspectiva, o tempo presente seria móvel. Um outro modo de delimitar seu início consistiria em identificar um acontecimento original (1917; 1945; 1989) que, dependendo de sua proximidade, poderia ampliar ou reduzir o campo do historiador do tempo presente: o nosso não começaria no 11 de setembro?” (Cadiou et. al, 2007, p. 170).
Na próxima postagem, partilharei fichas sobre os sentidos de “história contemporânea” e “história do tempo presente" produzidas a partir da leitura de textos de François Bédarida [1995], Eric Hobsbawm [1997], Julio Aróstegui [2004] e o seu já clássico La historia vivida: sobre la historia del presente. Por hora, sugiro reflexão sobre o conceito de aceleração a partir do conjunto das imagens selecionadas pelo vídeo institucional que se segue.
Até já!



Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Visões sobre o contemporâneo e o tempo presente (I). Disponível em: <http://itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/sentidos-de-historia-contemporanea-e.html>.

Fontes das imagens
Reinhart Koselleck. Disponível em: <http://www.fotomarburg.de>. Capturado em: 21 mar. 2012.
Manifestações - Primavera Árabe. Disponível em: <http://navegadormarroquino.blogspot.com>. Capturado em: 14 abr. 2012.
Gérard Noiriel (2010). Disponível em: < http://www.iicparigi.esteri.it>. Capturado em: 21 mar. 2012
Cabeça de Luis XVI. Disponível em: < http://www.portalentretextos.com.br>. Capturado em: 21 mar. 2012
Onze de setembro. Disponível em: < http://www.tlaxcala-int.org>. Capturado em: 16 abr. 2012
Capa do Dicionário de ciências históricas. Itamar Freitas 2012.
Capa de Como se faz a história. Itamar Freitas, 2012.

Referências
AZEMA, J.-P. Tempo presente. In: BURGUIÉRE, André (org.). Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. pp.736-740.
CADIOU, François, COULOMB, Clarisse, LEMONDE, Anne, SANTAMARIA, Yves. Como se faz a história: historiografia, método e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007.
DUMOULIN, O. Contemporânea (História). In: BURGUIÉRE, André (org.). Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. pp. 173-175.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC-RJ/Contraponto, 2006.
MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In; CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. pp. 21-36.
NOIRIEL, Gérard. Qu’est-ce que l’histoire contemporaine? Paris: Hachette, 1998.
PAILLARD, B. Imediata (História). In: BURGUIÉRE, André (org.). Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. pp. 408-411.









[1] As datas entre parênteses indicam o ano de publicação na língua original.
[2] A expressão história imediata ganhou relevo após a publicação de mesmo título, empreendida por Jean Lacouture em 1963. Para B. Paillard [1983], a história imediata invoca “três filiações: o jornalismo a história e a sociologia”. O autor também define o seu objeto: “É imediato o que se passa no próprio momento [...] A originalidade da reflexão sobre o imediato consiste em sistematicamente pegar em flagrante a atualidade, a novidade, toda a irrupção ou emergência, em resumo, em interessar-se pelos fenômenos da morfogênese. Ora, toda novaidade é suscetível de requestionar sistemas explicativos bem estabelecidos”. (Baillard, 1993, p. 408).

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A história local e currículos de história (2007/2011)


Capela da Avenida do Cruzeiro. Icó-CE.

