domingo, 28 de dezembro de 2003

A História da Educação faz vinte anos

No ano de 2004 o livro História da educação em Sergipe, de Maria Thetis Nunes, estará completando vinte anos de lançado. Coincidentemente, o Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe prestará homenagens a autora, promovendo três dias de debates sobre toda a sua obra, na segunda quinzena de janeiro.
Primeira e única síntese no gênero, o livro aniversariante vem ganhando cada vez mais leitores, sobretudo por conta do crescimento da pesquisa sobre história da educação em Sergipe. Mas, mas tenho observado que os primeiros contatos dos noviços com a referida obra, costumam gerar declarações desse tipo: “o que eu vou dizer sobre educação em Sergipe, essa mulher já disse tudo! Outra atitude clássica é o comentário depreciativo: “não há muito para salvar no livro; é um marxismo feito a machado; uma narrativa positivista, centrada nos fatos políticos e econômicos, nas realizações de cada governante!.”
Incomodam-me essas atitudes extremadas. Como antídoto, tenho proposto que a História da educação em Sergipe seja lida como produto de uma geração específica, que elaborou uma visão particular sobre o passado sergipano (Cf. Reis, 1999). Isso nos obriga a conhecer algumas idéias-chave do texto.  A primeira delas é a sua teoria da história. Para Thetis, há uma estrutura social (política e cultura) que está ligada e condicionada a uma estrutura econômica predominante do lugar. Depois, vem o sentido da experiência sergipana.  Vivemos para quê? O que orienta a experiência do passado sergipano? A nossa vida está “correlacionada” e “associada” à vida brasileira. O que “lá acontecia, fatalmente seria repetido por aqui”. A terceira idéia-chave é a educação – “fato social” “ligado” e “condicionado” à estrutura econômica de determinado povo, província ou nação. Assim, a educação em Sergipe é vista como um fato duplamente transplantado: da Europa e dos Estados Unidos para o Brasil e do Brasil para Sergipe. Alienada e fracassada, a educação será historiada como sucessivos fracassos das reformas “inspiradas em concepções dissociadas da nossa realidade.” (Nunes, 1984, p. 14).
Como e por que chegou a tais resultados? Ora, a escrita da história é produto da articulação original de presente, passado e futuro a comando do historiador em uma realidade específica (Reis, 1999). E o “específico” de Thétis, caso quisesse estabelecer-se no debate científico, seria fazer uso de um ou de vários explicadores dispostos na segunda metade do século passado, como Nelson Werneck Sodré, C. Prado Júnior F. Fernandes e F. Henrique Cardoso, que ansiavam ainda pela revolução, Não é por acaso que os raríssimos pontos positivos anunciados no livro tenham sido a criação de escolas noturnas e a abertura de cursos técnico-profissionais para a classe trabalhadora.
Mas, ler compreensivamente a História da educação não significa apenas restituir a escrita às suas circunstâncias e ao seu lugar de produção. É importante retomar os pontos de vista expressos e apontar equívocos, ambigüidades e dúvidas que, nessa obra, não podem necessariamente ser atribuídos ao “horizonte de espera” da historiadora.
É preciso dizer que a “educação” tipificada como um “fato social” não clarifica o objeto. Em que consistiria esse fato social, no processo de transmissão da cultura? No resultado desse processo? Nas instituições que encarnam a transmissão da cultura? É preciso questionar também a sustentabilidade da categoria trabalho como princípio educativo no quadro dos nossos dias. Será que a história de uma classe operária sustenta-se como valor explicativo para o presente? É preciso rever a determinação do fato “nacional” sobre a experiência local. Claro que Sergipe é e está no Brasil. O problema é saber o que é o Brasil nos três séculos atravessados pela obra. Seria o Rio de Janeiro, Minas Gerais ou a Bahia? Se o Brasil fosse a corte, como explicar que o surto reformador da escola republicana local tenha partido de São Paulo? Como explicar a atuação de sergipanos que “anteciparam” a experiência nacional, como Tobias Barreto, Martinho Garcez e Felisbelo Freire – antecipações anunciadas pela própria obra?
Esses comentários servem apenas para pontuar as posições de diferentes gerações de pesquisadores em história da educação, campo sobre o qual Maria Thétis Nunes muito fez para delimitar um território. E se alguma dúvida há na indicação da leitura do livro que completará vinte anos, espero que os motivos seguintes ajudem a dissipá-la.
Por que ler a História da educação de Thétis, afinal? Por conta do registro de fontes é uma resposta. Há matéria de história da educação sobre o século XIX, por exemplo, que só pode ser acessada agora por meio desse livro. Mas, deve-se ler Thetis também por conta do modelo explicativo apresentado. É verdade que os noviços adoram temas virgens, onde podem exercitar interpretações mirabolantes e originais. Mas, o experiente pesquisador sergipano lastima e muito não ter uma Thétis – marxista, pseudo-marxista, positivista, etc. – em matéria de história da arte, dos costumes da economia etc., mesmo que seja para retomá-la, como faço nesse instante.
Enfim, deve-se ler Thetis por conta do seu exercício de síntese. Por mais abrangente, arbitrária, lacunar e provisória que tenha sido a sua iniciativa – como o são todas as sínteses – é apenas por seus olhos e sua pena que podemos visualizar uns 300 anos de política educacional, de organização escolar, da experiência de trabalhadores e clientes da instrução, e de práticas de ensino em Sergipe. Antes de Thétis – excetuando-se o trabalho de Calazans – havia apenas 300 mapas estatísticos, 300 laudas de correspondência oficial, 300 artigos legislativos sobre educação, 300 nomes de professores primários, 300 folhas de relatórios de presidentes de província..., 300..., 300... etc.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A História da Educação faz vinte anos. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 28 dez. 2003.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumario desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

Nenhum comentário:

Postar um comentário