Marcadores é como são denominado os líderes das quadrilhas. Líderes em vários sentidos: na escolha das coreografias, do roteiro de apresentação, na colocação dos pares – à frente ou ao fundo -, na escalação de quem dança e de quem sobra, na palavra final sobre o traje, etc. O marcador é efetivamente o líder do grupo. Contudo, já houve tentativas de compartilhamento de poder. Vários foram, também, os fracassos. A “democracia” na Quadrilha começou a ser experimentada com a formação de diretorias para desempenhar tarefas de gerenciamento dos grupos, solucionando problemas como a captação de dinheiro, falta de local para o ensaio, necessidade de transporte e até o trabalho de cooptação de bons dançarinos.
O resultado dessa tentativa de organização do grupo em entidade de direito privado, com uma gestão democrática foi quase sempre o confronto entre o marcador – que teria tarefas ligadas ao ensaio, à parte artística – e o restante da diretoria. No conflito, a diretoria era dissolvida e o marcador reassumia o poder total perante o grupo.
Hoje, as quadrilhas são lideradas administrativa e artisticamente pelos marcadores, auxiliados por um ou outro abnegado, disposto a agüentar as suas idiossincrasias e o estresse provocado pela condução dos trabalhos. Quando há diretoria na Quadrilha, ela é quase sempre presidida pelo próprio marcador.
O fato de várias diretorias terem fracassado, pode ser explicado pela própria origem dos grupos. Em geral, uma Quadrilha nasce em torno de uma pessoa e essa pessoa, dedicada, talentosa, carismática, é o marcador. Até oito anos atrás, aproximadamente, esses indivíduos apresentavam-se e atraiam outros dançarinos dando provas do seu talento na criação de partes e na execução dos passos com perfeição.
Hoje, outros requisitos foram incorporados, como: o poder sobre políticos, sobre a comunidade, dentro do movimento dos marcadores e, até mesmo, a sua capacidade de levantar fundos. Ser um bom dançarino já não é fundamental para tornar-se o centro das atenções. Esse marcador, que se empenha na formação da Quadrilha, fornecendo o estilo e, por muito tempo, sustentando-a financeiramente, vai tecendo suas relações com os membros do grupo e estabelecendo-se como líder inquestionável.
Uma Quadrilha também nasce da reunião de alguns interessados que possuem as condições administrativas para sustentarem o grupo, mas carecem de experiência na dança ou de respaldo no meio dos quadrilheiros. Primeiro, solicitam o auxílio de um marcador convidado – remunerado ou não – para a concretização do projeto. Pode ser uma Quadrilha de Associação de moradores ou então de escola, de clube, de empresa, de um político, etc. Novamente, aí o marcador vai tecendo a rede de amizades e, mesmo sem ser o responsável direto pela formação do grupo, acaba por assumir poderes totais.
Se a principal intenção de quem participa das quadrilhas é a de aparecer dançando e como essa escolha está a cargo do marcador, em ambos os casos citados, não há muito como questionar as vontades do mesmo. No segundo caso, a força do marcador é dupla, pois conta com a incompetência de seus contratadores em relação à dança.
Os marcadores são sempre do sexo masculino. Dançam à frente da coluna e, via de regra, com a dama considerada “a mais bonita” do grupo. Dele não se exige “boa aparência” ou estatura mediana – com no caso dos noivos -, ou combinação da altura – entre a dama e o cavalheiro de um mesmo par. O lugar de dama do marcador é o mais cobiçado, depois, é claro, do posto de marcador. Há uma verdadeira disputa entre as mulheres do grupo. Nesse caso, ao contrário do que ocorre com o marcador, a habilidade com a dança pesa bastante.
Não são raros os relacionamentos amorosos entre o marcador e várias damas do mesmo grupo. Por ser uma peça “facilmente substituível” e vulnerável à críticas, a dama que pretende ser a escolhida não pode assegurar-se somente da simpatia do marcador. A sua competência será exigida e posta à prova durante as apresentações, corrigindo falhas e minimizando a insegurança do seu parceiro na marcação das partes.
O marcador aponta o lugar da coluna onde o quadrilheiro deve dançar e com qual dama este combina. Ele escolhe a cor do vestido de cada uma, o tipo de camisa e o modelo do chapéu. Determina a quantidade de ensaios, o ritmo das coreografias e a música que aí deve ser encaixada. Externamente, traça o roteiro das apresentações – se em concursos, atividades filantrópicas ou apresentações vendidas a empresas, etc – e escolhe as tendências políticas ou os grupos econômicos com os quais a Quadrilha se relacionará.
Depois dessas informações, vocês poderiam perguntar: e não há contestação deste poder por parte dos demais membros? Certamente que os conflitos ocorrem com um ou outro e, até, com a maioria do grupo. Entretanto, nas quadrilhas que conheço, quase sempre o marcador utiliza-se das suas reservas para contornar o problema. Ele pode retirar o apoio dos patrocinadores, pode utilizar o carisma ou optar pela simples substituição do membro. Quanto mais organizado for o seu trabalho, mais pessoas estarão esperando por uma chance para participar do grupo.
Nos últims anos, já acompanhei várias foram as ocasiões em que ao final de uma temporada os membros dispersaram-se, acusando o marcador de toda espécie de delitos, prometendo não mais voltar. Para a minha surpresa, em janeiro do ano seguinte, no calor dos movimentos para os ensaios, lá estavam estes membros descontentes às boas com o “corrupto” marcador do ano anterior.
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Alguns observadores criticam os marcadores por não “comandarem” a Quadrilha através do grito. Mas, se as palavras pronunciadas em francês deturpado, os títulos das partes há muito perderam seu efeito, é também por uma questão eminentemente técnica e não por abandono deliberado do marcador. Ocorre que desde 1985 a maioria dos arraiais vem sendo equipados por sonorização de alcance médio. Isso impede a recepção da voz do marcador ditando as partes. Outro motivo advém do aumento do número de apresentações. No ritmo quase diário, a rouquidão é freqüente, após a terceira ou quarta apresentação.
A questão da surpresa também explica a omissão dos nomes das partes. Essa estratégia causa maior impacto nos jurados e obriga a atenção contínua do público que espera sempre pela próxima parte, até o final da apresentação. Com isso, novas formas de marcar foram criadas. Há os que marcam por meio de sinais com dedos, mãos e braços. Uns gritam o ritmo dominante da parte por várias vezes para indicar a mudança de passo – dentro do mesmo ritmo. Há os que promovem paradas bruscas no ritmo e solicitam música ao sanfoneiro, nomeando a parte: “sanfoneiro, olha o balancê”. Há os que gritam e são imitados por um membro localizado estrategicamente no meio da coluna. Por fim, existem aqueles que sincronizam cada parte a uma determinada música ou grupo de músicas, delegando aos tocadores a responsabilidade sobre as mudanças durante a apresentação. Esta última forma de marcar tem muita relação com a mudança de função do sanfoneiro – de solista para acompanhador – e com o aparecimento do cantor no trio. O solo vocal, por sua vez, está ligado ao fim da veiculação radiofônica, das marchinhas e quadrilhas, xotes, arrastapés, etc. de solistas famosos como Máriozan, Luiz Gonzaga, Abdias e Gerson Filho.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. In: Sete notas sobre quadrilhas juninas. Aracaju: Nossa Gráfica, 2007. pp. 43-47.
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