Colegas da URCA, boa noite.
É com prazer que volto a esta instituição para tratar mais uma vez dos usos do conhecimento histórico em ambiente escolar. Agradeço o convite do Núcleo de Apoio Pedagógico e Pesquisa em Ensino de História – NUAPEH, coordenado pelo professor Egberto Melo, e ao Laboratório de Imagem História e Memória e História – LABIHM, coordenado pelas professoras Sônia Menezes e Jane Semeão. Reitero que estarei à disposição da URCA sempre que o assunto estiver relacionado ao ensino de história, como é o caso deste lançamento do livro do professor Joaquim Santos, que trata da memória da cidade de Porteiras-CE.
Hoje, tratarei do lugar da história local nas prescrições curriculares para o ensino fundamental. A base das minhas considerações está numa pesquisa de maior fôlego empreendida com a professora Margarida Oliveira (UFRN) a partir de 18 propostas curriculares estaduais brasileiras produzidas entre 2007 e 2012. Tentarei responder sobre o espaço dedicado à matéria no conjunto das expectativas de aprendizagem, a natureza dessa matéria e a distribuição da mesma nos quatro anos finais do ensino fundamental. Além disso, tecerei considerações sobre o emprego dos jogos de escala, jogos de duração e das atividades metahistóricas nas expectativas de história local.
Memórias locais objetivadas e revitalizadas. O "Mateus" do
Reisado e o casarão-sede da Escola de Artes Violeta Arraes
Gervaiseau. Barbalha-CE.
A história nos anos finais do ensino fundamental
A fala de hoje aborda a relação história local e currículos para os anos finais do ensino fundamental. Mas, porque os anos finais do ensino fundamental? Penso que a maioria da audiência é constituída por alunos do curso de licenciatura em história. Então, para maior proveito no curso, optei por focar singularidades de uma instância na qual trabalharão boa parte dos que aqui completarem os seus estudos.
As razões principais, entretanto, são menos utilitárias. Considero os anos finais como o momento especificamente formador do sujeito aluno em termos de apropriação do conhecimento histórico produzido pela academia.
Seu público-alvo, em condições satisfatórias, são os adolescentes da faixa etária compreendida entre 10/11 e 15/16 anos. É uma fase identificada pela psicologia do desenvolvimento como pertencente ao estágio operatório, ou seja, é um público que já se encontra no estágio das operações formais – que é capaz de raciocinar por meio de hipóteses e deduções (Cf. Coll e Martí, 2004, p. 46). Como sabemos, sem a capacidade de formular hipóteses é praticamente impossível compreender o conhecimento histórico sobre o passado do modo que a maioria dos historiadores assim o entende: uma versão contestável, construída a partir de indícios.
Também destaco os anos finais pela diferença qualitativa em relação aos anos iniciais e o ensino médio. O ensino de história do primeiro ao quinto ano é dirigido a um público situado no estágio de inteligência representativa ou conceitual. O ensino, portanto, limita-se à construção das capacidades básicas que o habilitarão a interagir com o conhecimento produzido na academia.
Em outras palavras, o ensino de história nos anos iniciais destina-se ao desenvolvimento das noções de espaço e de tempo cronológico e, ainda, da capacidade de extrair informações e de interpretar fontes. Quanto ao ensino médio, este se apresenta, na maioria dos casos, como uma repetição de habilidades e de conhecimentos históricos ministrados nos anos finais, além de estar majoritariamente voltado aos exames nacionais de ingresso nas carreiras universitárias.
Memórias de um tempo distante. Cemitério do Crato-CE.


A importância da história local
Sobre a história local, é necessário inicialmente lhe indicar o sentido aqui empregado. Trata-se de escrita sobre a experiência local, ou seja, historiografia sobre o local. A esse respeito, posso afirmar que é um gênero tão antigo quanto as práticas historiadoras no Brasil. Basta observar a obra historiográfica de José Honório Rodrigues que inventariou e criticou a escrita histórica produzida no Brasil entre os séculos XVI e XX (Cf. Rodrigues, 1969, p. 149-153). Por meio dos seus trabalhos, constatamos que a história (sobre o) local predominou no período anterior à fundação do Estado-nação e depois dele foi bastante cultivada nos institutos históricos provinciais e estaduais. O que são as corografias e os memoriais provinciais, por exemplo, senão histórias político-administrativas locais? (Cf. Freitas, 2007, p. 23-34).
A história local pode, portanto, ser definida por oposição à história do nacional. São relatos que registram a experiência de grupos que se identificam por fronteiras espaciais e sócio-culturais – seja na dimensão de uma cidade, seja nos limites de um Estado ou de uma região do Brasil (Cf. Freitas, 2009). Assim, a história do Lameiro, a história do Crato, as histórias de Barbalha e Icó, a história da região do Cariri ou a história do Ceará são todos exemplos de história local.
Além da referência espacial, a história local pode ser entendida como uma redução da escala de observação (Cf. Freitas, 2010, p. 77-79). Pode, por exemplo, tratar de “referências sócio-culturais”, dando visibilidade aos “protagonistas anônimos da história”. Neste sentido, trata-se de uma abordagem caracterizada pelo esmero na exploração exaustiva das fontes, na descrição etnográfica e na exposição narrativa, como é caracterizada a micro-história, na palavra do historiador Ronaldo Vainfas (Cf. Vainfas, 2002).
Memórias de um tempo recente.Vista parcial do muro da sede da 
ONG "Beatos". Bairro Lameiro, Crato-CE, 2012. 
Seja como escala de observação (micro-análise), seja como recorte espacial em oposição ao nacional (rua, bairro, cidade, município, cidade, estado), a história local é canteiro da memória e instrumento para a formação de identidades. Como recorte espacial, ela fixa limites, marca referências acontecimentais (ações, atores e datas cronológicas). Como abordagem micro ela informa sobre a apropriação particular de processos e acontecimentos de caráter nacional ou global que podem não manter o mesmo sentido codificado pelas historiografias de sínteses produzidas em escalas mais abrangentes.
Assim, histórias locais servem como elemento de identificação, diferenciação, transformando-se em instrumentos de oposição e defesa. Esses atributos, portanto, são alguns dos principais argumentos para a manutenção das histórias locais como conhecimento obrigatório nos livros didáticos e nos currículos para a escolarização básica.
Em pesquisa anterior, examinei (com um grupo de 6 alunos do curso de licenciatura em história da Universidade Federal de Sergipe – UFS) 27 livros didáticos de história regional avaliados e distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático entre os anos 2006 e 2009. Esse trabalho também me estimulou a verificar a questão do lugar da história local no ensino de história em outra instância de apropriação: os currículos prescritos pelas secretarias de educação para as redes públicas de ensino.

