Estação Ferroviária de Aracaju-SE em 1923. |
Esse não é o primeiro golpe que recebe a Estrada de Ferro. Certa intolerância com o empreendimento vem do século XIX. Foi assim, desde a elaboração dos projetos até o primeiro movimento dos vagões em Sergipe.
A primeira iniciativa de implantação da ferrovia cobriria o itinerário Japaratuba-N. S. das Dores (1872). Depois vieram os projetos para interligar Aracaju, Laranjeiras e Simão Dias (1873); Pirambu e Estância; Aracaju, Maroim, Laranjeiras e Capela (1898); e, novamente, Aracaju, Simão Dias, Laranjeiras e Capela (1889). Nenhuma empresa foi adiante. Um só trilho não foi instalado entre as décadas de 1850 e 1900. Quando as primeiras locomotivas chegaram a Aracaju (1913/1915), os tempos áureos da produção do açúcar e do algodão já havia passado. E Sergipe perdia, mais uma vez, o bonde da história. (cf. Silva, 1924, p. 64; Mello, 1999, p. 195; Passos Subrinho, 1987, p. 45-46; Menezes, 2000, p. 11-14).
Por que Sergipe perdeu o trem da história e o que teria acontecido se ele tivesse embarcado nessa estação do progresso são questões que a maioria dos historiadores odeiam responder. Mas, em certos momentos, a imaginação e a curiosidade do leitor contam mais que as normas do ofício. Este é um desses momentos. Arrisquemos nas respostas.
Os trens não vieram a Sergipe porque a Bahia – sempre a Bahia! – era poder no parlamento e no ministério de D. Pedro II, além de forte entreposto comercial, como o Rio de Janeiro e Pernambuco. Sua política de desenvolvimento, comum aos demais entrepostos, fundava-se na submissão das províncias satélites – Minas Gerais, no caso do Rio de Janeiro, Alagoas, para Pernambuco, e Sergipe, para a Bahia. Essa dominação era exercida por meio da abertura de vias entre as regiões produtoras subalternas e o porto de Salvador. A estratégia também incluía a sabotagem de todas as iniciativas de melhoramento nos portos ou de incremento dos transportes fluvial e ferroviário que não a beneficiassem. (cf. Mello, 1999, p. 191-234).
Assim, no conflito entre a grande sede da economia agro-exportadora – a Bahia – e a província-satélite Sergipe – que desejava “provincianizar o seu comércio” e ligar suas áreas de produção aos centros consumidores da Europa, sem intermediários –, Golias venceu repetidas vezes. O projeto sergipano de interligar o interior ao litoral, construindo uma via entre o sertão de Simão Dias e a capital Aracaju, esbarrou, principalmente, no projeto da Estrada de Ferro Salvador-Joazeiro, “uma espécie de estrada messiânica, capaz de redimir economicamente a Bahia ao dar-lhe o controle do comércio sobre uma vasta região do interior brasileiro, dos sertões do Piauí ao norte mineiro e aos chapadões de Goiás...” (Mello, 1999, p. 210). Para Sergipe, a Bahia reservava uma extensão, um ramal ligando Timbó (Esplanada) a Aracaju.
Mas, e se a Estrada de Ferro sergipana tivesse abandonado os relatórios técnicos do engenheiro Pimenta Bueno (1881) e fosse instalar-se nos sertões de Simão Dias, como queria a Assembléia provincial? Provavelmente a Bahia seria outra, bem mais curta, mais pobre e menos arrogante. Os trens sairiam de Aracaju, passando pelo bairro Santo Antônio. Atravessariam o rio do Sal em direção à cidade de N. S. do Socorro, cumprindo parte das funções da ponte do Porto Dantas e da Rodovia da Indústria, atualmente em construção. De Socorro, chegariam até Laranjeiras e Itabaiana. Transpondo os rios Vasa-barris e Caiçá, encerrariam as viagens na bela e próspera Simão Dias, de frente para Coité (Paripiranga), o portal do futuro.
Com esse traçado, estariam beneficiadas as regiões norte e oeste de Sergipe. Um ramal (Laranjeiras-Capela) melhoraria as comunicações do baixo São Francisco com o vale do Cotinguiba. Para o norte seguiriam açúcar, aguardente, melaço e sal. De lá viriam arroz, carne de sal, peixe seco e gado. O tronco Aracaju-Simão Dias recolheria o açúcar de Laranjeiras e de Socorro, o algodão de Itabaiana e de Simão Dias e, em breve, a cana, o café, algodão e cereais de Patrocínio do Coité e de municípios circunvizinhos.
Construída a Estrada de Ferro, no sentido leste-oeste, estabelecer-se-ia o domínio sobre as regiões de Coité, Bom Conselho (Cícero Dantas) e Paulo Afonso, e, ao mesmo tempo, estaria dificultado o fluxo da produção local em direção a Salvador. Dessa forma, os sergipanos legitimariam juridicamente a posse desse território e fariam do local a porta de entrada da província. Uma terceira via que renegava as alternativas litorâneas da Bahia e de Pernambuco.
Acontece que Sergipe perdeu essa peleja, e o ramal financiado no início dos 1910 foi a extensão Timbó-Aracaju, paralela ao litoral, do jeitinho que a geopolítica baiana havia projetado. Assim, os vínculos dos moradores da região usurpada pela Bahia continuaram sendo apenas de sangue e de memória, nada mais (cf. Santana, 1979, p. 58-59).
Hoje, a velha estrada não transporta açúcar, aguardente, carne do sol e nem passageiros. Gasolina e fertilizantes acomodam-se nos tanques e vagões barulhentos, tirando a paz dos seus vizinhos, que não possuem carros ou plantações. Nem de limite entre os pobres e ricos de Aracaju a ferrovia serve mais.
É provável que, depois de renhida luta política, o espaço deixado pelos dormentes seja transformado em um calçadão e a velha estação do Aribé num shoping-center.
Não cabem lágrimas. São as encruzilhadas da história, agindo mais uma vez contra os velhos caminhos de ferro em Sergipe.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Delenda ferrovia. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 07 dez. 2003.
Fonte da imagem
A Estação de Aracaju, em foto publicada na Revista Illustração Brasileira de 2/6/1923. Fonte: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba_propria/aracaju.htm>. Acesso em: 01 dez. 2010.
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