segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Sete notas sobre quadrilhas juninas em Aracaju (3) - A música e os trios

Existe uma ligação muito forte entre os trios e as quadrilhas. A fórmula criada por Luiz Gonzaga para vender o baião encaixou-se como uma luva e é peça fundamental na vida desses grupos.
O trio – uns dizem: “trio de sanfoneiro” – é formado por três instrumentos: triângulo, sanfona e zabumba. Na maioria dos casos, ele pertence “juridicamente” ao sanfoneiro que é o empregador. Além de dono dos instrumentos o sanfoneiro goza de uma certa primazia respaldada entre os próprios instrumentistas – triangleiros e zabumbeiros, inclusive. Dizem estes que “a sanfona é um instrumento muito difícil de ser tocado”. É também muito caro.
Não bastassem essas justificativas, há o fato da representação veiculada pelo disco e pela televisão: é sempre um Luiz Gonzaga ou um Domingüinhos que está em primeiro plano.
Mas, há casos em que a indústria fonográfica privilegia os três instrumentistas – Trio Nordestino –, enfraquecendo um pouco a proeminência do sanfoneiro e dando mais a idéia de “conjunto” ao trio. Essa dualidade de mando refletiu-se na formação dos grupos locais e pode ser acompanhada através da nomeação dos mesmos. Há trios que tornam anônimos os seus componentes, fazendo alusão a lugares, músicas etc.: Os Periquitos do Nordeste, Os Filhos do Nordeste, Trio Ceará, Trio Asa Branca, Trio Pé de Serra, Os Três da Bahia, Passarada do Ritmo.
Uma segunda forma de nomear evidencia os sanfoneiros: Lourinho do Acordeom, Jailson do Acordeom, Luis do Forró. Mas, há também o tipo que faz as duas coisas: Edinho e Os Nordestinos do Baião, Bem-te-vi e sua Passarada, Osvaldinho e Os Cobras do Nordeste etc. Esses nomes indicam, muitas vezes, o local de origem dos músicos e é corrente no meio o ditado de que Sergipe não dá bom sanfoneiro: “os notáveis vem sempre de Alagoas, Pernambuco e Paraíba”.
Mas, e as quadrilhas juninas? Que ligações mantêm com tudo isso?
As quadrilhas oferecem trabalho aos instrumentistas durante os meses de março, abril e maio, todos os fins de semana para os ensaios e todo o mês de junho para as apresentações. Daí, a grande procura e valorização dos trios durante as festas e excursões promovidas pelos grupos.
A quadrilha não abre mão dos trios, mesmo com a ação sistemática da indústria cultural, educando os quadrilheiros a consumirem lambada, reggae, fricote, dança da galinha, samba reggae, axé “music” e outras variações; mesmo com a presença da casa de shows Augustu’s, a introdução do carnaval empresarial – os blocos de trios elétricos, e a pasteurização do gosto, promovido pelas emissoras de freqüência modulada – FM.
A despeito de todos esses condicionantes e do preço cobrado pelos músicos, as quadrilhas continuam a lutar pelos trios e considerá-los atributos básicos da sua identidade. Vale o registro da única tentativa que presenciei da substituição do trio num concurso de quadrilhas em Sergipe. O fato se deu em 1985 com a quadrilha Feira de Mangaio. Numa apresentação acompanhada por fita K7, na Rua de São João, o aparelho enguiçou e a quadrilha foi desclassificada. Ninguém mais quis repetir a experiência.
Se a quadrilha não abre mão do trio, não se deve omitir, porém, que a formação do grupo musical também sofreu modificações com a introdução de violões, agogôs, flautas e a participação de cantores solistas. Desses, somente os últimos são mais freqüentes, além de serem responsáveis por uma contradição explícita: “Há muito tempo que o trio deixou de ser trio. Agora é quarteto, quinteto e até sexteto”, dizem muitos músicos.
Essa transformação – de trio à sexteto – está relacionada tanto às práticas dos quadrilheiros, quanto àstransformações da indústria fonográfica. Na década de 1970, era costume ensaiar a dança ao som do disco “Marchinhas e quadrilhas”, de Luiz Gonzaga. Xote, xaxado, marcha e baião eram os ritmos clássicos e indispensáveis. A música instrumental de acordeão ou de “pé de bode” dava a direção aos movimentos do grupo.
Nos anos 1980, novos valores da música nordestina ganharam a cena: Elba Ramalho, Genival Lacerda, Jorge de Altinho e os enfáticos do gênero “duplo sentido” – Zé Nilton e Sandro Becker, por exemplo. A quadrilha acompanhou essa mudança e cresceu a importância da música cantada na estrutura da manifestação. Agora, não basta que o sanfoneiro seja um bom tocador. É preciso que ele saiba acompanhar e cantar bem – e cantar não somente a música de Gonzaga.
Por outro lado, a “profissionalização” dos grupos fez surgir um novo membro, aquele que passava as “deixas” aos quadrilheiros e controlava as pausas musicais. Ele subia ao palco dissimulado na figura de instrumentista, vocalista ou mesmo como solista principal. Ocorre que esse quarto ou quinto músico, não raramente, acabava incorporado ao trio nos bailes tocados fora do roteiro da quadrilha. E foi assim também que os trios se transformaram em quartetos, quintetos e sextetos. O curioso é que ainda insistam em chamar-se de “trios de sanfoneiro”.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A música e os trios. In: Sete notas sobre quadrilhas juninas. Aracaju: Nossa Gráfica, 2007. pp. 23-26.

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