O lugar ocupado pela história local nos currículos de 18 estados brasileiros
O primeiro indicador que nos permite visualizar a presença da história local nos currículos é o espaço que ela ocupa em termos de quantidade de expectativas. No Brasil (verificando a partir da totalidade de expectativas de todos os estados), podemos afirmar que é diminuta a sua participação quando comparada aos demais recortes encontrados nas propostas: nacional, continental, transcontinental e global. A história local ocupa módicos 6%.[1]

Gráfico n. 1 – Expectativas de aprendizagem por
recorte espacial: Brasil (2007/2012)


Observem que o grande apelo dos currículos concentra-se no exame do nacional e do transcontinental, respectivamente com 36% e 33% do total de expectativas de aprendizagem.
Outro número a considerar é a participação residual do município nesse conjunto. Apenas três expectativas são a ele destinadas, enquanto nove outras abordam o regional.
O segundo indicador diz respeito à distribuição da história local por ano. Pelo gráfico n. 2 é possível concluir que o município, como instância de experiência, está localizado nos anos 6º e 7º, enquanto o estadual e o regional são distribuídos por todos os anos finais. É importante registrar a presença de progressão por quantidade de expectativas no que diz respeito à distribuição da história local referente ao estado.

Gráfico n. 2 – Expectativas de aprendizagem
por ano : Brasil (2007/2012)


Se o emprego da história local como conhecimento prescrito é diminuto em relação ao nacional e ao transcontinental/global, podemos também afirmar que ele está desigualmente distribuído. Oito estados não prescrevem a história local em seus currículos, segundo os critérios aqui adotados.[2] Cabe esclarecer que computamos apenas os conhecimentos históricos explícitos, ou seja, aqueles substantivos que fazem referência direta ao município, estado ou região, mediante a nomeação do referente, como neste exemplo: “Identificar a situação atual dos quilombolas e dos indigenas no Estado de Mato Grosso do Sul” (MS, 7º ano, 2011). 

Gráfico n. 3 – Distribuição dos conhecimentos substantivos
sobre história local por estado: Brasil (2007/2012)


O gráfico n. 3 demonstra que o estado do Mato Grosso reserva maior espaço para esse tipo de conhecimento (50%), seguido de Goiás (25%), Tocantins (15%) e Mato Grosso do Sul (11%). Os demais disponibilizam entre 1% e 9% do total das suas expectativas de aprendizagem. É, por hora, uma coincidência que os estados da região Centro-Oeste sejam os mais generosos em relação à história local. Não encontramos ainda uma explicação para o fato, já que a ausência de conhecimentos explícitos sobre o local nas expectativas de aprendizagem é um fenômeno presente nas propostas curriculares de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, centros de “poder nacional”, Paraíba e Alagoas, que nem de longe, sob o aspecto do poder, podem ser comparados aos dois primeiros.
Outro dado importante é a distribuição desse conhecimento por recorte espacial (ainda dentro da rubrica de história local). Apesar de reservarem significativo espaço para a história local, Tocantins e Mato Grosso optam pela história do Estado, Mato Grosso do Sul pelas histórias do estado e da região Centro-Oeste e Goiás abordam a experiência da região, do estado e do município.

