segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Sete notas sobre quadrilhas juninas em Aracaju (2) - A dança

Escrever sobre a coreografia da Quadrilha – é uma tarefa ingrata sem o recurso da imagem. Mas, iniciemos tocando uma questão espinhosa: o tema da “mudança nas partes”. Para a maioria dos quadrilheiros, alguns termos ambíguos como típico, original, e tradicional têm, apenas um sentido: aquilo que só deverá sair em última instância. É a dança mais representativa, que identifica a manifestação. Em outras palavras, aquilo que a diferencia das outras danças como o samba, a lambada, o afoxé, etc.
Dentro das quadrilhas os elementos considerados como típicos, originais, tradicionais podiam ser encontrados no ritmo e nas “partes” que estruturavam as apresentações. Dos primeiros, foram eleitos o xote, o xaxado, a marcha e o baião, apesar de também serem comuns a presença da ciranda, carimbó e valsa – esses últimos com menor freqüência. Sobre as partes consideradas como obrigatórias havia a visita, o jabaculê, xote individual, xote coletivo, baião coletivo, quebra-caranguejo, passeio dos namorados e a grande roda.
Até o início dos anos 1990, a apresentação das quadrilhas era mais ou menos estruturada sobre essa armadura dita essencial. Iniciava-se com entrada dos quadrilheiros, por meio do passeio dos namorados, tomando formas que variavam de grupo para grupo, ano a ano. Ao fim da entrada acontecia a primeira parada. Era o cumprimentar o público. Os pares postavam-se em colunas e executam a visita ou o cumprimento entre pares – ou, ainda, entre damas e cavalheiros.
Depois desse movimento, executavam-se o jabaculê, xote coletivo, xaxado coletivo, baião, e o quebra-caranguejo e assim, sucessivamente. O passeio dos namorados, feito ao ritmo da marcha, servia como ligação entre as partes – quando desfeitas, transformavam-se em passeios – para formar a entrada e a saída da Quadrilha.
A ordem de apresentação dessas chamadas partes essenciais também variava de grupo para grupo. Poder-se-ia executá-las em colunas ou em círculos e já havia grande preferência pela execução do xote e do baião coletivos em círculos, devido a dificuldade em se alinhar os pares. O item alinhamento, adotado nos concursos, começava a interferir nas novas preferências. Quanto ao xaxado e o xote individuais – executados por pares isolados –, apresentava-se geralmente sob formas circulares.
A Quadrilha, contudo, não vivia somente do “típico”, original e tradicional. A licença inventiva tinha nome e os quadrilheiros costumavam chamar a esse tipo de parte de “a criatividade”. Era o espaço de experimentação auto-concedido a cada grupo. Um instante em que se procurava apresentar o novo e surpreender os jurados e a platéia. Este momento consumia, em média, 40% do tempo de exibição da Quadrilha e a coreografia era montada sobre uma música de grande apelo popular, um hit do rádio naquela temporada.
“A criatividade” era uma produção secreta, evidentemente. Adaptava-se um passo ou uma parte esquecida ou trabalhava-se uma marca expressiva do próprio grupo, como foram inicialmente, os casos dos grupos Som Brasil e Chapéu de Couro que executam uma parte ao som de “Vide vida marvada”. Essa coreografia consistia na execução do passo do baião por meio de quatro fileiras diagonais, exclusivas de damas e de cavalheiros. Para quem não se lembra dessa música, basta lembrar do primeiro programa de música caipira de grande sucesso na Rede Globo. Observem que a música de abertura, cantada pelo apresentador Rolando Boldrin, nem mesmo se encaixava entre aqueles ritmos considerados como insubstituíveis nas quadrilhas.
Além da tradição e da criatividade, um terceiro grupo de partes entrava na estrutura das quadrilhas. Ele servia de ligação entre os dois tipos anteriores e era executado com bastante rapidez, o que, não raro, provocava a revolta de alguns espectadores mais exigentes. Essas partes rápidas eram justamente inspiradas na estrutura da “antiga Quadrilha”, ou seja, de toda espécie de manifestação nomeada quadrilha que a memória individual de cada adulto era capaz de alcançar. Se se quizer uma datação, basta pensar em uma formação extinta há no máximo sessenta anos, o que provocava muitos mal entendidos, posto que cada expectador tinha uma representação “original” de quadrilha.
Das partes mais recorrentes, que remetiam às formações “antigas”, são de fácil lembrança os famosos túneis, executados no passo da marcha, como passeio dos namorados, o par de alianças, caracol, cara dura, travessê, moinho, cestinha de flor, coroação de damas, coroação de cavalheiros, cochicho, onda, caminho da roça e beija-flor.
Tudo isso vivia na memória dos mais velhos e era recuperado sutilmente nos grupos de competição. Ocorre que a história tem seus próprios caprichos. Em certo ano, alguém teve a idéia de subverter a hierarquia das partes e num revival romântico considerou a execução de túneis, cara-dura, moinho etc. como eventos mais importantes a serem apresentados, mesmo numa disputa oficial. A novidade agradou ao público e os prêmios começaram a chegar. Então, o que era efêmero transformou-se em evento principal da quadrilha. O que era “a criatividade”, abriu espaço para a memória dos velhos.
Infelizmente, essa mudança na experiência quadrilheira só ganhará maior visibilidade quando os mais destacados representantes dessas duas correntes – Quadrilhas Chapéu de Couro e Quadrilha Maracangalha (o grupo temático e o grupo à moda antiga) forem objetos de pesquisa histórica particular.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A dança. In: Sete notas sobre quadrilhas juninas. Aracaju: Nossa Gráfica, 2007. pp. 17-20.

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