O conhecimento explorado sobre o local
Conhecidos os espaços ocupados pela história local, vejamos, por fim, a natureza desses conhecimentos. O que se explora sobre o local? Os acontecimentos no todo, os constituintes dos acontecimentos, os conceitos/generalizações e modelos?
Do mesmo modo que ocorre na maioria das propostas curriculares brasileiras, em termos de história local também estão presentes os conhecimentos que configuram os acontecimentos. Considerados no todo, são explorados as conquistas da Amazônia, do Sul do Brasil e a formação de fronteiras e limites (AM), a degradação do meio ambiente, descobertas arqueológicas, migração e urbanização (GO) e a formação da identidade local (SE, MG).
No entanto, são procedimentos analíticos os mais empregados na construção das expectativas da aprendizagem, gerando possibilidades várias de explorar, por exemplo, esses mesmos acontecimentos referenciados acima. Assim, as propostas curriculares requerem o conhecimento e/ou a compreensão, sobretudo, dos alunos, no que diz respeito às características da Questão do Acre (AC), do coronelismo, posse da terra (GO), ciclo da erva-mate (MS), colonização (MG), industrialização, migrações e urbanização (RS) e da experiência pré-histórica (TO).
O mesmo procedimento analítico resulta na expectativa de que os alunos conheçam e identifiquem as consequências do golpe militar de 1964 para Goiás, da experiência goiana para a ocupação do Centro-Oeste, da oligarquia, do processo de ruralização, do evento da conquista sobre os territórios indígenas (GO). Também são esperados a identificação das consequências do iluminismo sobre a sociedade mato-grossese (MS), da chegada da família real para o cotidiano e a formação de grupos de interesse no Rio de Janeiro (MG), do crescimento das cidades do Sudeste para o mundo rural de outras regiões (PE).
Os sujeitos individuais pessoais e coletivos não estão ausentes das propostas. Mas, como podemos observar, são numericamente inferiores às consequências e características dos acontecimentos. Foram incluídos os indígenas (GO, MS, MG, RS) quilombolas (MS), africanos, famílias tradicionais e tribos urbanas – Hip-hop, carismáticos e Country (GO).
Outras iniciativas analíticas residuais complementam o leque de possibilidades para explorar os acontecimentos relacionados à experiência local. São requeridos o conhecimento e a compreensão das causas da criação do Mato Grosso do Sul (MS), do fim do domínio holandês no Nordeste (PE), a origem das cidades goianas (GO), da região Centro-Oeste e do estado do Tocantins (TO), o alcance da Guerrilha do Araguaia, dos movimentos Trombas e Formoso (GO) e da urbanização do Nordeste (MS), e o significado da construção de Belo Horizonte para a modernidade republicana.

Os usos dos conhecimentos em termos de escalas, durações e procedimentos metahistóricos
O último indicador que exploramos refere-se aos usos que os elaboradores de currículo fazem da experiência local no que diz respeito a algumas das novas abordagens professadas pela historiografia acadêmica: durações, escalas e procedimentos de pesquisa e escrita da história.
Em relação aos jogos de duração, são exíguas as iniciativas desse tipo – a exemplo dessa expectativa que pode estar relacionando as durações conjuntural e breve: “Conceituar os ideais iluministas, identificando as transformações ocorridas na sociedade local...” (MS, 8º ano, 2011). Geralmente, quando postos em comparação numa mesma expectativa, os conhecimentos sugerem relacionamento entre durações do mesmo tipo, como nesse exemplo que explora a duração breve. “Identificar as consequências políticas do golpe militar (1964) em Goiás” (GO, 9º ano, 2007).
Em termos de escala, no entanto, as relações são invertidas. Raro é o confronto de conhecimentos referidos ao mesmo recorte espacial, como nesse exemplo: “Estabelecer relações entre a decadência da mineração e a ruralização de Goiás” (GO, 8º ano, 2007) [3]. Em geral, dominam as vinculações entre local e nacional, ainda que algumas propostas vinculem a história do município à experiência extra-continental – “Identificar a origem dos diferentes grupos africanos que foram escravizados na América portuguesa e, particularmente, em Goiás” (GO, 7º ano, 2007).
Por fim, além de prescrever acontecimentos no todo ou em parte, de os explorarem (ou não) em termos de jogos de escalas e durações, as propostas também empregam, ainda que raramente, o local como campo para o desenvolvimento de habilidades relacionadas às operações processuais do ofício do historiador. Dizendo de outro modo, a história local não é somente campo para conhecer. Ela é também campo para o saber fazer, exploradas mediante o desenvolvimento de habilidades preditivas, como nesses dois únicos exemplos extraídos da proposta de Goiás: “ Elaborar hipóteses sobre a ocupação do sertão goiano e o surgimento dos primeiros arraiais”; “Elaborar hipóteses sobre as consequências econômicas e sociais da descoberta de ouro no território goiano” (GO, 7º ano, 2007).
Alunos do curso de Licenciatura em História. Mesa redonda:
"Ensino, Memória e História". URCA, Crato-CE, 12 abr. 2012.
Professores Sônia Menezes, Itamar Freitas e Joaquim dos Santos. Mesa redonda:
"Ensino, memória e História". URCA, Crato-CE, 12 abr. 2012.

Conclusões
Vimos, então, que é bastante reduzido o espaço que a história local ocupa nas expectativas de aprendizagem (6%) destinadas aos alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Além disso, a história local é desigualmente distribuída, seja no conjunto dos estados analisados (oito das dezoito propostas não a incluem), seja no percurso dos anos finais (o local concentra-se nos dois primeiros anos). Chama a atenção, nesse sentido, o fato de os estados da região Centro-Oeste reservarem maior espaço para a experiência local, quando comparados aos estados das demais regiões do país.
Acerca da natureza da história local disseminada, constatamos que as propostas exploram acontecimentos vinculados aos diferentes níveis da experiência humana. Abordam o político, o econômico, o plano simbólico, ideias, conflitos sociais, entre outros, estando, por isso, bastante distanciados da combatida história política de breve duração centrada nos sujeitos individuais pessoais mandatários do local (Algumas dessas histórias estão presentes nos livros didáticos de história regional). Tais acontecimentos são explorados em seus elementos constituintes – causas, consequências, características, significados – e não apenas ao exercício de sequenciação característico das cronologias.
Por outro lado, não localizamos significativo emprego dos jogos de duração. Em termos de jogos de escala, preocupa a reprodução de uma prática costumeira em vigor durante o século XX: a leitura do local como caixa de ressonância dos acontecimentos de abrangência nacional/global. As singularidades da experiência de municípios, estados e regiões não é enfatizada, como também as relações com os seus próximos, curiosamente omitida (ou pouco lembrada). As propostas também não empregam a história local como campo para o desenvolvimento de atividades metahistóricas, aliás, um problema que abrange também as outras rubricas contempladas, a exemplo da história do nacional.
Por fim, resta lamentar e convidar os elaboradores de currículo à reflexão (sorrateiramente sugerida no início dessa fala): se os anos finais do ensino fundamental podem ser considerados um momento de formação por excelência, e se a maioria das propostas e dos manuais de ensino e livros didáticos defende que o ensino de história considerar as memórias individuais e coletivas para a formação das identidades e, por fim, se tais identidades são consolidadas na experiência cotidiana e nas relações entre o global e o local, por que, então, não contemplar todo o currículo dos anos finais com a experiência do local? Por que segregar a história local aos anos iniciais, quando a maioria dos alunos ainda desenvolvem as competências básicas para a compreensão da escrita da história, e, em muitos casos, não dominam o código da escrita? Devemos continuar permitindo que o ensino da história local seja confundido, majoritariamente, com a memória do aluno ou dos pais dos alunos? Não seria o ensino de história local o canal de divulgação dos resultados da maioria das pesquisas produzidas nos cursos de licenciatura do Brasil?
Muito obrigado!

Para citar este texto

FREITAS, Itamar. História local e currículos de história (2007/2011). Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/04/historia-local-e-os-curriculos-de.html>.

Outra postagem sobre esse tema

FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil (2006/2009)

Confiram o filme
"Imagens da cidade", produzido por Maria Thereza (1998), é um bom exemplo de projeto interdisciplinar aplicado ao ensino de história local.


Imagens
Acervo de Itamar Freitas. 2012.

Referências
COLL, César; MARTÍ, Eduardo. Aprendizagem e desenvolvimento: a concepção genético-cognitiva da aprendizagem. In: COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús (org). Desenvolvimento psicológico e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp. 45-59.
FREITAS, Itamar. Bibliografia historiográfica do século XIX. In: Historiografia sergipana. São Cristóvão: Editora da UFS, 2007. pp. 23-34.
FREITAS, Itamar. Fundamentos teórico-metodológicos para o ensino de História (Anos iniciais). São Cristóvão: Editora da UFS, 2010.
RODRIGUES, José Honório. História geral e história local. In: Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. pp. 149-153.
VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da História: micro-história. Rio de Janeiro: Campus, 2002.



[1] O exame foi efetuado sobre 1340 expectativas de aprendizagem (sentença que reúne habilidade(s) e conhecimento(s) requeridos aos alunos dos estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia (proposta de Feira de Santana), Ceará (proposta de Fortaleza), Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
[2] Neste caso, o exame não toma a expectativa de aprendizagem como base de cálculo. São os conhecimentos a matéria da estatística, uma vez que as expectativas apresentam variação não apenas na quantidade de verbos (habilidades), mas também na quantidade de conhecimentos (acontecimento tomado no todo, acontecimento tomado em parte, conceitos/generalizações/modelos, e procedimentos/técnicas).
[3] É claro que o exemplo só serve ser a “mineração” tiver ocorrência no território goiano.